Acórdão nº 09234/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução25 de Outubro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso da sentença do TAF de Almada que indeferiu o pedido cautelar formulado pela ora Recorrente para lhe ser paga «uma quantia a título de reparação provisória».

Em alegações são formuladas pela Recorrente as seguintes conclusões: «1. O que aconteceu à Requerente é muito grave e irreversível e, atentos os factos demonstrados, o Hospital é indiciariamente responsável pelas lesões físicas que esta apresenta e, nessa medida, deve iniciar a reparação sob a forma de renda, atendendo à carência económica da Requerente e ao seu estado físico actual de IPP 90% com dependência de terceira pessoa.

  1. A título prévio, deve ser revogado o despacho de fls que decidiu pela dispensa da junção dos originais da ficha anestésica e pré-anestésica e que é totalmente contraditório com o despacho anterior que ordenava a sua junção.

  2. Pois, em ambiente de conspiração do silêncio imposto pelo Hospital – veja-se a Requerente só teve acesso ao processo clínico após a audiência de julgamento, este ainda não juntou os originais pedidos, tal como ordenado.

  3. De resto, o Tribunal, não aplicou, como devia, a cominação prevista na lei para a falta de colaboração, cf. artº 519ºN° 2 CPC, atentos os sucessivos incumprimentos, sem qualquer explicação.

  4. Ou seja, não devia ter sido proferida sentença sem constar nos autos o original da ficha anestésica e pré-anestésica pois, não obstante o seu carácter eminentemente técnico, trata-se de documento fulcral para decidir, mesmo que indiciariamente em sede de providência, tudo o que diga respeito à indução anestésica posta em causa pela Requerente e que integra defesa por excepção das Requeridas.

  5. O Tribunal violou, assim, os princípios da descoberta da verdade material e cooperação com o tribunal, previstos nos artsº 519 do C.P.C. e 266º do C.PC. e em consequência das violação referida, não poderá ser obtida justa decisão da causa, o que implica violação ao art 650 N° 1 do C.P .C .. 1. A decisão, assim proferida, sem dois documentos essenciais, viola gravemente e de forma flagrante, o direito de igualdade das partes previsto no Artigo 3. ° -A. do C.P .C ..

  6. Pelos razões apontadas, deve ser revogado o despacho de fls prévio à Sentença e ordenada a junção aos autos do original dos documentos em causa, tal como inicialmente decidido pelo Juiz.

  7. Ao contrario do decidido, a actividade médico cirúrgica e de anestesia, pelos meios utilizados - fármacos perigosos para a vida, necessidade de controlo de aparelhos de monitorização do estado vital do doente (ritmo cardíaco, tensão arterial, oxigénio, etc) necessidade de actuação por manobras de reanimação, etc, é uma actividade perigosa que inclui risco para a vida do paciente.

  8. A Recorrente pretende a impugnação do julgamento da matéria de facto nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do nºl do artº 712º do Cód. Proc. Civil - Facto C - Devia constar também a crise compulsiva com síncope subsequente, cf. facto F e ficha de avaliação neurológica do Alcoitão fls. 32.

  9. No Facto AN Devia constar e não consta que no protocolo da visita pré operatória de enfermagem consta também que não foi feita visita pré anestésica, cfr. Doc. idem invocado no facto.

  10. No Facto AQ devia apenas constar o exacto teor da prescrição ínsita no doc. 12 fls. 180, e não que a Dr Manuela Brito efectuou a consulta de anestesia. Esse facto não se pode retirar do documento.

  11. O Facto AZ facto foi correctamente injulgado porque não consta ainda o original da ficha pré-anestésica nos autos e está ilegível. Aliás, a assinatura da Dr Manuela Brito Doc. 12 junto com a Contestação da Dr Nazaré não tem qualquer semelhança com a alegada assinatura da ficha pré-anestésica, o que coloca problemas de autenticidade do documento. Este facto devia ser eliminado e julgado apenas quando esteja nos autos os documentos em falta.

  12. Facto BA Este facto foi incorrectamente julgado pois, a cópia da ficha anestésica está ilegível e o Tribunal reconhece esse facto, por isso ordenou a sua junção - sem acesso ao original do documento, que não consta no processo conforme questão prévia supra, não se pode considerar que dosagens foram administradas pela Dr Nazaré.

  13. Facto R - Também devia constar, porque taz parte do mesmo documento Nota de Alta Doc. 8 fls. 28 e seguintes a história natural da doença: •. Doente sem antecedentes médicos relevantes, aparentemente bem até ao dia 12/0712010 quando sofre episódio de crises convulsivas, com síncope subsequente... TAc-CE que não revelou alterações. Por queixas pélvicas .... Durante a indução anestésica inicia quadro convulsivo pelo que no dia 4/08 é internada na uci.... No contexto de hipóxia cerebral. . .. lesões hipóxico- isquémicas." 15. Facto 5 - O resumo dado como provado é insuficiente pois, devia também constar, porque estabelece o nexo causal entre a indução anestésico e as lesões, a avaliação do Alcoitão, fls. 32: Episódio de crise convulsiva com síncope a 12/07/2010 que na sequência de cirurgia laparoscópica ginecológica programada a 28-07- 2010 teve como intercorrência anestésica quadro de convulsões que culminou em estado de mal epiléptico e hipoxia cerebral e Fls. 50: Após indução anestésica + cefoxitina a 28-07- 2010 ocorreu quadro convulsivo que culminou em estado de mal epiléptico e hipoxia cerebral. Internada com diagnóstico de encefalopatia cerebral 16. Após, deve ser dado como provada a matéria do artigo 21, 22 e 33 do r. i. , remetendo- se para o documento atrás transcrito, e que é demonstrativo de que a situação em que a Requerente se encontra foi originada e decorre da indução anestésico.

  14. Devia constar dos factos provados. o teor do documento nota de saída dos cuidados intensivos, fls. juntas após 23-05-2012: síndromes de admissão: Insuficiência respiratória pós anestesia, mal epiléptico. Resumo do internamento: Dos antecedentes pessoais de salientar história de síncope com recuperação rápida (crise convulsiva?) aproximadamente 1 semana antes do actual internamento .... Aquando da indução anestésica com propofol... aparentemente sem intercorrências. Foi entubada e conectada ao ventilador, quando ao final de 15 minutos iniciou quadro de hipotensão, broncoespasmo intenso, hipoxemia de difícil controlo face à terapêutica instituída com duração aproximada de 30-45 mino .. estado de mal convulsivo após hipoxia cerebral" Fls. Avaliação inicial descreva motivo de internamento: Doente foi internada na uer após quadro de paragem cardio-respiratória após a indução anestésica e conexão ao ventilador, da qual resultou quadro de encefalopatia anóxica.

  15. Devia ter sido dado como provada a matéria do art 17° do RI, na parte revelava-se indispensável a verificação de todo o processo clínico da doente, o que não foi feito pois, apesar do processo clínico registar crise convulsivo, esse antecedente pessoal não consta na ficha da avaliação da enfermagem e, de acordo com os documentos atrás invocados e transcritos. trata-se de antecedente pessoal digno de registo para o acto que ia ser praticado.

  16. Se considerarmos, aliás, a ficha pré-anestésico em cópia ilegível, consegue retirar-se que a alegada anestesista, que não é a Dr Nazaré, colocou "Não" nos antecedentes pessoais - ou seja, não consultou o processo clínico da doente e não registou a crise convulsivo.

  17. Sobre a crise convulsivo, remete-se para o manual merk in http://www.manualmerck.net/. onde decorre que se trata de situação importante e relevante para quem vai levar uma anestesia ou seja, era relevante para a saúde da Requerente a menção da crise convulsiva na avaliação pré anestésico.

  18. Deve, ainda, ser dado como provada a matéria do art 18º do RI pois. objectivamente, não foi a Dr Nazaré que fez a prescrição pré-anestésica nem consulta pré-anestésica. Aliás, a ser verdadeira a cópia da ficha anestésica, foi outra médica que fez essa consulta à Requerente.

  19. E, quanto ao facto bb. deve ser reformulado no sentido de se retirar o "podia" pois, leges artis não são a prática diária constatada no hospital Réu. que podem ser práticas negligentes e que não servem de exemplo.

  20. Mesmo para um leigo, as análises que serviram de base à Dr Nazaré e ao Cirurgião, com 2 meses de antecedência, não podem ser consideradas idóneas, até porque houve um episódio de urgência com data posterior que registou crise convulsiva.

  21. Por fim, e porque o Tribunal reconhece que é com grande esforço que é prestada a assistência à Requerente, apesar de todos trabalharem e estarem ocupados, deviam ser dados como provados os arts 71 e 72 com base nos documentos e factos já provados que, em virtude da necessidade de terceira pessoa, tem a requerente necessidade de contratar uma empregada, sob pena do marido da requerente e a mãe terem de deixar de trabalhar. Quanto à sogra, apesar de reformada, tem outra criança para vigiar.

  22. No caso dos autos, seriam mais dois portugueses que ingressariam no amplo grupo de desempregados, com as consequências óbvias para a sobrevivência deste agregado, agregado esse que não mereceu atenção especial por parte do Tribunal, apesar da gravidade do que se espelha nos autos.

  23. Acresce que, entende a Requerente que incumbia aos Requeridos provar que a ocorrência do broncoespasmo na sequência da indução anestésica não resultou de qualquer acto negligente por eles praticado. O Tribunal considerou que o brocoespasmo resulta muitas vezes da anestesia em plano superficial - facto AU, mas isso não chega para afastar a culpa dos Requeridos.

  24. Contrariamente ao decidido, a anestesia e actividade médico cirúrgica são actividades perigosas, pelo que, o Tribunal erra de forma clara na interpretação do art 11 o da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, o que ofende a generalidade da doutrina e da jurisprudência que propende para considerar que quando os médicos usam meios perigosos. designadamente aparelhos de ressonância magnética. de anestesia, de hemodiálise. incubadoras etc. é uma actividade perigosa.

  25. Ora no exercício de uma...

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