Acórdão nº 00812/11.0BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução10 de Maio de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:I RELATÓRIO 1 .

A ORDEM dos FARMACÊUTICOS - Secção Regional de Coimbra, inconformada, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 20 de Fevereiro de 2012, que deferiu a providência cautelar, intentada pela recorrida MM. … identif. nos autos, assim suspendendo a eficácia da deliberação 21/10/2011, que, no âmbito de processo disciplinar, lhe aplicou a pena de suspensão do exercício profissional como farmacêutica pelo período de 14 anos.

*** No final das alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões: "I – O Tribunal a quo violou com a sua decisão o artigo 120.º, alínea b) do CPTA ao decretar a providência cautelar conservatória peticionada pela Recorrida.

II – O Tribunal deveria ter interpretado tal norma no sentido contrário provendo pelo não decretamento da providência.

III – Com o não decretamento da providência cautelar não existem danos/prejuízos dificilmente reparáveis, nem estamos perante um facto consumado.

IV – A Recorrida não logrou provar a situação de carência económica, pois a mesma habita com os pais que provêem ao seu sustento, suportando encargos com habitação e demais despesas básicas.

V – Os documentos juntos aos autos não provam, nem permitem concluir que a Recorrida faz as despesas básicas e necessárias.

VI – O Tribunal, ao entender desnecessária a produção de outras provas, deveria ater-se aos documentos que possuía, pelo que não colhe a conclusão de que a Recorrida faz as despesas básicas sem haver registos de tal facto.

VII – De qualquer forma, os possíveis danos que a Recorrida possa sofrer são ressarcíveis, ainda que por força de indemnização.

VIII – O requisito do periculum in mora não se encontra preenchido, pois para além de os eventuais danos meramente económicos serem facilmente ressarcíveis, não existe qualquer facto consumado.

IX – A pena disciplinar não seria totalmente cumprida até à decisão da acção principal, pelo que o tempo que a Recorrida ficasse sem exercer a profissão de farmacêutica não seria de difícil reparação.

X – A mesma é capaz, física e mentalmente de exercer qualquer outro trabalho, não sendo uma obrigatoriedade o exercício da actividade farmacêutica por ser mais fácil.

XI - Os danos provenientes do exercício da actividade farmacêutica, tanto para a Ordem dos Farmacêuticos e para a profissão, em geral, como para os doentes ou utentes com quem a mesma possa interagir assumem uma dimensão que não se pode ignorar e, certo é que, num juízo de ponderação com os possíveis danos que a Recorrida potencialmente possa vir a sofrer e que alega na sua petição, os primeiros afiguram-se, claramente, de maior importância.

XII - A Recorrida actuará sempre nos mesmos moldes onde quer que exerça a actividade farmacêutica, manifestando-se, por esse motivo, de elevado perigo a manutenção da sua actividade".

* Notificado das alegações, acabadas de transcrever, veio a recorrida MM. … apresentar contra alegações que assim finalizou: "1ª Salvo o devido respeito, o presente recurso não tem fundamento tendo a decisão recorrida feito um correcto julgamento dos factos e do direito aplicável.

Senão vejamos.

  1. Dos factos que, de uma forma sumária, foram dados por provados pela decisão recorrida, é inquestionável que se a medida cautelar requerida não for mantida, a recorrida não obterá nenhum efeito útil de uma decisão judicial que lhe seja favorável no processo principal, pois terá de cumprir a pena disciplinar, irá seguramente perder o contrato de prestação de serviços que mantém numa clínica privada e com cuja remuneração se permite fazer face às suas despesas, auxiliar o seu sustento e pagar os inúmeros créditos que sobre ela impendem, sendo seguro que o incumprimento destas últimas obrigações tem consequências graves e severas, permitindo-se a criação de uma situação de facto consumado que nega por completo à recorrida o direito a uma tutela judicial efectiva, mostrando-se assim verificado o periculum in mora - v. Acs. TCAN, de 11/2/2011, proc. 01533/10.6BEBRG, e Acs. TCAN no proc. 1014/06.4BECBR e no proc. n.º 01940/06.3BEPRT, v. ob. cit. Comentário ao CPTA ..., pág.804 e 805;v. ainda os Acs. do STA de 14/7/2008, Proc. n.º 381/08, e no mesmo sentido, Ac. TCAN de 2/10/2008, Proc. n.º 239/08.0BECBR-A e de 1/9/2008, Proc. n.º 334/08.6BEPRT.

