Acórdão nº 00019/06.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | Antero Pires Salvador |
Data da Resolução | 22 de Junho de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:I RELATÓRIO NA. …, identif. nos autos, inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 24 de Março de 2011, que, no âmbito da presente acção administrativa especial, julgou improcedente a acção, na qual pedia a condenação da recorrida UNIVERSIDADE de COIMBRA na anulação ou declaração de nulidade da deliberação que reprovou a tese de doutoramento apresentada pelo recorrente, intitulada “Pastoral Lusitana. Habent sua Fata Libelli. Fragmenta”.
* O recorrente formulou, no final das suas alegações, as seguintes conclusões: "1.ª Ao não permitir ao A. provar os factos por si alegados que integravam e fundamentavam alguns dos vícios imputados à deliberação recorrida – designadamente os factos constantes dos artºs 37º a 39º e 49º da p.i e os vícios de violação do princípio da especialidade na composição do júri e de violação do artº 5º do regulamento de doutoramentos -, o Tribunal a quo violou frontalmente o direito à tutela judicial efectiva e o princípio da igualdade das partes, consagrados nos artºs 268º/4 da Constituição e no artº 6º do CPTA, dos quais seguramente resulta a obrigação de o Tribunal permitir a prova de todos os factos relevantes para a boa decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e ainda o direito de o A. provar, por qualquer meio legalmente admissível, os factos integrantes da sua pretensão para, com base na produção dessa prova, o Tribunal poder concluir pela procedência ou improcedência dos vícios imputados ao acto administrativo.
Na verdade, 2ª O direito fundamental à tutela judicial efectiva assegura o “…direito a um processo paritário com aplicação efectiva do princípio do contraditório e plenas possibilidades de defesa…” (v. Mário Aroso de Almeida, Os Direitos Fundamentais dos Administrados após a Revisão Constitucional de 1989, Revista Direito e Justiça, vol. VI, 1992, p. 325), permitindo às partes “… proporcionar todos os elementos que reputem necessários à apreciação das pretensões deduzidas…” (v. Jésus González Perez, El Derecho a la tutela jurisdiccional, p. 71), pelo que o Tribunal a quo não poderia deixar de permitir às partes, maxime ao A., provar os factos que alegara para fundamentar a sua pretensão anulatória.
Por sua vez, 3ª O princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 6º do CPTA, assegura um estatuto de igualdade efectiva das partes no que se refere ao uso dos meios de defesa e de prova, inviabilizando que uma das partes não possa provar os factos que alega e são relevantes para curar dos vícios que imputa ao acto administrativo ou que o Tribunal apenas atenda aos factos alegados pela outra parte sem previamente permitir a prova da totalidade dos factos relevantes à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Consequentemente, 4ª Ao não abrir um período de prova para que o A. pudesse provar a veracidade dos factos que alegara, nomeadamente nos artºs 37º a 39º e 49º da p.i, e ao decidir o pleito sem dar por provados tais factos e sem permitir à parte que os alegara provar a sua veracidade, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, violando frontalmente princípios e direitos fundamentais de qualquer Estado de Direito, justamente os direitos de acesso à justiça em condições de igualdade e à tutela judicial efectiva.
Por outro lado, 5ª O aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artº 668º do CPC por haver uma total contradição entre os fundamentos de facto – dos quais não resulta provado qual a área e o domínio científico de cada membro do júri – e a decisão alcançada – que julga improcedente o vício de violação do princípio da especialidade na composição do júri com o argumento de que o júri integrava três doutorados em literatura portuguesa.
-
O aresto em recurso enferma igualmente da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC por ter decidido a acção sem curar do vício suscitado no artº 49º da p.i., que considerava ilegal a deliberação impugnada por o Conselho Científico nunca ter procedido à nomeação de um orientador para a tese do A., o que violaria o nº 3 do artº 5º do regulamento de doutoramento e dos princípios constitucionais da igualdade, justiça e prossecução do interesse público .
Acresce que, 7ª O aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao não anular o acto impugnado com fundamento na circunstância de o júri não integrar o Reitor nem este ter estado presente na discussão pública da tese, pois não só o DL nº 216/92 não prevê a possibilidade de o reitor delegar o poder de presidir ao júri e de estar obrigatoriamente na discussão pública – antes apontando para a impossibilidade dessa delegação ocorrer ao determinar que sem a presença do reitor a discussão pública da tese não se poderá realizar – como a pretensa lei habilitante invocada pelo Tribunal a quo é bem clara ao prescrever a proibição do reitor delegar o poder de presidir aos órgãos colegiais da Universidade, pelo que é notório o erro de julgamento e a consequente violação pelo acto impugnado da regra consagrada nos artºs 26º e 28º do DL nº 216/92 – que atribuem a presidência do Júri ao Reitor e determinam que sem a sua presença não se realizará a discussão pública da tese – e do artº 35º do CPA – que determina a ilegalidade de qualquer delegação de poderes em que não haja lei habilitante.
