Acórdão nº 09046/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Agosto de 2012

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução08 de Agosto de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que declarou a incompetência absoluta, em razão da matéria, para se conhecer da presente acção, onde o ora Recorrente peticionava a emissão de mandato judicial que permitisse a entrada num imóvel particular, dos funcionários do município, competentes para a fiscalização das operações urbanísticas nos termos dos artigos 93º, n.º1 ,94º, n.ºs 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12 e 64º, n.º 5, al. b) da Lei das Autarquias Locais.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: « » O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: «I. o Apelante não alegou nem provou durante o processo quaisquer factos que demonstrem a existência de uma relação administrativa entre o Apelante e os Apelados.

  1. O recurso não constitui a sede própria para a invocação pelo Apelante de uma eventual relação administrativa nunca antes alegada e demonstrada durante o processo; Assim, III. Na falta de factos dos quais se possa concluir por uma relação administrativa, a competência para decidir os presentes autos caberá obviamente aos tribunais judiciais independentemente de se saber se o artigo 95.°, n. °3, do RJUE é ou não inconstitucional.

  2. O objecto dos presentes autos consiste apenas na obtenção de um mandado que se esgota com a respectiva emissão, não se confundindo a emissão do mandado com a actividade fiscalizadora propriamente dita ou com eventual decisão administrativa proferida na sequência da acção fiscalizadora.

  3. Os artigos 1.º, n.1 e 4.° do ETAF, que delimitam e recortam a norma constitucional do artigo 212.°, n.º3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), definem o âmbito da jurisdição administrativa.

  4. A emissão de mandado judicial para entrada em domicílio privado, tal como previsto no artigo 95.°, nº3, do RJUE, não se encontra previsto em nenhuma das alíneas do n. °1 do artigo 4. ° do ETAF, nem delas poderia obviamente constar.

  5. Trata-se, efectivamente, de uma matéria que a Constituição da República Portuguesa, no artigo 211.n.º1, atribui directamente à jurisdição dos tribunais judiciais.

  6. O elemento teleológico da interpretação leva necessariamente a concluir que a competência dos tribunais judiciais determinada pelo artigo 95.°, n. °3, do RJUE, tem uma dupla razão: a) estamos perante um problema de inviolabilidade do domicílio, de protecção da reserva da intimidade da vida privada e de direito de propriedade que são típicas matérias de direito privado da competência dos tribunais comuns, e b) está igualmente em causa o exercício de poderes policiais inspectivos do domicílio e da propriedade privada em tudo idênticos às buscas domiciliárias de natureza penal e processual penal, que são matérias da exclusiva competência dos tribunais judiciais.

  7. Nem a parte final do n. °4 do artigo 268. ° da CRP constituirá fundamento para trazer à jurisdição administrativa o conhecimento destas providências de obtenção de mandado judicial, dado que esta norma assegura apenas aos particulares e não às entidades administrativas a adopção de medidas cautelares adequadas.

  8. Desta forma, o artigo 95.°, n. °3, do RJUE ao remeter para os tribunais comuns a competência para julgar a matéria dos autos não padece de uma inconstitucionalidade orgânica-formal.

  9. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º145/2009, de 24/03/2009, invocado pelo Apelante não poderá naturalmente merecer o acolhimento das instâncias por não ter sequer ponderado a verdadeira ratio legis do artigo 95.°, n. °3, do RJUE.

  10. A própria LOFTJ, que é uma Lei da Assembleia da República, expressamente determina logo no seu artigo 2.° que "Incumbe aos tribunais judiciais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados." (sublinhados nossos), e acrescenta que, em última análise, os tribunais de comarca têm sempre competência quando as causas não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cfr. artigos 62.0, n.º1, e 18.º, n. 1, da LOFTJ).

  11. A própria jurisprudência dos tribunais superiores da Relação de Lisboa e da Relação do Porto tem reconhecido que a competência para apreciar os litígios em torno do artigo 95.°, n.º3 do RJUE pertence aos tribunais judiciais.

  12. Acresce que neste tipo de processos para emissão de mandado judicial em que não há qualquer acção que se lhe siga, os tribunais administrativos não têm meios processuais adequados para julgar este tipo de litígios, uma vez que no procedimento cautelar comum administrativo deve ser sempre indicada no requerimento inicial a acção de que o processo depende ou irá depender (cfr. artigo 114.n.º3, al. e) do CPTA), sob pena de indeferimento liminar.

  13. Os tribunais administrativos não têm, desta forma, suporte constitucional ou legal para apreciar as matérias em litígio, nem meios processuais adequados para o efeito, sendo, por isso, incompetentes em razão da matéria, cabendo a competência para os autos em apreço aos Tribunais Judiciais.

» O DMMP, seu o parecer de fls. 329 e ss, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

O Direito Alega o Recorrente, nas várias conclusões das alegações de recurso, que a sentença recorrida errou porque em causa está uma relação jurídico-administrativa, resultando a competência material dos tribunais administrativos do artigo 35º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12 e que o artigo 95º, n.º 3, do RJUE, é inconstitucional, por aquele ter sido adoptado por decreto-lei, sem a necessária autorização parlamentar.

Esta situação já foi resolvida pelo STA, em Tribunal de Conflitos, no Ac. n.º 6/11, de 05.07.2012 (in www.dgsi.pt), no qual se decidiu o seguinte: «2. O pedido de emissão do mandado judicial foi formulado, em 2008, junto do Tribunal da comarca do Baixo Vouga e, em 2010, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, ao abrigo do artº95, nº3 do DL 555/99, de 16.12, alterado pelo DL 177/2001, de 04.06 (cf. doc. nº1 e nº2, respectivamente, junto com a petição).

Dispõe o supra citado preceito: Artigo 95.º Inspecções 1 - Os funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras ou as empresas privadas a que se refere o n.º 5 do artigo anterior podem realizar inspecções aos locais onde se desenvolvam actividades sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma, sem dependência de prévia notificação.

2 - O disposto no número anterior não dispensa a obtenção de prévio mandado judicial para a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento.

3 - O mandado previsto no número anterior é concedido pelo juiz da comarca respectiva a pedido do presidente da câmara municipal e segue os termos do procedimento cautelar comum. (negrito nosso) O juiz da comarca declarou-se materialmente incompetente, acolhendo as razões que constam do acórdão do Tribunal Constitucional nº 145/2009, de 24.03.2009 (cf.doc. nº3 junto com a petição) que, num processo de fiscalização concreta da constitucionalidade do nº3 da norma supra referida, o declarou organicamente inconstitucional por, em síntese, o legislador ordinário não ter, no âmbito da redacção originária do RJUE...

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