  2. Se a medida cautelar decretada não for mantida, a recorrida irá sofrer prejuízos irreparáveis ficando impossibilitada de trabalhar e receber a prestação de serviços no valor de €500, com a qual vai provendo ao seu sustento, vendo-se privada de receber uma remuneração cujo valor é quase idêntico ao limiar mínimo de subsistência (o salário mínimo nacional), e ficaria inibida de exercer a sua actividade profissional quer a nível do trabalho dependente como enquanto profissional liberal, impedindo-a de procurar novos empregos e oportunidades de trabalho na sua área de formação e carreira para prover ao seu sustento - v. Ac. TCAN de 2/10/2008, proc. n.º 239/08; v. ainda Acs. do STA de 6/11/90 e de 23/11/90, Rec. 28.791-A e 28.813;v. ainda Ac. STA de 9/04/2003, proc. n.º 418/03;v. ainda neste sentido os Acs. do STA de 19/3/81, AD 238/1132, de 18/11/86, AD 308/309/1109 e de 26/3/87, AD 311/1466.

  3. Não colhem os argumentos expendidos pela recorrente, já que ela própria admite que a recorrida só sobrevive graças à ajuda dos seus pais (uma situação que não se pode manter a médio ou longo prazo), tendo esta de prover a inúmeras despesas e dívidas (cujo incumprimento a colocará numa situação ainda pior do que a actual) que faz face com dificuldade e graças à parca remuneração que ainda recebe da prestação de serviços, sendo ainda seguro que o exercício de outra actividade profissional para a qual não tem experiência ou formação seria uma regressão brutal na sua vida profissional e pessoal, não sendo minimamente certo ou seguro que encontrasse um novo emprego na actual conjuntura económica do pais, nem que este emprego lhe pudesse compensar aquelas despesas e dívidas.

  4. O interesse da recorrente em defender o prestígio da profissão não pode sobrepor-se à necessidade de a recorrida assegurar a obtenção de rendimentos que lhe permitam sobreviver e manter um nível mínimo de dignidade, sendo seguro que qualquer prejuízo que possa ser causado à imagem da recorrente e aos interesses que lhe cumpre prosseguir por força do decretamento da providência não é superior ao prejuízo que será causado à recorrida se a mesma não for mantida (fazendo fé nos factos provados e considerações já expendidas supra e ao longo dos presentes autos) - v. Ac do Pleno de 1/4/2004, proc. n.º 01819-A/02, v. Ac. TCAN de 20/1/2012, proc. 00265/11; v. ainda, quanto à ponderação de interesses, os Acs. TCAN de 25/11/2011, proc. 00647/11, de 8/7/2011, proc. n.º 02936/10; v. Ac. TCAN de 8/7/2011, proc. n.º 00477/10;v. Ac. do STA de 31/07/96, AD 425/579.

  5. A recorrida não padece de qualquer síndroma de dependência de cocaína nem evidencia um padrão de uso e abuso de opiáceos, não causou dano ou perigo para a integridade física ou saúde de terceiros, não cometeu qualquer erro técnico de relevo ao longo da sua carreira, factos estes que nem sequer foram dados como provados na decisão recorrida e, finalmente acabou por ser absolvida da maior parte dos crimes de que vinha acusada no processo crime, tendo sido suspensa a execução da pena de prisão a que foi condenada (decisão esta que já foi objecto de recurso jurisdicional por parte da recorrida), pelo que é manifesto que não existe risco para o interesse público em permitir que a recorrida exerça s sua actividade profissional para a qual está habilitada.

Consequentemente, 7ª A decisão não cometeu erro de julgamento ao não considerar superiores os danos causados ao interesse público em caso de concessão da providência em relação aos da recorrida com o deferimento da mesma pois os danos alegados pela recorrente não se verificam nem são superiores.

* 2 .

Cumprido o disposto no art.º 146.º do CPTA, o M.º P.º não emitiu qualquer pronúncia.

* 3 .

Sem vistos, dado o disposto no art.º 36.º, ns. 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

* 4 .

Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º-A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II FUNDAMENTAÇÃO 1 . MATÉRIA de FACTO A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto: 1.

A requerente é farmacêutica com inscrição na Ordem dos Farmacêuticos desde 13 de Outubro de 1992 (por acordo).

2.

A Requerente exercia funções como Técnica superior da saúde de farmácia, nos Hospitais da Universidade de Coimbra (por acordo).

3 .

Em 14/10/2010, foi aplicada à requerente uma medida de coacção de suspensão de exercício de funções nos HUC pelo Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra.

4 .

Com data de 3 de Fevereiro de 2011 foi instaurado à requerente, pela ordem dos farmacêuticos, procedimento disciplinar (fls. 17 do PA).

5 .

Foi proferido com data de 13-05-2011 despacho de Acusação de fls. 74 e sgs, e 469 e sgs do PA, que aqui se dá como inteiramente reproduzido, e onde se refere:” …7º No laboratório daqueles serviços encontra-se um cofre no interior do qual estava armazenado, em frascos, cloridrato de cocaína. Esta substância estupefaciente destina-se, exclusivamente à manipulação e preparação de produtos farmacêuticos, na sequência da utilização de prescrição médica a nível hospitalar. 8.° A abertura daquele cofre era feita através de um código e uma chave. 9º A arguida, apenas por força das suas funções e no exercício delas, era conhecedora do referido...

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