-
O aresto em recurso incorreu também em erro de julgamento ao não anular o acto impugnado por violação do princípio da especialidade na composição do júri, enunciado no nº 4 do artº 26º do DL nº 216/92, podendo-se dizer que não distingue área científica de domínio científico e não tem presente que, não obstante todos os membros do júri serem doutorados na área científica de Literatura Portuguesa, só um deles é que o era do domínio científico em que se inseria a tese de doutoramento – Literatura Portuguesa da Época Clássica –, ao arrepio da imposição constante do referido preceito legal.
Para além disso, 9ª O aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao não anular o acto impugnado com fundamento na violação do princípio da imparcialidade, uma vez que, estando provado que por temor e respeito a um Professor Doutor os membros do júri recusaram orientar a tese de doutoramento do A., é notório que, no mínimo, ficará sempre a legítima suspeita de que a posterior reprovação de tal tese se motivou em igual temor e respeito para com aquele professor (v. nºs 7º, 13 e 14 da matéria dada por provada), pelo que sabendo-se que a Administração tem igualmente que parecer ser imparcial (v. Maria Teresa de Melo, O Princípio da Imparcialidade da Administração Pública, 1996, pág. 166), é inquestionável a violação in casu do princípio da imparcialidade, tanto mais que a violação deste princípio “não está dependente da prova de concretas actuações parciais, verificando-se sempre que um determinado procedimento faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade” (v. Ac. do STA de 13-01-2005, proc. nº 0730/04, em www.dgsi.pt).
-
A deliberação recorrida enferma de vício de forma por não ter observado o princípio da audiência dos interessados consagrado no art. 267º, nº 5, e nos arts. 100º e 101º do CPA, o qual é aplicável mesmo no âmbito dos procedimentos especiais (v., neste sentido, FREITAS DO AMARAL, O Novo Código do Procedimento Administrativo, INA, 1992, p. 26, Esteves de Oliveira e Outros, CPA Comentado, p. 523, J. Figueiredo Dias, “Enquadramento do Procedimento Disciplinar na Ordem Jurídica Portuguesa”, BFDUC, Vol. LXXIII, Separata, 1997, p. 208) pelo que mal andou o aresto em recurso ao não proceder à sua anulação, sobretudo por no caso sub judice não se verificar nenhuma das circunstâncias em que o artº 103º do CPA prevê a inexistência ou dispensa de tal audiência.
Por fim, 11ª O aresto em recurso enferma de erro de julgamento ao considerar suficientemente fundamentada a deliberação impugnada, uma vez que a fundamentação empregue limita-se a um conjunto de fórmulas passe-partout, que podem ser reproduzidas para chumbar toda e qualquer tese de doutoramento e que se encontram desprovidas de qualquer suporte factual que permita comprovar a sua veracidade e acerto, legitimando que o poder discricionário do júri avaliar se converta num poder totalmente arbitrário, pois nem o interessado pode demonstrar a falsidade de tal argumentação – por não ter factos para contraditar - nem o Tribunal consegue comprovar a sua bondade".
* Notificadas as alegações apresentadas pelo recorrente, supra referidas, veio a recorrida UNIVERSIDADE de COIMBRA apresentar contra alegações que assim concluiu: "1.
O Autor não impugna no seu recurso a matéria de facto dada como provada.
2 .
No Despacho saneador de fls. 116 e seguintes dos autos, considerou-se que a matéria de facto necessária à boa decisão da causa estava toda documentalmente fixada, pelo que se determinou a produção de alegações. Ou seja, considerou-se que não havia matéria de facto (pertinente para a decisão) controvertida carente de prova.» 3 .
Decisão contida no despacho saneador que o Autor não impugnou em recurso autónomo ou no recurso agora interposto (artigo 142º nº5 do CPTA), pelo que tal decisão transitou em julgado nos termos dos artigos 672º e 677º do CCP aplicável ex vi artigos 140º e 1º do CPTA.
4 . Sem conceder, efectivamente, face à prova que constava dos Autos (cfr. nomeadamente pontos 9. e 12. da Factualidade Apurada), era desnecessária a realização de quaisquer outras diligências de prova para apreciação das questões jurídicas em causa (nomeadamente a agora constante da Conclusão 8ª).
5 .
É manifesto que foram dados como provados factos suficientes para decidir a questão em causa (não tendo o Autor impugnado a matéria de facto) e o Autor não pode vir colocar em causa matéria decidida por um despacho que não impugnou e sobre o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO