Acórdão nº 05302/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução22 de Novembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO O Ministério da Justiça, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datado de 25/10/2007 que, no âmbito da ação administrativa especial instaurada por A...

e Filhos, habilitados de B...

, concedeu provimento ao pedido, anulando o despacho de 13/02/2006, de aplicação da pena disciplinar de suspensão por 150 dias, condenando a entidade demandada a reconstituir a situação jurídica do autor.

Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 255 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. O arguido contestou junto do superior uma ordem recebida – conduzir uma reclusa ao hospital – invocando que a escolta devia ser feita por outro elemento de vigilância; mantendo o superior a ordem, exigiu a sua redução a escrito, como condição para o seu cumprimento, o que foi recusado, após o que o arguido ameaçou fisicamente o superior.

  1. Como decorre do art. 3° do Decreto-lei n° 174/93, de 12 de maio, sob a epígrafe serviço permanente, “1 – O serviço do pessoal do corpo da guarda prisional considera-se de caráter permanente e obrigatório; 2 – São considerados dias normais de trabalho todos os dias da semana, incluindo sábados e domingos; 3 – O pessoal referido no n° 1, ainda que se encontre em período de folga ou de descanso, deve tomar todas as providências adequadas para prevenir ou resolver situações que ponham em perigo a ordem e a segurança dos estabelecimentos prisionais ou para fazer cessar evasões de reclusos”.

  2. Assim, sendo a disponibilidade permanente conatural à profissão de guarda prisional, não pode ser ilegal uma ordem dada a um guarda prisional, que, ademais, se encontrava ao serviço, como era o caso do Autor.

  3. O Autor estava escalado ao piquete de intervenção, pelo que sempre seria o primeiro a ser chamado em caso de necessidade, o que aconteceu quando o invocado período de descanso se encontrava praticamente no fim, para a diligência que não efetuou.

  4. Por a ordem em causa não poder ser considerada ilegal, sendo antes legítima, proveniente de entidade competente e regularmente comunicada, nunca seria aplicável ao caso a previsão de reclamação de ordem, contida no art. 10º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Dec. Lei nº 24/84, de 16 de janeiro, a que o Recorrido apelou para afastar a ilicitude da sua conduta.

  5. Ainda que a ordem fosse ilegal, a natureza urgente do cumprimento desta implicava a aplicação do n° 3 do art. 10º do ED, cabendo ao arguido/Autor cumprir primeiro e reclamar depois.

  6. Ora, diferentemente do que foi decidido, resultou provado no processo disciplinar que o Recorrido se recusou, perante o superior hierárquico que a emitira, a cumprir a ordem dada.

  7. Não obstante começar por afirmar a recusa de cumprimento da ordem, a sentença acaba por considerar que tal recusa veio a ser ultrapassada, tendo o arguido praticado atos demonstrativos de querer cumprir – aceitar a arma e dirigir-se à portaria – tendo sido o superior hierárquico a mudar a ordem.

  8. Em primeiro lugar, para chegar a tal conclusão a sentença desvaloriza os depoimentos do superior hierárquico, sem que se veja com que fundamento o faz; assenta a sentença por outro lado, e com a mesma ausência de fundamento, pelo menos do que do seu texto resulta, numa interpretação benevolente e desculpante da conduta do arguido.

  9. Em segundo lugar, o primeiro facto em que a sentença apoia a afirmação de que o Recorrido quis cumprir a ordem – recebimento da arma – é anterior à recusa de cumprimento, tendo sido facto praticado antes da “situação próxima da conflitual”, como refere a sentença (v., designadamente, as declarações do arguido a fls. 30 v. do PD).

  10. Em terceiro lugar, qualquer decisão subsequente de acatar a ordem, como a sentença retira de o arguido se ter dirigido à portaria (sem cuidar de saber com que objetivos precisos, o que nem podia ser afirmado, por falta de factos) não afasta a desobediência anterior.

  11. Mesmo que mais tarde tivesse assumido comportamento indiciador de se disponibilizar para cumprir a ordem, como pretende a sentença, ficcionando intenções, tal não afasta a recusa de cumprimento inicial, assim se justificando e compreendendo a necessidade da substituição ocorrida.

  12. Ao julgar como julgou a sentença violou os arts. 3°, n°s 4 e 7 e 24° do ED, pois o Recorrido não acatou, nem cumpriu as ordens de um seu legítimo superior hierárquico, dadas em objeto de serviço e com a forma legal.

  13. O Recorrido foi igualmente sancionado pela violação de deveres de correção, quer em relação a colega, quer em relação a superior hierárquico, o que foi aceite na sentença, que desqualificou a imputação a título de culpa, para meramente negligente.

  14. Que circunstâncias poderão ter levado a sentença a considerar que houve mera conduta descuidada do arguido? Insulta o colega e o chefe, em dois momentos separados mas sequenciais, com os mesmos argumentos e a manifestação do mesmo querer – furtar-se ao cumprimento de uma ordem que entende não ter de cumprir – pelo que o seu comportamento não pode ser meramente negligente.

  15. Não há qualquer desproporção na pena aplicada: em face da gravidade das infrações e da forma como foram cometidas, a pena é proporcional e legítima, conformando-se aos limites impostos pelo art. 28° do Estatuto Disciplinar, que a sentença viola.

  16. Quanto à invocada inexistência de consequências graves, trata-se de mera afirmação do Recorrido, não provada, sendo certo que, a inexistirem as mesmas, tal resultou de comportamento de terceiros, que, diferentemente daquele, souberam assumir as suas obrigações, respeitando a ordem emitida.

  17. O art. 24° do Estatuto Disciplinar tem caráter enunciativo, sendo as suas alíneas meras concretizações de comportamentos indicadores de negligência grave ou grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais.”.

    Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional, revogando-se o acórdão recorrido.

    * Os ora recorridos notificados, apresentaram contra-alegações (cfr. fls. 311 e segs.), concluindo nos seguintes termos: “1ª O Recorrente põe em crise a decisão constante do douto Acórdão proferido nos presentes autos de que o ato administrativo sancionatório sofre de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, defendendo – embora sem sucesso – que o Recorrido violou o dever de obediência, e fazendo para tanto tábua rasa dos factos que ficaram demonstrados à saciedade no processo disciplinar.

    1. Em manifesta negação do teor do Acórdão recorrido, o Recorrente, nas suas Alegações de Recurso, insiste em fazer crer que o douto Tribunal a quo teria entendido que o Recorrido se recusou a cumprir uma ordem dada pelo seu superior hierárquico.

    2. No entanto, o Acórdão recorrido é perentório ao afirmar que “o comportamento do A. não integra a violação do dever de obediência, porquanto, pedida e negada a redução da ordem a escrito, tal não obstou a que o A. adotasse de imediato a conduta necessária e adequada ao seu cumprimento, recebendo a arma que lhe foi facultada pelo superior hierárquico e dirigindo-se à portaria”.

    3. Com efeito, resulta inequívoco do processo disciplinar que o Recorrido nunca se recusou a cumprir a ordem que lhe foi transmitida, tendo-se disponibilizado de imediato para a acatar, conquanto pudesse duvidar da respetiva legalidade.

    4. O Recorrido adotou de imediato os atos conducentes ao acatamento da ordem, comparecendo na Chefia aproximadamente dez minutos após ter sido acordado, devidamente fardado, aceitando a arma que o Subchefe C...lhe entregou para o efeito e dirigindo-se novamente à chefia 10m ou 15m depois para cumprir a ordem que lhe havia sido transmitida.

    5. Não houve, pois, qualquer “recusa inicial” por parte do Recorrido de acatar a ordem em causa nem qualquer “retratação”, porquanto o Recorrido nunca se recusou ao cumprimento da ordem emanada, tendo-se disponibilizado de imediato para o efetivo cumprimento da mesma.

    6. Assim, tendo sido provado que o Recorrido se disponibilizou para cumprir a ordem que lhe fora transmitida, não se poderia imputar-lhe uma alegada violação do dever de obediência.

    7. Com efeito, muito embora tenha exercido, legitimamente, o direito de respeitosa representação, certo é que o Recorrido sempre se disponibilizou ao cumprimento efetivo e imediato dos comandos emanados pela hierarquia, tendo posto os meios necessários para que a diligência fosse – por ele – realizada, pelo que não se pode falar em desobediência, conforme decidiu e bem o douto Acórdão recorrido.

    8. O Recorrido requereu a redução a escrito da ordem que lhe foi transmitida pois tinha legítimas dúvidas acerca da legalidade da mesma, na medida em que tal ordem impunha a interrupção do seu período de descanso, de apenas cinco horas, para a realização de uma diligência, quando havia – como se demonstrou mais tarde – outros guardas que não estavam em período de descanso e podiam realizar a diligência em questão, o que efetivamente ocorreu.

    9. O período de descanso dos guardas prisionais só deve ser interrompido em situações de força maior e de emergência, não sendo pacífico que o acompanhamento de uma reclusa ao hospital configure – por si só – um caso de força maior e de emergência, dependendo a qualificação de tal diligência como sendo uma situação de emergência de circunstâncias várias, designadamente do grau de perigosidade da reclusa e do número de efetivos disponíveis – em condições normais de serviço – para realizar a diligência em questão.

    10. Assim, a ordem dada ao Recorrido para realizar uma diligência no seu período de descanso – quando havia outros guardas disponíveis para realizar tal diligência –, violava, pelo menos na aparência, os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, ofendendo os direitos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT