Acórdão nº 03000/10.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução13 de Julho de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:I RELATÓRIO 1 .

O MUNICÍPIO do PORTO, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do TAF do Porto, datado de 8 de Julho de 2011, que julgando procedente a acção administrativa especial, instaurada pela recorrida MF. …, identif. nos autos, anulou o acto que ordenou a desocupação da habitação social, sita no Bairro do Bom Pastor, …, no Porto, que habita desde Junho de 1991.

* Nas suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: "I - As situações de arrendamento social instituídas, quer aquelas que se criaram por via do acto administrativo precário são análogas, pois as finalidades de uma e de outra são as mesmas independentemente do título de ocupação em causa.

II - Se efectivamente a Lei 21/2009 não foi criada para a situação como a do caso sub judice, fará sentido que se aplique à situação em causa, por ser também ela independentemente do título que a originou uma situação de concessão de uma habitação social.

III - Dito de outra forma, se o legislador estabeleceu na Lei 21/2009 esse regime transitório (ARTIGO 3º) o é até à emanação da lei do da habitação social então é porque considerou que as regras transitórias a estabelecer eram as mais coadunáveis com a função social que este tipo de habitação fomenta e pretende regular.

IV - E, assim sendo, faria muito mais sentido, preencher a lacuna que o próprio Tribunal afirma existir com o recurso ao regime transitoriamente gizado pela Lei 21/2009 do que a aderir para o mesmo efeito a uma lei que - no polo oposto - regula o arrendamento vinculado às regras e aos fins do mercado.

V - E, se assim for, então não há dúvida que o não pagamento de renda é um motivo de cessação da ocupação, excepto se dentro dos 3 meses de mora da renda, o arrendatário ou ocupante der conta da razão pela qual está em mora, designadamente alegando e provando razões de índole laboral (situação de desemprego), sendo certo que a comunicação em tempo destas situações confere ao ocupante ou arrendatário, nos termos do nº 5 do artigo 3º, o direito à renegociação do valor da renda e de um prazo de pagamento faseado do montante da dívida.

VI - Ora, como decorre da matéria provada e do processo administrativo junto aos autos tal informação não ocorreu nesse prazo, mas mesmo assim - note-se - apelante e apelado celebraram plano de regularização de rendas em atraso e o mesmo não foi cumprido pela apelada, como está provado e incontroverso.

VII - Tal significa que não se verificou qualquer causa objectiva que impedisse a aqui apelante de exercer o seu direito de fazer cessar o contrato de arrendamento por acto unilateral por falta de pagamento de renda, pelo que, como se defendeu na contestação da acção, o pagamento ulterior e em singelo das rendas em dívida não tem o condão de impedir a apelante de praticar o acto de cessação nem tem como efeito a obrigação de o revogar.

VIII - Portanto, partindo da aplicação à situação lacunosa do regime legal mais próximo do arrendamento social que é - goste-se ou não - o regime transitório contido na Lei 21/2009, a conclusão a que se chega é que o acto administrativo impugnado não padece de qualquer vício muito menos do de violação de lei ou de erro nos pressupostos, pelo que, ao contrário do decidido, é válido e legal.

IX - Mas, mesmo não concordando – pelas razões que antecedem - que se aplique analogamente a situação sub judice o regime legal do arrendamento urbano, sempre se dirá que a aplicar este, a conclusão é precisamente a mesma.

X - Dispõe o contrato que quando a renda não for paga no prazo estabelecido no presente contrato, disporá o inquilino de 15 dias para efectuar o seu pagamento aumentada de 15% sobre o respectivo montante, sendo que, findo este prazo ficará o arrendatário obrigado a pagar além das rendas em atraso um indemnização igual a 50% do que for devido.

XI - Ora, tal significa - fazendo a ligação com o regime do arrendamento urbano que o tribunal considera dever preencher a lacuna legal - se não sendo paga a primeira indemnização pela mora também não for paga a segunda, o senhorio com base no principio pacta sunt servanda poderá resolver o contrato de arrendamento.

XII - Isto quer dizer, aplicando o regime do arrendamento urbano como pretende o tribunal que, não se procedendo ao pagamento até à contestação da renda em atraso acrescida dos 50% sobre o montante das mesmas o acto de desocupação se torna definitivo, não podendo o inquilino mais impedir a resolução com base neste fundamento.

XIII - De facto, como decorre dos autos, a apelada não pagou as rendas em atraso acrescidas de 50% e, por isso, o acto administrativo impugnado que podia ter por esta forma sido neutralizado a posteriori (a considerar-se aplicar-se aqui, analogamente, o RAU) deixou de o poder ser, consolidando a sua legalidade na ordem jurídica.

XIV - E, não se pode de modo algum concordar com o Tribunal quando, sem qualquer fundamento contratual ou legal considera que competia à Administração aqui apelante avisar o apelado de que dispunha de 15 dias para pagar as rendas com 15% de acrescento e findo esse prazo não tendo as mesmas sido pagas, que poderia proceder ao pagamento com mais 50%....

XV - Não se pode, em consciência, querer aplicar o regime do arrendamento urbano à situação aqui em apreço, mas apenas e tão só na parte que dá jeito ao apelado, discorrendo sobre hipotéticas interpelações prévias que o apelante, supostamente, tinha de fazer ao apelado devedor (como se este não soubesse as suas obrigações contratuais).

XVI - Se o tribunal entende que o regime adequado para integrar a lacuna detectada é a do arrendamento urbano tem de o aplicar e, ao fazê-lo, isso joga inevitavelmente contra a apelada, pois esta teria o dever de per si se ter libertado do acto que impugna, se tivesse pago a renda acrescida dos 50% pelo menos até ao momento em que deu entrada desta acção.

XVII - E não se diga que o Tribunal aplicou este regime no que este não prejudica o fim da habitação social, pois não existe qualquer fundamentação expressa ou implícita do qual se possa retirar e que ajude a entender porque razão se aplica o RAU apenas em parte sem do mesmo retirar todas as consequências ( já para não dizer que não é necessário proceder a adaptação de um regime legal quando já existe um regime transitório perfeitamente adaptado, pois que idealizado precisamente para situação de habitação social, como supra se defendeu).

XVIII - Portanto, quer aplicando o regime legal que parece mais apropriado para a situação concreta (o transitório da Lei Nº 21/2009), quer aplicando o regime do RAU, a conclusão é a mesma, pois num e noutro caso incidia sobre o apelado arrendatário o ónus de prática de actos (no primeiro caso, de comunicação em determinado prazo da causa de mora) e, no segundo caso de pagamento em determinado prazo de um acréscimo de 50%) que não foram cumpridos pelo apelado.

XIX - E, ónus que não são cumpridos são, por definição, vantagens...

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