Acórdão nº 05931/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução24 de Abril de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO A Ordem dos Advogados, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 13/10/2008, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada por António …………………….

e Pedro …………….

, julgou a ação procedente, declarando ilegal a decisão impugnada, que não admitiu o recurso apresentado, por falta de legitimidade dos autores e condenando em conformidade.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 296 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “

  1. Discute-se nos presentes autos a interpretação da norma contida no art. 81º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, no sentido de apurar a quem é que a citada disposição legal pretendeu atribuir legitimidade para interpor recurso gracioso da decisão proferida em primeira instância pelo Conselho Distrital.

  2. Ao contrário do defendido pelo MM Juiz a quo, a correcta interpretação do citado art. 81º, n.º 4 do E.O.A., à luz da sua ratio e em conjugação com o disposto no art. 53° do C.P.A., não poderá deixar de ir no sentido de que só ao Advogado que solicita o pedido de dispensa de sigilo assiste tal legitimidade. Senão veja-se: c) De harmonia com o disposto no art. 81°, n.º 4 do anterior E.O.A. “cessa a obrigação de segredo profissional em tudo quanto seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do Conselho Distrital respectivo, com recurso para o presidente da Ordem dos Advogados”.

  3. Ao atribuir à Ordem dos Advogados o dever de pronúncia em cada caso concreto de cessação do dever de sigilo profissional, mais não fez o legislador do que elevar “(...) o segredo profissional à categoria de dogma inerente ao interesse público dominante, que é o interesse da justiça na sua mais lata acepção” (vide acórdão do STA, de 15/12/04, in www.dgsi.pt ).

  4. Assim, mais do que uma dimensão pessoal inter-individual, o segredo profissional encerra em si uma dimensão institucional supra-individual, relacionada com a garantia da relação de confiança da generalidade dos cidadãos na classe profissional dos advogados.

  5. Daí que, enquanto dever basilar do exercício da advocacia, o legislador tenha procurado limitar a casos absolutamente excepcionais a possibilidade de o advogado se desvincular do dever de guardar sigilo.

  6. Nessa medida, a determinação da legitimidade para a intervenção no âmbito do recurso a que alude o artigo 81°, n.º do anterior E.O.A. não poderá deixar de ser feita à luz do carácter excepcional da norma contida nesse preceito normativo e da dimensão supra-individual atribuída ao dever de sigilo.

  7. De harmonia com o disposto no art. 53° do CPA “têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos”, sendo que a averiguação da existência de um interesse em intervir, no âmbito do procedimento administrativo, pressupõe a análise das normas e respectivo âmbito de protecção que o procedimento se destina a aplicar.

  8. Nesse sentido, conforme avança Mário Esteves de Oliveira, deve exigir-se que o interesse que legitima alguém para intervir no procedimento, atenta a função da norma a cuja aplicação o mesmo tende, seja um interesse directo.

  9. Ora, através da análise interpretativa do âmbito de protecção da norma contida no art. 81°, n.º 4 (adoptando como válida a teoria do fim da protecção da norma enunciada supra), facilmente poderemos chegar à conclusão de que, com tal disposição, se pretendeu única e exclusivamente salvaguardar os direitos do Advogado detentor do sigilo e do seu cliente ou representantes e, bem assim, o interesse público inerente à realização da justiça.

  10. E se assim, nos pedidos de levantamento do sigilo só podem ser admitidos a intervir a própria Ordem dos Advogados, na defesa do interesse da própria profissão que impõe o sigilo como regra (salvaguardando o cumprimento de um dever que é de interesse público) e o próprio advogado que pede a dispensa, como titular dos interesses que estão subjacentes às excepções àquela regra.

  11. Nenhum outro interesse directo é descortinável, pelo que, nenhuma legitimidade pode ou deve ser reconhecida a terceiros, contrariamente ao defendido na douta sentença recorrida.

  12. Donde, não se poderá considerar que, no caso em apreço, os agora recorridos, invocando um mero interesse indirecto ou reflexo na não dispensa de sigilo, possam ver reconhecida legitimidade para interporem o recurso previsto no art. 81°, n.º 4 do E.O.A.

  13. Na verdade, não impõe o mencionado preceito normativo qualquer ponderação de interesses, nomeadamente de um eventual interesse reflexo ou indirecto da parte contrária na não divulgação dos factos sujeitos a sigilo, para que seja concedida a dispensa requerida, mas tão só que a mesma seja essencial à defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do seu cliente.

  14. Por outro lado, a particular natureza da matéria em apreço e a unipessoalidade do órgão deliberativo [o Presidente do Conselho Distrital ou o Vogal a quem tenha sido delegada a competência para o efeito, como sucedeu no caso dos autos] reforçam a conclusão de que a mesma se deve revestir de compreensível confidencialidade – e, até, inevitavelmente de algum subjectivismo – o que não se compadece com a prévia audição de terceiros eventualmente interessados.

  15. Conforme se deixou dito no Parecer do Conselho Geral, aprovado em 30/11/84 (publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 44, Dezembro de 1984, III, pág. 735 e ss) “doutra forma estaríamos a introduzir inaceitáveis condicionantes exógenas à apreciação dos pedidos de dispensa com eventual publicidade na notificação de 10 terceiros para sobre eles se pronunciarem, na notificação das decisões de primeira instância aos supostos interessados para efeitos de recurso, na própria discussão de quais os factos lesivos da dignidade e direitos do Advogado”.

  16. Termos em que se terá de concluir que a douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, as normas contidas no artigo art. 84°, n.º 1, alínea a) e 4 do E.O.A., aprovado pelo D.L. n.º 84/84, de 16 Março, na redacção dada pela Lei n.º 80/2001, de 20 de Julho.”.

    Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.

    * Os ora recorridos, notificados, não apresentaram contra-alegações.

    * O Ministério Público...

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