Acórdão nº 08946/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelBENJAMIM BARBOSA
Data da Resolução07 de Março de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: 1 - Relatório a) - As partes e o objecto do recurso Gonçalo .................

, oficial do Exército, com domicílio na Rua Presidente ................, lote 8, 3.° andar .............(frente), 2835-272, ......................., veio intentar contra o Ministério da Defesa Nacional e o Exército Português, processo cautelar pedindo a suspensão de eficácia do despacho do Director do Depósito Geral de Material do Exército ("DGME"), de 22.12.2011, que em processo disciplinar lhe aplicou uma pena de 7 dias de proibição de saída.

Na sua extensa petição alegou, em resumo, que o acto suspendendo “padece de erro grosseiro, na medida em que se observa um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível”, porquanto não violou o dever de lealdade invocado como pressuposto da punição, nem deixou de informar com franqueza sobre a situação que espoletou o processo disciplinar, a distribuição ao almoço de bacalhau com broa nos refeitórios do DGME em precárias condições organolépticas, tendo agido na sua qualidade de oficial de dia em situação de legítima defesa, própria e alheia, perante eventuais danos para a saúde dos militares que consumissem a refeição, pelo que estava justificado o pedido de comparência de técnicos do Laboratório de Bromatologia e Defesa Biológica do Centro Militar de Medicina Veterinária para a recolha de amostras, tanto mais que o Director do DGME não se encontrava presente e o Subdirector encontrava-se no gozo de férias.

Alega ainda que não foram cumpridos os procedimentos para colheita de amostras da refeição, que era patente a avaria dos géneros alimentares, que existe uma situação de negligência continuada no DGME no que toca à qualidade da alimentação servida aos militares, tendo por isso exercido as competências que lhe estavam legalmente atribuídas como Oficial de Dia.

Mais alega que a escolha e medida da pena não foi a adequada, que a sua actuação não foi dolosa, é primário, sendo que os factos de que foi acusado e punido tiveram como único objectivo proteger a saúde e integridade física de todos os militares do DGME.

Pelo que, sustenta, o processo disciplinar não tem qualquer fundamento, assim como a pena aplicada, que é totalmente desadequada, padecendo o acto suspendendo padece de um erro grosseiro na análise da factualidade subjacente e das circunstâncias dirimentes.

No que concerne ao requisito do periculum in mora defende que estando em causa uma pena privativa de liberdade, isso pode por em causa o contrato de trabalho que celebrou com as empresas S................ Portugal e com a P............ — Companhia ....................., Lda., bem como as suas funções de juiz em campeonatos de ginástica artística masculina, conduzindo à impossibilidade do exercício das referidas funções e, consequentemente, à rescisão dos vínculos laborais por parte das suas entidades patronais, vendo-se por isso amputado de uma parcela significativa dos seus rendimentos, essencial para o cumprimento das suas obrigações financeiras, além de não lhe ser fácil obter novas ocupações a médio/longo prazo.

Acrescenta que inexistem circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito" do processo principal, pelo que todos os requisitos do art. 120.°, n.º 1, al. b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) se mostram preenchidos.

Quanto à ponderação de interesses sustenta que não se vislumbram quaisquer danos ou prejuízos que possam advir para o interesse público da suspensão dos efeitos da decisão de aplicação da pena disciplinar, pelo que termina pedindo o decretamento da suspensão do despacho supra referido.

A petição foi apresentada no TAF de Almada, tendo sido distribuída como “outros processos cautelares [DEL. 825/05]”, cabendo-lhe o número 366/12.0BEALM.

Aberta conclusão foi proferido despacho liminar a admitir “o Requerimento relativo à Providência Cautelar” e ordenada a citação das entidades requeridas para, querendo, deduzirem oposição.

O Ministério da Defesa Nacional veio aos autos defender a sua ilegitimidade passiva, com fundamento no disposto no n.° 2 do artigo 21.º da Lei Orgânica n.° 1-A12009, de 7 de Julho, Lei Orgânica de Bases da Organização das FORÇAS ARMADAS (LOBOFA), que transcreveu: "Nos processos jurisdicionais que tenham por objecto a acção ou omissão de órgãos das FORÇAS ARMADAS em matérias de disciplina e de administração de pessoal, parte demandada é o Estado-Maior-General das FORÇAS ARMADAS ou o respectivo ramo, conforme os casos".

Terminou pedindo a sua absolvição da instância.

O Exército Português deduziu oposição, arguindo a excepção dilatória da “incompetência em razão da matéria” do TAF de Almada, alegando que nos termos do art.º 6.° da Lei n.° 34/2007, de 13 de Agosto, com a epígrafe «competência jurisdicional em função da matéria», que «compete à secção de contencioso administrativo de cada tribunal central administrativo conhecer, em 1.ª instância, dos processos relativos a actos administrativos de aplicação das sanções disciplinares de detenção ou mais gravosas».

