Acórdão nº 00209/05.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução25 de Janeiro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 .

O HOSPITAL de S. MARCOS, inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 7/10/2011, que julgando parcialmente procedente, por provada, a acção administrativa comum, sob forma ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, o condenou a pagar a cada um dos AA./recorridos JF. … e mulher MC. … a quantia de € 30.000,00, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde a notificação da sentença.

* 2 .

Também, os AA., notificados do recurso principal apresentado pelo Hospital de S. Marcos, vieram apresentar RECURSO SUBORDINADO - cfr. fls. 1208/1209.

* 3 .

O recorrente Hospital São Marcos nas suas alegações, formulou, a final, as seguintes conclusões: "1.

O Recorrente não se pode conformar com a douta sentença que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou o Réu a pagar aos Autores a quantia de 30.000€ acrescida de juros.

  1. No presente processo estamos perante a eventual responsabilidade civil extracontratual do Réu e é entendimento unânime que a responsabilidade dos entes públicos se rege pelas regras dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstas no Código Civil.

  2. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são, o facto voluntário ilícito, a culpa, a afectação da esfera jurídica de outrem e o nexo de causalidade adequada, nos termos dos artº 483º, nº1, 562 e 563 do Código Civil.

  3. Dos factos dados como provados, não é possível considerar verificados, em nosso entender, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

  4. A ilicitude é verificada com o sentido de acção ou omissão consciente e livre, proibida pelo direito, e a culpa com a envolvência da censura ético-juridica.

  5. In casu, não existe o facto voluntário ilícito, pois ficou provado que havia várias utentes em trabalho de parto, eram necessárias todas as camas intra-partos e cardiotacógrafos que o hospital possuía e, por sua vez, no Hospital de Barcelos havia disponibilidade de acompanhamento da Autora, localidade da Autora.

  6. É certo que o critério não pode ser o Hospital de referência, mas em igualdade de circunstâncias é um elemento a ponderar, tanto mais que se as restantes parturientes não pertenciam a Barcelos, não poderiam para aí ser transferidas.

  7. Também a culpa não está verificada, traduzindo esta a imputação ético-juridica do facto ao agente, imputação essa a título de dolo ou negligência, que neste último caso consiste na censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria um bom pai de família.

  8. Uma vez que a decisão de transferência deveu-se às circunstâncias referidas, aliadas à total falta de sofrimento fetal (traçado normal, liquido amniótico de coloração normal).

  9. No momento da tomada de decisão, não se verificava qualquer factor de risco que impedisse a transferência da Autora.

  10. Nenhuma culpa pode ser imputada na conduta do Réu, uma vez que perante as circunstâncias do caso e os sinais que lhe eram permitidos observar, não lhe era exigido, ou deveria, ter agido de outro modo.

  11. Ainda que a actuação do Réu fosse diferente, nada poderia fazer crer que tal teria obstado ao infeliz desfecho.

  12. Também não se verifica o nexo de causalidade entre a eventual conduta do Réu e a morte do feto, uma vez que, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido não fosse a lesão.

  13. In casu também pela que supra ficou dito, não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre o facto – decisão de transferência – e a morte do feto.

  14. Pelo contrário, pois o feto apresentava duas circulares ao pescoço e o cordão com hematoma grande, factos que per si provocam falta de oxigenação e a consequente expulsão de mecónio, podendo o falecimento do feto ocorrer subitamente, mesmo com observação clínica contínua, até no decorrer do parto.

  15. A situação de morte súbita do feto é frequente, podendo ocorrer em escassos minutos, bastando a existência de nó circular do cordão associada a um movimento brusco de feto.

  16. Conclusão a que chegou o despacho de arquivamento proferido no inquérito que analisou a possível responsabilidade criminal dos profissionais do segundo Réu.

  17. A existência de nó circular não tem diagnóstico possível mesmo através da realização de exame ecográfico, não sendo, por isso, diagnosticado ecograficamente.

  18. Actuação do Réu Hospital de S. Marcos foi a mais adequada à situação em apreço e não provocou, por actuação ou omissão, a morte do feto, uma vez que, houve por parte do segundo Réu uma correcta execução e um correcto controle de toda a situação clínica da Autora.

  19. A sentença em crise considera que in casu se verifica uma repartição do ónus da prova.

  20. Nos termos do artº 342º do CC cabe ao Autor fazer prova do direito que alega.

  21. E se até se poderá concordar que em determinadas situações isso é difícil para quem alega um direito (e não só em questões médicas), certo é que nada justifica que se pretenda, ao arrepio daquilo que são as regras do nosso ordenamento jurídico, fazer tábua rasa daquele que é um dos pilares das regras da prova.

  22. Não pode o tribunal, através da presente sentença, vir por em causa a segurança jurídica de que gozam as partes.

  23. Competia aos Autores provar todos os elementos constitutivos da responsabilidade extra contratual e, não o tendo feito, não restava ao Tribunal senão a decisão de absolver o Réu do pedido.

  24. Os argumentos que a douta sentença invoca para justificar a alteração do ónus da prova não têm qualquer cabimento legal, sendo certo que os alegados custos elevados na realização de perícias e outros meios de prova não argumento atendível, pois na hipótese de a parte não possuir condições económicas suficientes para o exercício da defesa dos seus direitos, poderia sempre lançar mão do apoio judiciário.

  25. Mesmo no contexto da sentença, são manifestamente exageradas, infundadas e até desajustadas, as indemnizações arbitradas.

  26. É jurisprudência aceite, e até nos termos equiparados da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, utilizada para os acidentes de viação, que os valores atribuídos pelo dano moral pela perda de um feto ascende, para ambos os pais dividido em partes iguais, ao montante máximo de 7.885€, pelo que, mesmo estando apenas o Tribunal vinculado a critérios de equidade, parece substancialmente exagerada a quantia arbitrada a este título.

  27. Por todas as razões supra expostas, nunca o pedido dos Autores poderia proceder.

  28. Não actuando conforme supra exposto violou a douta sentença, entre outras, as disposições dos arts 342º, 483º, nº1, 487º, 562º e 563º do Código Civil".

* 4 .

Notificadas as alegações, apresentadas pelo recorrente Hospital, supra referidas, vieram os recorridos - fls. 1204 -, apresentar contra alegações, pugnando, assim, pela manutenção da sentença recorrida, a qual, segundo eles, peca por defeito quanto ao montante da indemnização atribuída, sem contudo apresentarem quaisquer conclusões.

* 5 .

Quanto ao recurso subordinado, apresentado pelos AA./recorridos, formularam as seguintes conclusões, no final das respectivas alegações: 1- Os AA. não põem em causa os factos dados como provados e que constam da douta sentença.

2- Do ponto de vista dos factos e do direito a eles aplicados a sentença recorrida não merece censura.

3- Aqui se dão por reproduzidos os factos dados como provados.

4- Face aos factos dados como provados, nomeadamente no que diz respeito aos danos morais sofridos pelos AA. diz respeito, o montante da indemnização atribuída aos AA. peca por defeito.

5- Os AA. peticionaram à data da PI (2003) uma indemnização, a título de danos morais, de € 75.000,00, para cada um, valor que nos parece mais justo e equitativo, face à gravidade dos factos apurados e aos danos sofridos".

* 6 .

A este recurso subordinado respondeu o Hospital de S. Marcos, concluindo assim as suas contra alegações: "1- Não têm os AA: razão no recurso interposto.

2- As indemnizações fixadas, e pelos motivos expostos no recurso interposto pelo Réu, ora Recorrido - que se dão por integralmente reproduzidos - são excessivas.

3- e como tal nunca poderá ter qualquer fundamento o recurso interposto".

* 7 .

Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.

* 8 .

Efectivando a delimitação do objecto dos recursos, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II FUNDAMENTAÇÃO 1 . MATÉRIA de FACTO São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida --- que, salienta-se, não vêm sequer questionados --- : 1) Em documento do Hospital de Santa Maria Maior – Barcelos, retira-se que a Autora, MC. …, deu entrada naquele, no dia 22.11.1995, pelas 17.55, com a indicação do diagnóstico de trabalho de parto (cfr. doc. a fls. 34 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido) – alínea A. da matéria assente.

2) Em folha de registo diário de enfermagem do Hospital de Santa Maria Maior, pelas 18.30 do dia 22.11.1995, extrai-se que: “Toque vaginal: colo formado espesso e posterior. Dilatação 1-2 cm. Apresentação cefálica I plano de Hodge. Perda de liquido amniótico claro” (cfr. doc. a fls. 35 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido) – alínea B. da matéria assente.

3) Em documentos do Hospital de S. Marcos – Braga, retira-se que Autora supra referida deu entrada às 21.30 do dia 22.11.1995 naquela unidade de saúde, com a indicação que se encontrava grávida e com data provável para o parto o dia 17.11.1995 (cfr. docs. a...

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