Acórdão nº 00995/12.1BEPRT-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução21 de Setembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO MS. …, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 13.07.2012 e proferida na providência cautelar pelo mesmo deduzida contra o “MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA” (doravante «MVNG»), no segmento em que na mesma foi indeferido o pedido de suspensão de eficácia da ordem de cessação de utilização das construções executadas sitas na Rua de E. …, freguesia de Canidelo.

Formula o recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 90 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. - Foi ordenada «a cessação de utilização e a demolição das construções executadas em estrutura metálica e revestimento metálico ou policarbonato, perfazendo uma área aproximada de 150 metros quadrados, e uma construção metálica, com uma área aproximada a 6 m2, construída sobre paredes de alvenaria de blocos de cimento, a funcionar como pombal, sitas na Rua E. …, Freguesia de Canidelo, deste município».

  2. - Começou o requerente por defender a nulidade do ato ou, pelo menos, a sua anulabilidade, por completa omissão da fundamentação de direito, porque, como dissemos, o ato impugnado não refere qual a norma ou normas cuja violação o justificasse e, ademais, alegou os factos vertidos nos arts. 13.º e seguintes do requerimento da providência, no sentido de sustentar a legalidade das edificações em causa (apesar da ausência da indicação de norma violada) e dos danos irreparáveis ou de difícil reparação que a execução imediata iria acarretar.

  3. - Não obstante ter negado que o ato enfermasse do vício da falta de fundamentação, ao invocar que a fundamentação legal constava da notificação efetuada para efeitos de audiência prévia, o requerido nada mais fez do que confirmar tal omissão, 4ª - Já que o preceito do art. 123.º, n.º 1 e sua alínea d) do CPA, impõe que tal fundamentação e demais menções constem do ato. Do próprio ato, não de qualquer notificação anterior.

  4. - A exigibilidade da fundamentação, no caso concreto, resulta claramente do disposto no art. 124.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma, já que em causa está a restrição ao direito de propriedade do requerente.

  5. - É, pois, claro, desde já, que houve violação desse requisito do ato administrativo, cuja omissão, como dissemos no requerimento da providência, importa a nulidade do ato ou, pelo menos, a sua anulabilidade - arts. 133.º e 135.º do CPA.

  6. - A douta sentença em crise absolveu da instância o requerido quanto ao pedido referente à impugnação da ordem de demolição, pela falta de interesse em agir na providência cautelar, porquanto a ação principal assegura o interesse do proprietário, ao impor, pela simples pendência, a não execução do ato, face ao disposto no RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, cujo art. 115.º, n.º 1, prescreve que a ação administrativa especial dos atos previstos no art. 106.º tem efeito suspensivo.

  7. - Porém, indeferiu a providência quanto «ao pedido de cessação de utilização».

  8. - Importa saber se o efeito suspensivo prescrito pelo art. 115.º do RJUE é igualmente aplicável à utilização.

  9. - Parece-nos que a resposta não poderá deixar de ser positiva, em face do teor daquele preceito e do também já citado do art. 106.º do mesmo diploma, uma vez que a suspensão da ordem de demolição só poderá ter efeito útil se a normal utilização das construções em causa não sofrer obstáculo.

  10. - Importa também referir que em parte alguma do ato impugnado se refere a existência de sucata ou é ordenada a cessação de qualquer atividade relacionada com sucata.

  11. - Pelo que, não sendo questão versada no ato administrativo, não tendo sido trazida aos autos pelo requerente e tendo sido alegada pela requerida, mas sem qualquer prova, não nos parece deva ser fundamento da decisão - art. 264.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil.

  12. - Quando assim se não entendesse, certo é, como dissemos já, que está mais do que indiciariamente demonstrada a falta de fundamentação legal do ato impugnado.

  13. - Pelo que, se não devesse considerar-se integrada na suspensão prescrita pelo art. 115.º do RJUE, sempre, como base na probabilidade elevada de procedência da ação, deveria a providência ser julgada procedente relativamente à ordem de cessação de utilização.

  14. - E ainda se assim não fosse entendido, sempre se imporia, então, o prosseguimento dos autos com a produção de prova para aferição da existência dos fundamentos da suspensão de eficácia do ato.

