Acórdão nº 08488/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Outubro de 2012
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 25 de Outubro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.
RELATÓRIO A... , AG, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 24/11/2011 que, no âmbito do processo cautelar por si movido contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação e as Contrainteressadas, B... (Europe) Limited e C... – Produtos Farmacêuticos, Lda.
, indeferiu as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed às Contrainteressadas durante o período de vigência da Patente e dos CCPs 20 e 24, de intimação do Infarmed a não autorizar ou a não realizar a transferência da titularidade das AIMs concedidas às contrainteressadas e de intimação da DGAE, na pessoa do MEE a abster-se de, enquanto a Patente 96799 e os CCPs nºs 20 e 24 estiverem em vigor, fixar os atos de PVP, para os medicamentos em causa, absolvendo as entidades requeridas do pedido.
Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 924 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1.
O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos inequívocos e literais do artigo 143.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA em conjugação com o artigo 692.° nº 3 alínea d) do CPC ex vi 140.° do CPTA, e sobe imediatamente e nos próprios autos, nos termos do artigo 147.º, nº 1 do CPTA; caso assim não se entenda, sempre se dirá que o efeito suspensivo deve ser atribuído à luz do n.° 5 do artigo 143.º do CPTA 2.
Nos presentes autos cautelares foi julgada provada a seguinte factualidade: • ponto G) do probatório - que “(...) Em 6.09.2011, o Infarmed concedeu à Contra-Interessada C... autorizações para introdução no mercado para 2 medicamentos contendo como princípio ativo o Valsartam, os quais apresentam a seguinte designação (cfr. docs n.° 7-8 junto com o requerimento inicial, a fls. 386, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): Valsartan + Hidroclorotiazida 80 mg +12,5mg comprimidos e Valsartan + Hidroclorotiazida 160mg +25mg comprimidos (...)” • ponto H) do probatório — que “(...) Os genéricos Valsartan B... e Valsartan + Hidroclorotiazida apresentam as mesmas indicações terapêuticas que a invenção patenteada – antagonistas de recetores da angiotensina (por acordo)(...)” No entanto, como resulta do requerimento inicial (artigo 69.º) – aceite pelas partes – e dos Doc.s nºs 7 e 8 dados por provados nos autos, os medicamentos genéricos cujas AIMs foram concedidas à Contrainteressada Sanofi designam-se por Valsartan +Hidroclorotiazida Zentiva 80mg+12,5mg; l60mg+25mg e não por Valsartan +Hidroclorotiazida 80mg+12,5mg; l60mg+25mg, pelo que se deverá proceder à retificação do referido lapso nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 667.°, nºs 1 e 2, ex vi artigo 716.º, n.° 1 do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA 3.
No que respeita aos factos que deveriam ter sido dados como provados, e não o foram, deverão ser aditados à decisão sobre a matéria de facto os seguintes factos alegados pela Requerente no seu requerimento inicial, que constam de documentos com força probatória plena juntos aos autos (cfr. artigos 370.º e 371.º do CC e artigo 264.º, n.º 2 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA): “5º Entre os compostos de bifenilo protegidos pelas reivindicações da Patente, como será aqui explicado adiante em mais pormenor, encontra-se um composto, com a denominação comum internacional de Valsartan, que tem os seguintes nomes químicos: (
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N-(1-Oxopentil)-N[[2´-(1H-tetrazol5-il)[1,1a-bifenil]-4-il]metil]-L valina; (b) N-[p-(o-1H-tetrazol5-ilfenil)benzil]-N-valeril-L-valina; e (c) (S)-N(1-carboxi2-metilprop1-il)-N-pentanoíl-N[2a-(1H-tetrazol5-il)- bifenil-4-ilmetil]amina.
(...) 50º O CCP 20 foi concedido por referência ao produto da Requerente contendo como substância ativa o Valsartan (cuja marca é o Diovan®), estendendo o período de proteção da Patente para qualquer produto contendo o Valsartan até 23 de setembro de 2013.” 4.
A questão jurídica de fundo nestes autos não é a de saber se, no quadro jurídico que o informa, deve ou não o INFARMED verificar da existência de direitos de propriedade industrial respeitantes a produtos sujeitos a procedimentos de autorização de introdução no mercado, pelo que aquilo que o Meritíssimo Juiz a quo entendeu corresponder à questão principal a apreciar e decidir na ação principal é resultado de uma convolação para uma causa de pedir que não a alegada pela Requerente, ilegal ao abrigo da conjugação dos artigos 660.º, n.° 2, 2ª parte, 664.º e 264.º do Código de Processo Civil, sofrendo assim a sentença do tribunal a quo de nulidade, nos termos do artigo 668.º, n.° 1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, por ter condenado em objeto diverso do pedido.
