Acórdão nº 01425/04.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução30 de Novembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

* EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Hospital de São Marcos veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 12.10.2012, a fls. 625 e seguintes, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção administrativa comum, sob processo ordinário, intentada por BA. … e MA. … em representação do filho, PM. …, para condenação do réu a pagar-lhe o montante global de 450.000 euros, acrescido de juros, a título de indemnização por danos morais e patrimoniais resultantes de um parto mal sucedido, realizado naquele hospital e do qual resultaram lesões irreversíveis para o seu filho.

Invocou para tanto que a sentença recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 483º, nº1, 487º, 493º, 562º e 563, todos do Código Civil.

Os Recorridos contra-alegaram, defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto: 1. O Recorrente não se pode conformar com a douta sentença que julgou procedente a presente acção e o condenou no pagamento aos Autores da quantia de 450.000€ acrescida de juros.

  1. A sentença em crise não fez uma correcta interpretação e aplicação da lei e da prova produzida.

  2. No presente processo estamos perante a eventual responsabilidade civil extracontratual do Réu.

  3. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são, o facto voluntário ilícito, a culpa, a afectação da esfera jurídica de outrem e o nexo de causalidade adequada, nos termos dos artigos 483º, nº1, 562 e 563 do Código Civil.

  4. Dos factos dados como provados não é possível considerar verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

  5. O artigo 483º do Código Civil fala da ilicitude e da culpa. O primeiro com o sentido de acção ou omissão consciente e livre proibida pelo direito, e o segundo com a envolvência da censura ético-jurídica.

  6. In casu, desde logo não existe o facto voluntário ilícito, entendendo-se este como o comportamento de uma pessoa, por acção ou omissão, controlável pela vontade consubstanciado na violação do direito de outrem.

  7. Quanto ao pressuposto culpa temos que o mesmo se traduz na imputação ético-jurídica do facto ao agente, imputação essa a título de dolo ou negligência, que neste último caso consiste na censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria um bom pai de família.

  8. A ilicitude e a culpa não estão verificadas no presente caso.

  9. Não existe nenhum facto dado como provado do qual seja possível retirar a conclusão a que chegou o tribunal a quo de que “estado morfo - fisiológico do PM. … se deve à tardia ou intempestiva extracção (por cesariana) e ou pela sua deficiente extracção do útero materno”.

  10. Dos factos dados como provados, não resulta, nem pode, que a decisão de submeter a Cesariana foi tardia.

  11. Desde logo a decisão de submeter a cesariana não foi por qualquer situação de sofrimento, mas antes por ausência de encravamento (o bebé não desceu no canal de parto).

  12. O bebé apresentava sinais positivos (tal como se refere na fundamentação os quais seriam negativos caso houvesse sofrimento).

  13. Para percepção de todo este processo é preciso ter presente que o trabalho de parto é composto por uma evolução, por várias etapas.

  14. A mãe do menor deu entrada nos serviços do Réu em início de trabalho de parto e apresentava, no momento da sua admissão, um colo em início de extinção, intermédio-anterior, com 2 cm de dilatação, apresentação cefálica no I Plano de Hodge, ruídos cardíacos fetais positivos e altura uterina de 28 cm (facto 46), 16. Tendo sido encaminhada para a sala de partos onde lhe foi prescrito um soro glicosado 1000cc com 10 unidades de acitocina E.V. lenta, e vigilância de ruídos cardíacos fetais (facto 47).

  15. Foi assim ordenada a vigilância da parturiente e desta forma, aguardar (sempre sob vigilância bem entendido) que a mãe natureza fizesse o seu trabalho, pois tudo indicava que este bebé nasceria de parte normal, ou seja, parto vaginal.

  16. De facto, a quando da sua admissão a parturiente encontrava-se em início de trabalho de parto, o bebé ainda estava no primeiro plano de Hodge, ou seja, ainda não tinha iniciado o chamado processo de descida pelo canal de parto, só tinha dois dedos de dilatação, o colo estava em início de extinção e principalmente o bebé apresentava ruídos fetais positivos, sinal de que estava bem (cfr. facto 46).

  17. Posteriormente, cerca das 22:45 horas, já se tinha produzido alguma evolução no trabalho de parto, apresentando, agora 3 cm de dilatação, 30% de extinção do colo, mantinha-se no primeiro plano de Hodge (são três planos), membranas integras (ainda não se tinha verificado a ruptura da bolsa de águas) e ruídos cardíacos fetais positivos (cfr facto 48), 20. Pelo que se deveria aguardar pela continuação da evolução natural do parto, uma vez que, repete-se, nunca foram detectados quaisquer sinais de sofrimento (ruídos cardíacos fetais positivos).

