Acórdão nº 08929/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução04 de Outubro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Laboratórios A..., Lda., com os sinais nos autos, inconformados com o despacho de rejeição liminar da providência cautelar requerida, do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. Ao não ter conhecido das inconstitucionalidades invocadas pela Recorrente com vista à desaplicação da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, ao caso dos autos, o Tribunal a quo o despacho do Tribunal é nulo, nos termos do disposto nos artigos 668.°, n.° l, alínea d), e 666.°, n.° 3, ambos do Código de Processo Civil (CPC) e aplicáveis ex vi artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

  1. Ainda que se considerasse que o despacho liminar recorrido contém uma pronúncia sobre parte dessas inconstitucionalidades, a decisão seria nula, nos termos do citado artigo 668.°, n.° l, alínea d), por omitir a pronúncia sobre as restantes inconstitucionalidades invocadas no requerimento cautelar rejeitado.

  2. Caso se entendesse que o despacho recorrido contém uma pronúncia sobre todas as inconstitucionalidades invocadas, a decisão seria nula por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 668.°, n.° l, alínea b), e 666.°, n.° 3, ambos do CPC e aplicáveis ex vi artigo 1.° do CPTA.

  3. O critério de rejeição liminar previsto no artigo 116.°, n.° 2, alínea d), do CPTA, deve ser interpretado no sentido de permitir o indeferimento liminar do requerimento inicial quando seja manifesta a improcedência da pretensão formulada. A respeito de um lugar paralelo no CPTA, o artigo 120.°, n.° l, alínea a), a jurisprudência do STA tem entendido que as situações a enquadrar no conceito de acto manifestamente ilegal, não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações, sendo manifesto, aquilo que é líquido, salta à vista, não oferece dúvida.

  4. Não há ra7ão para que essas exigências sejam menores quando o juízo de evidência (ainda que inverso) é formulado em sede liminar.

  5. Em qualquer leitura que se faça da decisão recorrida, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o artigo 116.°, n.° 2, alínea d), do CPTA.

  6. Entendendo-se que o despacho não contém uma pronúncia sobre as inconstitucionalidades invocadas pek Recorrente, o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação dessa norma por considerar-se dispensado do conhecimento desses fundamentos de desaplicação da Lei n.° 62/2011, conhecimento que se lhe impunha para poder formular um juízo sobre a alegada manifesta improcedência da pretensão deduzida pela Requerente.

  7. Entendendo-se que o despacho contém uma pronúncia sobre parte das inconstitucionalidades invocadas, oTribunal a quo errou na interpretação e aplicação do citado artigo por duas razões.

  8. Em primeiro lugar, por não ter considerado todas essas questões, o que, na presença de uma pluralidade de fundamentos autónomos de desaplicação da Lei n.° 62/2011, seria necessário para formular um juízo sobre a manifesta improcedência da pretensão deduzida.

  9. Em segundo lugar, quanto parte conhecida, o próprio juízo de manifesta improcedência seria sempre desacertado, uma vez que todas as inconstitucionalidades foram invocadas de forma que se julga séria, robusta e sustentada na mais autorizada doutrina e jurisprudência, sendo que nenhuma destas questões é qualificável como incontroversa, pelo menos no sentido considerado pelo Tribunal a quo.

    Nenhuma das questões de inconstitucionalidade invocadas apresenta-se como manifestamente improcedente.

  10. No caso de se entender que o Tribunal se pronunciou sobre todas as inconstitucionalidades, a interpretação e aplicação do artigo 116°, n.° 2, alínea d), do CPTA, é errada pela razão referida na conclusão anterior.

  11. Para a hipótese de este Venerando Tribunal aceitar — sem conceder — que o Juiz cautelar podia in casu ter conhecido e julgado as questões de inconstitucionalidade da Lei n.° 62/2011 suscitadas pela Recorrente, importa demonstrar novamente as razões pelas quais a Constituição impede a aplicação dessa lei aos autos.

  12. Os direitos de propriedade industrial, nestes se incluindo os direitos relativos a patentes de medicamentos, são uma modalidade especial do direito de propriedade e, nessa medida, encontram-se sujeitos ao mesmo regime, conforme já decido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 257/92, de 13 de Julho de 1992.

