Acórdão nº 01423/04.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução03 de Maio de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO RCCV(...), MECV(...) e marido AOCV(...) intentaram acção administrativa comum com processo sumário contra RACF(...) e mulher LCF(...), todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos: “(a) ser declarado e reconhecido aos AA., irmão e sobrinhos filhos dos irmãos já falecidos, o direito da concessão do uso por transmissão mortis causa de uma sepultura de pedra situada no Cemitério de (...), da comarca de Celorico de Basto, considerando a entrada do cemitério, e junta à sepultura de LTL(...); (b) serem os RR. condenados a reconhecerem a concessão da sepultura, referida na cláusula anterior; (c) serem os RR. condenados a absterem-se da prática de qualquer acto que atente com aquele direito de concessão da sepultura; e (d) serem os RR. condenados nas custas e demais encargos legais”.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi julgada improcedente a acção.

Desta decisão vem interposto recurso.

Em alegação os Autores concluíram assim: 1 - Atenta a matéria assente e o depoimento prestado pelas testemunhas, não se descortina em que elemento probatório se fundou o senhor Juiz para dar como provado que a “A parcela de terreno referida em 1(quesito) é aquela a que se reporta o alvará referido em C)(factos assentes)” 2 - A única testemunha que estabeleceu a ligação que se impunha entre o alvará emitido em 1985 e a sepultura em discussão nestes autos, acabou por afirmar não se recordar e nem ter visto os recorridos a solicitar os serviços de construção civil e de membro da junta de freguesia que eram desempenhados pelo seu sogro, para construir e emitir o dito alvará de concessão referente à dita sepultura; 3 - Assim, a resposta ao quesito 17.º teria que ser dada como não provada, tanto mais que nem do referido alvará resulta a identificação da sepultura e a sua localização no cemitério de (...); 4 - Outrossim, dos depoimentos das testemunhas, quer do que as mesmas expressamente referiram, quer do conjunto da prova produzida, resultou provado o ponto 16, isto é, que os Réus sabiam que o jazigo é concessão dos Autores, demais irmãos e sobrinhos dos irmãos falecidos.

5 - Pelo que, o senhor Juiz incorreu em erro na apreciação da prova, pelo que, nos termos do disposto no art.º 712.º do CPC, impõe-se a alteração da matéria de facto, não se considerar provado o ponto 16 da fundamentação de facto da sentença recorrida; 6 - A referida alteração da fundamentação de facto implicaria ainda que fosse dado como provado o seguinte facto e que tomaria o lugar daquele ponto 16 da fundamentação de facto: 16 - “Os Réus sabem que o jazigo é concessão dos Autores, demais irmãos e sobrinhos dos irmãos falecidos”.

7- Os cemitérios municipais e paroquiais, são bens do domínio público, qualidade essa que resulta dos mesmos pertencerem a uma autarquia local, de se destinarem à inumação de todos aqueles que falecerem na circunscrição onde se situam e de serem de acesso livre; 8 - A existência de tais espaços encontra a sua justificação na contribuição que eles podem dar para que a inumação dos cadáveres se processe em condições higiénicas e sanitárias dignas e porque se considera que essa finalidade será melhor alcançada se o seu uso for privativo, os mesmos encontram-se divididos em parcelas de pequenas dimensões cujo uso é facultado, de um modo individual e através de títulos de concessão, às pessoas que dele necessitem; 9 - Os referidos títulos, que documentam a atribuição, por acto ou contrato administrativo, dessas parcelas pertencentes ao domínio público ao uso e utilização privativa de certa pessoa, que pode ser perpétua, permitem a constituição de direitos de índole administrativa sobre elas, direitos estes que, apesar de serem regulados pelo direito administrativo em todos os seus aspectos, são, desde que observadas determinadas condicionantes, transmissíveis; 10 - Na verdade, é pacífico o entendimento de que tais direitos de natureza administrativa, apesar de não terem o mesmo conteúdo e alcance que os direitos civis, assumem um conteúdo diferenciado destes direitos reais, tais como a de usarem os direitos apenas em conformidade com os Regulamentos, as autorizações e as práticas adequadas à função específica, de os jazigos familiares não poderem produzir remuneração pelo depósito provisório de um caixão com pessoas estranhas à família, de tudo conservarem interna e externamente em boas condições de sanidade decoro, conservação e apresentação, de em tudo guardar o respeito, a dignidade, e a compostura que o local exige de todos, etc.; 11 – E, embora não serem susceptíveis do mesmo tipo de uso, fruição e disposição, são susceptíveis de transmissão por morte aos herdeiros do de cujus; 12 - A justificação para tal entendimento radica no facto de ser comummente aceite que a construção de jazigos e sepulturas se destina a preservar os sentimentos de piedade e respeito pelos membros falecidos da família e de se considerar que essa transmissão é a melhor forma de assegurar a continuidade desses sentimentos familiares; 13 - Deste modo, sendo a transmissão hereditária do jazigo ou sepultura um acto normal por estar em perfeita conformidade com a concepção ”familiar” que tradicionalmente os acompanha tem sido considerado que essa transmissão se encontra dispensada da autorização ou consentimento da autarquia a quem pertence o cemitério, sendo apenas necessário proceder ao seu registo; 14 - Porém, e na mesma ordem de considerações, tem também sido dito que esta livre transmissibilidade deve ser restrita aos familiares que se incluem na sucessão legítima, por serem estes os herdeiros que, pela proximidade dos seus laços familiares, melhor garantem a preservação daqueles valores morais e sentimentais; 15 - Com efeito, a transmissão daquela concessão para além dos parentes que se incluem naquela sucessão, que naturalmente já não sentem a afeição, a proximidade e o respeito pelos familiares mais distantes, exigiria o mencionado consentimento ou autorização pois que os mesmos encontrar-se-iam, no que toca aos falados sentimentos, numa situação muito semelhante à dos terceiros e, porque assim, não deveriam ser positivamente discriminados em relação a estes; 16 – Ora, provou-se que a sepultura em causa nunca ficou abandonada, antes pelo contrário, demonstrou-se que os recorrentes velaram e velam pela sua conservação, asseio e limpeza - facto 7 da fundamentação de facto; prestando preito, homenagem aos entes queridos lá sepultados – facto 8; dirigindo-se com frequência a essa sepultura, rezando junto dela e recordando com saudade os entes queridos que aí jazem – facto 9; Comparecendo no dia de todos os Santos e dos Finados junto daquela sepultura, em atitude de recolhimento e de veneração pelos seus familiares que lá repousam – facto 10; O que tudo sempre têm feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na convicção de que estão e sempre estiveram, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de concessão e utilização da dita sepultura – facto 11; 17 - A sentença recorrida invocou a existência de um título, o alvará de 1985, emitido nos termos do Decreto 48770, de 18 de Dezembro de 1968, isto é, um título emitido em data cerca de setenta anos depois da primeira inumação que ocorreu em 1918, e ainda decorridos trinta anos depois da morte do pai dos recorrentes, AAV(...); 18 – Em momento algum do processo foi alegado, e da discussão do aspecto jurídico da causa, não resultou coisa diferente, que o referido jazigo tivesse sido dado como abandonado, o mesmo nunca ficou livre e à disposição da Junta de Freguesia, mormente, naquele ano de 1985, para que a mesma pudesse dar a concessão a referida sepultura no dito cemitério de (...) ao recorrido; 19 – Apesar de não haver impedimento para que o recorrido adquirisse para si a concessão de um espaço para efeitos de sepultura perpétua no mencionado cemitério de (...), não podia adquirir a sepultura em causa por a mesma não ter sido declarada abandonada e nem o alvará junto aos autos faz referência à sepultura reivindicada por concessão pelos recorrentes ou outra; 20 - Pelo que, é incompatível e ilegal à luz das regras jurídicas vigentes e até da lógica subjacente à ordenação do uso daqueles espaços, os quais, como supra se expôs se destinam a preservar os sentimentos de piedade e respeito pelos membros falecidos da família e, por isso admitirem que a sua titularidade se transmita mortis causa, por se considerar que essa transmissão é a melhor forma de assegurar a continuidade desses sentimentos familiares; 21 - Ora, a sentença recorrida, fundamentou a improcedência da acção de uma forma contraditória com toda essa lógica e regulação, pois por um lado aceitou serem os recorrentes quem velam e cuidam da sepultura por ali terem os seus familiares directos (neste caso o pai), em data muito anterior à emissão do dito alvará, e até que este deixou aos seus herdeiros directos todos os seus bens – designadamente os aqui recorrentes – e por outro lado, sem qualquer prova séria e credível e, apreciando um documento que não faz referência alguma à sepultura em causa, acaba por considerar que os recorridos demonstraram serem os titulares da mesma; 23 – Pelo que a sentença recorrida, julgando a acção improcedente, incorreu em evidente erro de julgamento.

24 - Assim, a sentença recorrida violou, para além de outros, o disposto nos art.ºs 33.º, 34.º, 35.º, 36.º e 37.º e 42.º do Decreto 48770, de 18 de Dezembro de 1968, 659.º, 660.º e 664.º do CPC e 94.º e 95.º do CPTA.

Termos em que deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser revogado a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue a acção procedente, por provada, com as legais consequências.

Assim se fazendo JUSTIÇA Os Réus contra-alegaram, concluindo desta forma: 1- Não assiste razão alguma aos recorrentes, tanto no seu não acatamento com o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT