Acórdão nº 08532/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO VASCONCELOS
Data da Resolução21 de Junho de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Maria ………………… e Maria Eugénia ……………….., com sinais nos autos, inconformadas com a sentença do TAF de Almada, de 28 de Outubro de 2011, que julgou improcedente, por não provada, a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, por si intentada contra o Hospital …………… E.P.E., dela recorreram e, em sede de alegações, formularam as seguintes conclusões: “ 1º O presente recurso incide sobre a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente, por não provada, a acção administrativa comum na forma ordinária para efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito, e em consequência absolveu o Réu Hospital ………….. do pedido por considerar inexistente o pressuposto relativo à ilicitude.

  1. Em primeiro lugar, por considerar que inexiste qualquer norma que impusesse ao R. a obrigação de controlar a saída dos doentes do serviço de urgência, e em segundo lugar, por considerar inexistir igualmente a violação, por parte do R., de regras de prudência comum que devessem ser tidas em consideração.

  2. Para fundamentar este ultimo ponto, invoca a douta sentença a matéria não provada relativamente à comunicação ao Hospital, por parte da 2.ª A., que Manuel ………... sofria de Alzheimer ou que carecia das necessárias faculdades para perceber a realidade envolvente ou para se orientar.

  3. Ora, não podem as Recorrentes conformar-se com tal entendimento, uma vez que entendem que, com base na factualidade dada como provada na douta sentença ora recorrida, o pressuposto da ilicitude – tal como o mesmo se encontra definido no art. 6.º do D.L. 48051 de 21 de Novembro de 1967 – encontra-se verificado.

  4. De acordo com a citada disposição legal não é necessário que haja um preceito escrito que tenha sido violado, abrangendo igualmente aquele conceito a omissão de cumprimento de um dever imposto pela prudência comum, ou omissão do cumprimento de um dever que se impusesse respeitar.

  5. Assim, da prova documental junta aos autos e da matéria dada como provada na douta sentença ora recorrida nomeadamente nas suas als.

    c) Manuel Jesus de Oliveira tinha, à data, 83 anos de idade; d) Sofria de Alzheimer (…); h) Manuel ………. foi encaminhado para o Hospital ………a (pelo SAP do Seixal), onde chegou de ambulância pelas 15h05; i) (…) docs. 29 a 33; j) Seguiu um envelope fechado relatório médico a acompanhar o doente (…) – doc de fls 122; k) Manuel …………… entrou no hospital referenciado como doente que tinha sofrido perda de conhecimento, náuseas e vómitos; m) a médica que então observou Manuel ……………. pediu a realização de electrocardiograma, de raio X e análises, tendo posteriormente mandado repetir análises às enzimas; q) A Dra Marcelina disse à 2.ª A que não dava alta ao doente sem análises previas e exames adequados; r) (…) por volta das 20h (…) teria de ficar em observação e repetir análises por volta das 2h, e que só depois se podia avaliar a situação e eventualmente dar-lhe alta; g) Aquela médica já conhecia Manuel ……….. e o seu estado clínico mental por o mesmo já ter sido ali assistido; t) Por volta das 2h20 foi informada que a situação se mantinha e só poderiam dar mais informações pelas 8h da manhã; u) Por volta das 8h50 (…) ainda não tinha tido alta (…); conclui-se que tal factualidade não pode deixar de subsumir o conceito de ilicitude tal como o mesmo se encontra consagrado no art. 6.º do DL 48051 de 21 de Novembro de 1967.

  6. É certo que as Recorrentes não lograram provar que a 2.ª A. tivesse comunicado à médica que primeiro assistiu Manuel ………….. no Serviço de urgência do Hospital ………….. que o mesmo padecia de Alzheimer – no entanto tal médica já conhecia o seu estado clínico mental anterior por o mesmo já ter ali sido assistido (cf. Al. s) da matéria dada como provada.

    8.ª Ainda assim, e mesmo que a doença de Alzheimer de que padecia fosse desconhecida pelos profissionais do Serviço de Urgência, impunham as regras da prudência comum, um dever de especial acompanhamento e vigilância de um doente com as características de Manuel ………….. – 83 anos de idade e que deu entrada no Serviço de Urgência encaminhado pelo SAP do Seixal após duas perdas de conhecimento prolongadas nesse mesmo dia – pelo que foi violado um dever que se impunha respeitar.

  7. Em segundo lugar o desaparecimento do doente não foi comunicado ao segurança assim que o mesmo não foi detectado – o que não pode deixar de configurar uma omissão de um dever que se impunha respeitar.

  8. Em terceiro lugar, a inexistência de normas no regulamento interno do Serviço de Urgência que previssem o acompanhamento e vigilância de doentes com características especiais – idade avançada, patologias especiais, etc. – revela também uma omissão no cumprimento de um dever que se impunha respeitar – o de prever expressamente estas situações naquele regulamento.

  9. E em quarto lugar, o mesmo se aplica à inexistência naquele regulamento de regras acerca dos procedimentos a adoptar entre os profissionais de saúde e a vigilância em caso de fuga de doentes.

  10. Sem esquecer a adopção dos procedimentos em apreço destinados a concretizar tais regras.

  11. A omissão destas condutas encontra-se provada nos autos.

  12. E a existência dos deveres elencados (ao contrário do que entendeu a douta sentença ora recorrida) é imposta pelas regras de prudência comum, que deviam ser tidas em consideração – tanto assim é que o próprio Recorrido reconhece a sua existência, e a falhas/omissões cometidas na acta da reunião do Conselho de Administração do Hospital ………… de 28/10/2006 – a fls. 136 dos autos, onde pode ler-se, nomeadamente: “ O Conselho de Administração concordou e aprovou as conclusões retiradas pela instrutora do Processo de Averiguações n.º 144/SAJC/2006, Dra. Patrícia ………………, sobre o desaparecimento do doente Manuel ……………….. , cometendo o Sr. Director Clínico e ao Grupo Coordenador da Urgência, o encargo de preparar a alteração do regulamento interno do Serviço de urgência, de forma a se prever o acompanhamento e vigilância de doentes com características especiais (idade avançada, patologias especiais, etc.) e o estabelecimento de procedimentos a adoptar entre o profissionais de saúde e a vigilância em casos de fugas de doentes.” (negrito e sublinhado nosso) 15.ª A factualidade descrita não pode, pois, deixar de se subsumir no conceito de ilicitude tal como o mesmo se encontra consagrado no era.º 6.º do DL 48051, de 21 de Novembro de 1967.” * O ora Recorrido, Hospital ………….., E.P.E. contra – alegou pugnando pela manutenção do decidido.

    * O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

    * Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    * A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, que se passam a transcrever: a) Manuel ………….. faleceu em data não concretamente apurada, tendo o seu cadáver sido descoberto no dia 30 de Setembro de 2006, pelas 14 horas, na freguesia de Caparica, Concelho de Almada – al. A) da matéria assente; b) Não foi possível datar a morte dado o estado de putrefacção em que o corpo se encontrava – resposta ao quesito 103.º; c) Manuel …………….. tinha, à data, 83 anos de idade - al. B) da matéria assente; d) Sofria de “Alzeimer” e apesar de sofrer da doença de diabetes, não corria risco de vida, nem padecia de doença que fizesse prever a sua morte subitamente – acordo; al. B9 da matéria assente; e) No Centro de Saúde do Seixal era acompanhado pela Médica de Família, Dra. Paula …….. – resposta ao quesito 2.º: f) No dia 14 de Setembro de 2006 (5.ª feira), Manuel …………..sentiu-se mal g) A 2.ª A. acompanhou o seu pai ao SAP do Seixal, onde foi assistido pela Dra. Teresa ……….. – resposta ao quesito 4.º; h) Manuel ……….. foi encaminhado para o Hospital Garcia …….., onde chegou de ambulância pelas 15h05 horas – resposta ao quesito 5.º; i) Em 14/09/2006, foi registado nas fichas de emergência elaboradas pela Unidade de Socorro do Pelotão de Emergência Médica do Núcleo do Seixal da Cruz Vermelha Portuguesa, relativas a Manuel …………: Sinais /sintomas – Hipoglicémia; Doença Súbita – cfr. doc. de fls. 29 a 33 dos autos; al. D) da matéria assente; j) Seguiu um envelope fechado relatório médico a acompanhar o doente, que consta a fls 122 com a denominação “transferência de doente – resposta ao quesito 122.º.

    k) Manuel …………… entrou no hospital referenciado como doente que tinha sofrido perda de conhecimento, náuseas e vómitos – resposta ao quesito 119.º; l) A 2º A., no hospital, foi aconselhada a preencher uma ficha a pedir informações sobre o doente, o que fez m) A médica que então...

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