  13. Ao contrário da qualificação como interpretativa, feita no n.° l do artigo 9.° da Lei n.° 62/2011, das alterações introduzidas pela mesma lei à redacção dos artigos 19.°, 25.° e 179.° do Estatuto do Medicamento, e da nova disposição relativa a aspectos do regime, da autorização de preços do medicamento constante do artigo 8.° da Lei n. ° 62/2011, tais normas são efectivamente inovadoras.

  14. Em consequência é clara e inequívoca a violação do princípio da legítima confiança por parte da norma do artigo 9.°, n.° l, 2 e n.° 3, da Lei n.° 62/2011, o que a fere de inconstitucionalidade material que aqui se argui expressamente para todos os efeitos.

  15. Em consequência, por todos estes motivos, e por cada um deles, deveria o Tribunal a quo ter recusado a aplicação do disposto no artigo 9.° da Lei n.° 62/2011, aplicando ao caso dos autos o regime legal com a redacção em vigor à data da prática dos actos em crise, no sentido acima recapitulado e oportunamente desenvolvido nos presentes autos, e definido por jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Sul.

  16. Subsidiariamente: o regime constante dos n.°s l, 2 e 3 do artigo 9.° da Lei n.° 62/2011 determina uma vazio de tutek jurisdicional, porque negaria a possibilidade de atacar as autorizações de introdução no mercado e os actos de fixação de PVP junto dos tribunais administrativos (por força do novo regime substantivo criado), e impediria a prática de tais actos através do prévio recurso à arbitragem necessária prevista na nova lei como o meio adequado de resolver as questões de direitos de propriedade industrial suscitadas em relação com aqueles procedimentos administrativos (o que se alega sem prejuízo de se considerar que o mecanismo de "composição de litígios" criado pela nova lei é, ele próprio, também inconstitucional).

  17. Em consequência, o regime constante dos n.°s l, 2 e 3 do artigo 9.° da Lei n.° 62/2011 viola, também por esta via, o princípio da protecção da confiança e o princípio da tutek jurisdicional efectiva dos direitos lesados por aqueles actos administrativos (AIMs e actos de fixação de PVP), padecendo de inconstitucionalidade material.

  18. Subsidiariamente: a norma do artigo 25°, n.° 2, do Estatuto do Medicamento, na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011, na medida em expressamente determina que o pedido de AIM não pode ser indeferido com fundamento na violação dos direitos de propriedade industrial, é inconstitucional por violação do direito fundamental de propriedade privada (artigo 62.° da CRP). É o que se pode extrair da jurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo SuL 20. Subsidiariamente: a norma do artigo 179.°, n.° 2, do Estatuto do Medicamento, na redacção conferida pelo artigo 4.° da Lei n.° 62/2011, na medida em expressamente determina que uma AIM não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na violação dos direitos de propriedade industrial, é inconstitucional por violação do direito fundamental de propriedade privada (artigo 62.° da CRP). É o que se pode também extrair dajurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo Sul.

  19. Subsidiariamente: a norma do artigo 8,° da Lei n.° 62/2011, nos termos da qual «A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquek conduz, não têm por objecto a apreciação de eventuais direitos de propriedade industrial», é inconstitucional por viokção do direito fundamental de propriedade privada (artigo 62.° da CRP). E o que se pode ainda extrair da jurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo.

  20. A desaplicação das citadas normas da Lei n.° 62/2011 implicam que o presente caso deva ser julgado tendo por base a configuração da rekção jurídica que resulta do requerimento inicial, ou seja de acordo com a redacção do Estatuto do Medicamento e do regime da autorização de preços do medicamento anteriores aquek nova lei.

    NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais.

    * O Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, IP contra-alegou, concluindo como segue: 1. Bem, andou o douto Tribunal a quo indeferir liminarmente a presente providência, uma vez que, não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros.

  21. Isto mesmo resulta do artigo 25.°/2 do Estatuto do Medicamento, que estabelece que, O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do n.° 4 do artigo 18.°".

  22. O referido artigo 25.°/2 do Estatuto do Medicamento, na interpretação dada pela Lei 62/2011, nos termos do artigo 9.°/1 da Lei 62/2011, tem cariz...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT