Acórdão nº 06958/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelANTÓNIO VASCONCELOS
Data da Resolução11 de Abril de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul: O ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, inconformado com a sentença do TAC de Lisboa de 18 de Março de 2010- que julgou totalmente procedente a acção administrativa comum intentada pela A….. ………, SA, e o condenou, por responsabilidade extracontratual por facto lícito, no pagamento à Autora de uma indemnização no valor total de 3 466 449,22 euros, acrescido de juros desde a citação até ao seu integral pagamento - veio interpor o presente recurso, pedindo que a sua condenação seja reduzida para uma indemnização de montante claramente inferior àquele, que não seja calculada pelos critérios previstos no art. 562º do C.C. e que não inclua o prejuízo decorrente da emissão de notas de crédito pela Autora aos próprios clientes por inexistir nexo de causalidade entre o acto e esse prejuízo.

Em sede de alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões : «1. A actuação do MADRP determinou a apreensão de todos os produtos de aves abatidas e congeladas anteriormente a 14 de Março de 2003 e a sua destruição.

  1. Tais medidas foram tomadas tendo em atenção o interesse geral, com o propósito de garantir a segurança alimentar, a saúde pública e o reforço da confiança dos consumidores, visando a protecção da população portuguesa em geral, atenta a dimensão e a importância do consumo de carne de aves em Portugal e, ainda, perante as autoridades comunitárias, por ter sido tomada com vista a evitar tornar a medida ainda mais gravosa, do embargo comunitário.

  2. No âmbito da “crise dos nitrofuranos” ocorreu uma quebra de mercado.

  3. Além das circunstâncias exteriores ao dano, existe um risco próprio da actividade de que o proprietário não pode libertar-se e, por esta via, justifica-se que a indemnização se afaste do valor real do mercado.

  4. Ao fixar o montante indemnizatório de acordo com os critérios previstos no artigo 562º do Código Civil a Mmª juíza a quo incorreu em erro de julgamento.

  5. A “indemnização justa” em relação a facto ilícito consiste na entrega do necessário a reconstituir a situação que existiria não fora o evento danoso, pelo que obriga à reparação dos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se o facto lesivo não tivesse ocorrido (arts 562º e 563º do Código Civil).

  6. já a “indemnização justa” em relação ao facto lícito será encontrada pelo valor dos danos especiais e anormais sofridos que tenham sido causados pelo facto impositivo do sacrifício – cfr art. 9º nºs 1 e 2 do Decreto Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967.

  7. Não resultando da matéria provada que o Réu tenha dado ordem à Autora para emitir notas de crédito no valor global de € 167 920,94 (decorrentes da inutilização dos bens pelos seus próprios clientes) falece o nexo de causalidade relativamente a estes danos.

  8. A Mmª Juíza incorreu, assim, em erro de julgamento, não só ao fixar montante indemnizatório de acordo com os critérios previstos no art. 562º do Código Civil, como ainda ao considerar imputáveis a conduta do Réu – e, como tal, indemnizáveis – os danos decorrentes da emissão de notas de crédito pela Autora aos próprios clientes, pela inutilização dos bens destes últimos.

» * A ora Recorrida contra – alegou no sentido de ser negado provimento ao recurso alegando em síntese que : - Os prejuízos decorrentes da emissão de notas de crédito constituem uma consequência da ordem ministerial de apreensão e destruição dos produtos em causa, tendo por exclusiva finalidade revogar o efeito contabilístico produzido pelas facturas dos produtos destruídos; - A matéria do critério de determinação do valor a liquidar nas situações de responsabilidade civil encontra a respectiva sede no artigo 562º do Código Civil, que não distingue entre a origem do dano ou a natureza do facto.

* Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

* A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade que se passa a transcrever: A) A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício da actividade de abate, transformação e comercialização de carnes de aves - cfr. doc.1, a fls 33-37 dos autos; B) Com vista ao normal desenvolvimento dessa prática comercial adquire a terceiros, aves vivas – Acordo; C) A partir dessa altura, a Autora dedica-se, ou ao abate e ulterior comercialização das respectivas carcaças inteiras ou desmanchadas (sob a forma de frescos ou congelados), ou ao abate e transformação, seguida da comercialização dos produtos obtidos em resultado desse processo – Acordo; D) Para o desenvolvimento dessa actividade dispõe de instalações industriais, vulgo, centro de abate, localizados em Vila F….., freguesia de R……………., em Torres Vedras – cfr. docs 2 e 3; E) As instalações da Autora encontram-se licenciadas, pela Autorização de Laboração nº 138/R/2001, emitida pela Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas – doc. 2, a fls 39 dos autos; F) A Autora é titular da licença sanitária nº 41/01 para funcionamento de um estabelecimento industrial de abate de carnes de aves, produção de preparados de carne de aves, com acondicionamento e embalagem e interposto frigorífico para armazenagem de carnes de aves refrigeradas e congeladas – cfr. doc. 3, a fls 41 dos autos; G) A Autora é, desde 1999, titular de um Sistema de Gestão da Qualidade, certificado ao abrigo da norma ISO 9001:2000 – cfr. doc. 4, a fls 43; H) A Autora mantém, desde há vários anos, implementado um sistema de autocontrolo laboratorial, designado HACCP (Hazard Analysis and Critical Point) – Acordo; I) A Autora possui um laboratório onde, diariamente, realiza análises aos bens que produz – Acordo; J) Nos locais antecedentes prestam serviço, em permanência, elementos pertencentes ao corpo de inspecção sanitária da Direcção Geral de Veterinária – Acordo; K) A Autora sujeita-se ainda aos controlos que o Estado Português realiza, por via das acções ordenadas pelos elementos do corpo de Inspecção Sanitária da Direcção Geral de Veterinária – Acordo; L) No decurso de fiscalizações efectuadas pela Direcção Geral de Veterinária, foi detectada, em Outubro de 2002, data em que ficou disponível a análise que permite a sua detecção, a presença de substâncias não autorizadas (amoz-furaltadona) em várias produções agrícolas – Acordo e cfr. doc. 6, a fls 61-90 dos autos; M) Em 26/02/2003, o Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, em face do surgimento, em finais de 2002, e nos dois primeiros meses de 2003, de análises reveladoras da presença de substâncias com características antimicrobianas (furaltadona) em organismos de algumas aves vivas de diversas espécies, reconheceu “estar-se perante uma situação de ameaça à segurança alimentar”, constituindo um grupo de trabalho para a gestão da crise – doc. 6, a fls 61-90 dos autos; N) Em 26/02/2003 foi tornado público, através dos órgãos de comunicação social, que em algumas explorações avícolas de Portugal foi detectada a presença de nitrofuranos – doc. 7, a fls 91 dos autos; O) Em consequência, houve uma retracção do consumo de carne de aves, diminuindo as vendas entre 70% e 90%, originando uma crise no sector – cfr. doc. 255, a fls 422-429 dos autos; P) Em 16/03/2003, por via de um “Comunicado”, o Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, como forma de restabelecer a confiança do consumidor e garantir a protecção da saúde pública, ordenou a proibição imediata de comercialização de carne de aves congelada (frango, galinha, perú e codorniz) de origem nacional com data de produção anterior a 14/03/2003, devendo os vários operadores económicos proceder à retirada destes produtos do mercado e a proibição de exportação de tal carne – cfr. doc. 8, a fls 92-93 dos autos; Q) A coordenação das operações de inspecção dos estabelecimentos de distribuição e comercialização de carnes de aves foi atribuída, quer aos serviços da Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar (DGFCQA), quer à Direcção Geral de Veterinária (DGV) – cfr. ponto 3, do comunicado a fls 93; R) Por terem sido detectados outros casos positivos para além das explorações inicialmente referenciadas, o grupo de trabalho coordenado pelo Secretário de Estado Adjunto da Agricultura e Pescas, determinou à Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, a adopção de medida adicional traduzida na destruição, por conta do respectivo operador, das carnes armazenadas, independentemente da confirmação ou não da positividade de nitrofuranos – cfr. doc. 6 e 9, a fls 61-90, 94 e 96 dos autos; S) Em 19/03/2003, os elementos pertencentes ao Corpo de Inspecção Sanitária da Direcção...

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