À cautela sustenta que não se verificam os requisitos de que depende o decretamento da providência, visto que o art.º 3.º da Lei n.° 34/2007 estabeleceu um regime especial para os processos relativos a actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares previstas no Regulamento de Disciplina Militar, em razão do qual, e sem prejuízo do disposto nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 120.° do CPTA, a providência só pode ser decretada quando exista fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e, cumulativamente, seja evidente .a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, por se tratar de acto manifestamente ilegal, acto de aplicação de norma já anteriormente anulado ou de acto materialmente idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente.

E não resultando da petição do que o acto suspendendo seja «manifestamente ilegal» nem a pena inadequada, a providência tem de ser indeferida.

Notificado da oposição do Exército Português o requerente insistiu que o TAF de Almada era competente mas, à cautela, pediu que o processo fosse remetido a este TCA Sul no caso de se entender o contrário.

Por sentença de fls. 83 e ss. do processo cautelar decidiu-se, “sem necessidade de mais diligências” declarar-se “este Tribunal Administrativo de Almada incompetente em razão da matéria para julgar o Presente Processo Cautelar, o que conduz à absolvição da instância, entendendo-se, in casu, como competente o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul”.

Remetendo-se os autos a este TCA Sul e após várias vicissitudes processuais foi, pelo Relator, proferido o despacho de fls. 163, determinando a antecipação do conhecimento da causa principal, nos termos do art.º 121, n.º 1, do CPTA. Notificadas, as partes não manifestaram oposição a tal antecipação.

Entretanto, pelo mesmo GONÇALO ..............................., foi interposta acção administrativa especial, desta feita directamente neste TCA Sul, apenas contra o Exército Português.

Nela alega que o acto punitivo “padece de erro grosseiro, na medida em que se observa um erro jurídico grosseiro, incomum, uma errónea aplicação do direito bem visível, porquanto não houve qualquer violação do dever de lealdade a que o Autor se encontra sujeito, nem resulta provado que o Autor não tenha respeitado e agido com franqueza para com os militares de serviço no dia em questão, isto é, 15.06.2011, ou que não tenha informado com verdade o superior hierárquico acerca de algum assunto desse serviço, pelo contrário, dirigiu-se aos diversos interlocutores da cadeia de comando presentes no DGME, dando-lhes a conhecer, por diversas vezes, a situação que se encontrava a ocorrer”.

E que o “acto suspendendo olvida flagrantemente as responsabilidades exclusivas que sobre o Autor impendiam, enquanto Oficial de Dia, em matéria de qualidade e segurança alimentares dos militares, tanto mais que a ser verdade que o Director do DGME foi informado da situação relacionada com o deficiente estado da segunda refeição, nada fez para se inteirar dos pormenores do caso junto do Autor, enquanto Oficial de Dia, ou para resolver a questão da recusa dos militares em consumir a refeição, pelo que “seria no mínimo negligente, senão mesmo criminoso, se o Autor, perante as queixas de diversos Praças e Sargentos e as evidências por si presenciadas, nada fizesse para evitar o consumo do bacalhau com broa que ia ser distribuído na 2.ª refeição”, sendo tal comportamento “susceptível de consubstanciar uma violação dos seus deveres de serviço, punível com sanção disciplinar.

Ademais argumenta que “tinha receio mais do que funda do no perigo que o consumo do referido bacalhau com broa pudesse comportar para os militares presentes no DGME, evidenciado pelas queixas que chegaram ao seu conhecimento e pelo cheiro evidente que se fazia sentir na cozinha e no Refeitório Geral de Praças”, pois havia “indícios sérios de que o consumo do bacalhau com broa poderia por em causa a saúde dos militares”.

Alegando que na recolha de amostras da alimentação não foram observadas as prescrições regulamentares pertinentes, e que, enquanto Oficial de Dia “estava legitimado a convocar especialistas em segurança alimentar”, visto que “o comando da unidade negligenciou as normas de actuação perante surto de toxinfecção alimentar”, que era evidente pelas queixas dos militares e do cheiro intenso que emanava da cozinha, limitando-se a exercer as “competências e responsabilidades que, na qualidade de Oficial de Dia, lhe estavam atribuídas”.

E acrescenta que a “convocação do Laboratório se enquadra numa situação de legítima defesa, própria e alheia”, consubstanciando “igualmente uma circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, nos termos da alínea c) do art. 43.º do RDM”, pelo que “não existiu qualquer violação do dever de lealdade por parte do Autor, mas tão...

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