  15. - Ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo violou as normas dos arts. 123.º, 124.º, 125.º, 133.º (ou, subsidiariamente, 135.º) do CPA, 106.º e 115.º do RJUE e 264.º do Código de Processo Civil ...

”.

Conclui no sentido da revogação da decisão e consequente deferimento da pretensão cautelar pelo mesmo deduzida.

O ente requerido, ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 107 e segs.

) nas quais pugna pela manutenção do julgado, formulando conclusões nos termos seguintes: “...

  1. Na pendência da presente demanda, a construção destinada a pombal com a área de 6m2 (objeto do ato suspendendo) foi demolida, por iniciativa do Recorrente, o que significa que aceitou e conformou-se com a ordem de demolição e de cessação de utilização daquela construção, não podendo, por isso, impugnar esta parte do ato suspendendo, cfr. art. 56.º do CPTA.

  2. Assim, relativamente àquele segmento do ato suspendendo (construção destinada a pombal) o Recorrente perdeu interesse em agir, configurando uma inutilidade superveniente da lide, cfr. art. 287.º al. e) do CPC.

  3. Não ocorre qualquer fundamento legal que justifique a revogação da sentença recorrida, que diga-se, bem andou fazendo uma correta interpretação e aplicação da lei aos factos.

  4. A sentença sob censura, encontra-se devida, correta e suficientemente fundamentada quer de facto, quer de direito.

  5. Não obstante, ao invés do alegado pelo Recorrente, inexiste qualquer razão, muito menos de natureza hermenêutica, que justifique o alargamento do efeito suspensivo prescrito no artigo 115.º do RJUE à ordem de cessação de utilização proferida ao abrigo do disposto no artigo 109.º do citado regime jurídico.

  6. Na verdade, o efeito suspensivo do artigo 115.º do RJUE apenas se reporta aos atos que decretem a demolição de construções ou a reposição de terrenos como medida de tutela da legalidade urbanística, isto é, aos atos proferidos ao abrigo do disposto no artigo 106.º do RJUE, pelo que a letra da lei não deixa quaisquer dúvidas quanto ao campo de aplicação dos efeitos contidos nesta regra.

  7. Uma vez que a ordem de cessação de utilização das construções em apreço foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 109.º do RJUE, dúvidas não devem subsistir que cai fora do âmbito de previsão do citado artigo 115.º, pelo que nesta matéria nenhuma censura merece a sentença recorrida.

  8. Quanto ao demais, a argumentação do Recorrente é distorcida e sem qualquer credibilidade, inexistindo qualquer falta de fundamentação do ato suspendendo.

  9. Os fundamentos subjacentes ao ato suspendendo prendem-se com o facto das construções em causa terem sido edificadas sem a necessária licença municipal sendo, por isso, clandestinas e insuscetíveis de legalização por desconformidade com a lei e os regulamentos.

  10. Em todo o caso, as sobreditas construções não se destinam a fins habitacionais, mas antes a depósito de sucata e pombal, pelo que o ato suspendendo não incide nem afeta o direito à habitação do Recorrente.

  11. Por isso, são absolutamente inverosímeis e não merecem proceder os argumentos aduzidos pelo Recorrente no sentido de tentar demonstrar o «fumus boni iuris».

  12. Deste modo, o presente recurso está manifestamente prejudicado, por falta de fundamento e credibilidade.

  13. Ademais, no caso dos autos, não se encontra demonstrado o requisito do periculum in mora, porquanto o Recorrente não concretizou qualquer prejuízo de difícil ou impossível reparação que lhe advenha da ordem de cessação de utilização que pretendia suspender, enquadráveis na exigência legal do art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA.

  14. Em face do que fica vertido, salienta-se e aplaude-se a lucidez e justeza da sentença, decisão essa despida de qualquer mácula ...

    ”.

    O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 146.º e 147.º ambos do CPTA não veio apresentar qualquer parecer/pronúncia (cfr. fls. 122 e segs.

    ).

    Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

  15. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objeto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

    As questões suscitadas e de que cumpre decidir resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão judicial no segmento em que julgou improcedente a pretensão cautelar formulada o fez enfermando de...

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