  18. Cerca das 9:45, a mãe apresentava colo extinto, dilatação completa, sinais fetais positivos (cfr. facto 49).

  19. E às 10.10h, por ausência de encravamento (repete-se o bebé mantinha-se no primeiro plano de Hodge), foi decidido submeter cesariana (cfr facto 51).

  20. Ou seja, todos os factores necessários ao desencadear do parto estavam completos, mas o bebé não “desceu”, não entrou no canal de parto e, por isso, não nasceria sozinho, necessitando de ser extraído através de uma cesariana.

  21. O bebé nasce, com um apgar de 8/8/8, (cfr facto 52), o que representa que o Bebé nasceu bem sem asfixia.

  22. Dos sinais recebidos, da evolução do parto, em nenhuma altura foi verificado qualquer sinal de sofrimento fetal que justificasse uma actuação diferente daquela que foi a actuação do Réu.

  23. A prova pericial efectuada nos autos refere à pergunta se a cesariana ocorreu no momento certo que “de acordo com os motivos aduzidos para realização da cesariana “dilatação completa e ausência de encravamento) esta foi realizada em momento adequado”.

  24. Acrescenta, ainda “globalmente os procedimentos foram adequados”.

  25. Em nenhum momento do processo e em especial dos factos dados como assentes se fala em deficiente extracção, pelo que nunca sequer o tribunal a quo poderia ter chegado a essa conclusão.

  26. Do relatório pericial provou-se isso sim que a decisão de Cesariana foi a decisão correcta e no momento devido.

  27. Na conduta do Réu não existe qualquer facto ilícito.

  28. A ilicitude in casu sempre terá forçosamente de ser analisada perante os factos perceptíveis antes do nascimento do PM. …, ou seja, à data e perante os vários sinais que foram sendo observados e em especial a evolução do trabalho de parto e a verificação de sinais fetais positivos, nenhum factor foi verificado (nomeadamente sofrimento) que indicasse qualquer comportamento diferente daquele que foi seguido pelo Réu.

  29. Também, nenhuma culpa pode ser imputada na conduta do Réu, uma vez que perante as circunstâncias do caso e os sinais que lhe eram permitidos observar, não lhe era exigido, ou deveria, ter agido de outro modo, ou ainda que se a sua actuação fosse diferente, tal teria obstado à incapacidade de que padece o menor.

  30. A sentença em crise considera que in casu se verifica uma presunção legal de culpa, no seguimento do decidido no acórdão do pleno do STA nº 36463, de 29/04/98.

  31. Da leitura do acórdão que serviu de referência à decisão verifica-se que este se debate com a possibilidade, ou não, de aplicação à responsabilidade extracontratual da administração pública da presunção prevista no artº 493º do CC.

  32. Ora, o que naquele acórdão se trata é da responsabilidade causada por coisa, sendo certo que tal situação, obviamente, não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto.

  33. Naquele acórdão a questão colocada prende-se com a aplicabilidade do artº 493 do CC, por força do disposto no nº 1 do artº 4 do DL 48051, ou seja, e com o devido respeito por opinião contrária, se é possível à responsabilidade extracontratual da administração aplicar a presunção legal prevista no artº 493º do CC, ou apenas as presunções legais que expressamente vierem previstas no referido DL.

  34. Claro que a entender-se a aplicabilidade de tal regime à responsabilidade extracontratual do Estado, obviamente que será precisamente nas circunstâncias expressamente previstas naquele artigo, ou seja, danos causados por coisas, animais e actividades especialmente perigosas, ou seja, sem qualquer aplicabilidade ao caso concreto, pelo que nenhuma razão assiste em considerar a existência de uma presunção legal de culpa.

  35. Mesmo reportando-se tal artigo à actividade médica, tal artigo consagraria uma presunção de culpa pelos danos causados pelos aparelhos perigosos de que se serve (nº 1 do artº 493º) e ao próprio funcionamento do aparelho (nº do artº 493º) - cfr Dr. António Silva Henriques Gaspar; Prof J. A. Esperança Pina e Ac STA 23/4/96.

  36. Assim, sendo e nos termos do artº 487º do CC é ao lesado quem incumbe provar a culpa do lesado, o que in casu não se verificou.

  37. Mesmo a entender-se existir presunção de culpa, também essa presunção legal teria forçosamente de se considerar afastada atentos os motivos supra exposto e em especial a prova pericial produzida 41. Também não se verifica o nexo de causalidade, pois não é possível estabelecer um nexo causalidade entre o facto – realização da cesariana naquele momento – e as lesões do menor.

  38. Do próprio relatório médico resulta que não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a assistência médica realizada e as lesões.

  39. A asfixia perinatal é um conceito médico que poderá ter muitas origens e causas, não havendo acordo quanto à sua definição e momento de ocorrência e tal como se refere no relatório pericial “a determinação da causa...

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