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Os direitos de propriedade industrial emergentes de uma patente ou de um CCP são direitos temporários de exclusivo, com proteção constitucional, como direitos fundamentais com a natureza de “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, sendo, ainda considerados direitos fundamentais pelo direito e pela jurisprudência comunitária (cf. artigo 6.°, n.ºs 1 e 3 do TUE e artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).
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Sendo um ato de concessão de AIM a um medicamento um ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, de outro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade, este será ilegal sempre que não respeite o princípio da legalidade i.e.
, o chamado bloco de legalidade (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14.02.2008, Processo n.° 03165/07), no qual se insere, prima facie, o princípio constitucional de respeito pelos direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias, pelo que não pode ser aqui invocado o princípio da neutralidade administrativa (cf. Vieira de Andrade no artigo junto ao Requerimento Inicial).
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Os atos de concessão de AIMs dos autos são atos fulminados de nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPA, uma vez que são incompatíveis com o do ato de concessão da Patente e do CCP e como tal como violadores da norma do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, por força dos art.ºs 17.º e 18.º da CRP e têm como finalidade permitir, por via de uma autorização administrativa, a prática pelas Contrainteressadas de atos qualificados como criminosos pelo CPI.
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O direito para o qual a Recorrente busca tutela nestes autos é um direito que, embora fundamental e protegido diretamente pela Constituição, é um direito efémero, sendo que o tempo de exclusivo que ainda resta é apenas de cerca de dois anos, incluindo a prorrogação que lhe foi conferida pelo CCP 20.
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A sentença que, na ação principal, venha a decretar a nulidade das AIM suspendendas (e que não se espera ver decidida antes de, pelo menos, cinco anos, a contar da sua propositura), apesar de, por força da lei, ter efeitos retroativos, não terá qualquer utilidade prática, uma vez que o exclusivo da Recorrente ter-se-á então, há muito, extinguido, sendo tal sentença incapaz de reintegrar a Recorrente no usufruto desse seu extinto exclusivo, uma vez que não é possível ao INPI nem aos tribunais prorrogarem o prazo de vigência da Patente pelo período em que a sua violação perdurar.
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A distinção entre as duas fases mencionadas na douta sentença recorrida, ou seja, a da AIM e a da comercialização, não faz qualquer sentido no quadro da questão em análise, se tivermos presente que a AIM, decisão central no procedimento administrativo tendente à comercialização de medicamentos, se destina exclusiva e necessariamente a viabilizar juridicamente a comercialização dos medicamentos, sendo a sua única – e legalmente proclamada – finalidade.
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A concessão de AIM, como ato licenciador dessa comercialização constitui causa adequada do dano decorrente da mesma comercialização, na medida em que a comercialização dos medicamentos destes autos é uma consequência necessária dos atos cuja suspensão se procura obter pela presente providência.
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Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causadora de um dano imaterial, consistente na ablação de uma parte do ativo integrador da sua esfera jurídica, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de decisão condenatória a proferir na ação principal, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.
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A recusa da concessão das medidas cautelares aqui pedidas com fundamento em que os danos da Recorrente podem ser compensados por uma indemnização pecuniária violaria o princípio da acessoriedade da indemnização em relação à constituição natural (artigo 566.º do CC) e violaria diretamente o princípio constitucional da tutela efetiva (artigo 20.º n.º 5 da Constituição).
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O critério aferidor da natureza das providências cautelares reside no conteúdo absoluto da medida que se pede seja ordenada pelo tribunal e não o da sua relação com o conteúdo da decisão a proferir pelo tribunal, pelo que tem natureza conservatória o pedido de abstenção de conduta formulado contra o Requerido MEE/DGAE.
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Todas as conclusões atrás expressas a propósito das AIMs se aplicam, mutatis mutandis, à fixação do preço de venda ao público dos medicamentos destes autos.
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Para o decretamento da decisão cautelar de intimação na abstenção da prática de atos administrativos, a alínea f) do n.° 1 do artigo 112.º do CPTA não exige que o procedimento administrativo respetivo esteja em curso, nem é isso que é exigido pelo espírito e...
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