Acórdão nº 06217/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO A...

, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 06/01/2010 que, no âmbito da ação administrativa comum, instaurada contra o Estado português, o Tenente-General B...

, o Tenente-General C...

, o Major-General D...

e o Capitão E...

, julgou a ação improcedente, relativa ao pedido de condenação solidária dos réus ao pagamento da quantia de € 15.000,00, com juros de mora contados desde 02/01/2008, data da instauração do processo disciplinar, e ainda no pagamento de todas as taxas de justiça pagas pelo autor, nos honorários deste e nas despesas e custas de parte, a apurar em execução de sentença.

Formula o recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem (cfr. fls. 372 e segs. do processo físico): “I – O Comando da GNR, através de ordens concretizadas dos RR., vexou o A..

II – Tomou-o como cabo da GNR, quando agia perante a Instituição e os oficiais implicados na qualidade de advogado.

III – Advogado, até, de defesa de outro oficial superior.

IV – Ao tratarem este advogado como cabo da GNR, abrindo processo disciplinar contra ele, por motivo dos termos em que gizou a defesa disciplinar do oficial superior seu cliente, infringiram – a direito – o art.° 208.° CRP.

V – Este preceito é de aplicação imediata, conferindo aos advogados imunidade nos articulados, pois se trata de direito equiparado a direito fundamental, vistos os art.°s 17.°, 18.°/1 e 20.° CRP, ao consignar, este último, que os cidadãos acorrerão, pela liberdade constitucional, a defender os seus interesses legítimos legais, tal como era e é a faculdade do contraditório, de oposição no processo disciplinar, concedida ao cliente do A., coronel da GNR.

VI – Vincula as entidades públicas, também.

VII – Por conseguinte, no ato de ponderação da abertura de um processo disciplinar contra um ex militar da GNR, os RR. deveriam ter ponderado o efeito negativo da colisão de direitos que se estabelecia, em deficit para o direito disciplinar da GNR, entre este e o direito de imunidade do advogado que, entretanto, já não era cabo da GNR.

VIII – Não o fazendo, agiram com culpa grave, indicador bastante para fazerem incorrer ao Estado e a eles em responsabilidade extracontratual, com a finalidade de serem removidos os prejuízos decorrentes dos danos que provocaram.

IX – Danos estes morais (vide, a propósito, os art°s 15.° a 21.° da p.i.): vexame, melancolia, doença do espírito, descrença na própria Instituição que servira, como militar dedicado, tanto agora, como se afirma advogado livre e combativo.

X – Nesta perspetiva, nem sequer o A. teria de alegar o nexo causal entre o ato ilícito e o dano, porque o tribunal tem o dever de julgar por presunção judicial e pode retirar esse nexo causal da regra da experiência comum que nos diz ficar vexado, melancólico, doente do espírito e descrente da Instituição a que pertenceu, quem, ex militar, recebe uma ilegalidade de tamanha monta e em contrariedade direta da Constituição, por parte do Comando e do exercício da GNR, cuja divisa, desde a sua fundação, é: «Pela Lei e Pela Grei».

XI – Facto notório e sem necessidade de prova, portanto: os militares da Guarda orgulham-se, de observarem e cumprirem rigorosamente a legalidade constitucional e republicana.

XII – Por conseguinte, estão presentes todos os elementos que exigem o julgamento da causa, após Audiência de Discussão e Julgamento, na qual se conferirá a intensidade do prejuízo do A., para o parametrizar com a reparação devida.

XIII – Deverá ser julgado procedente o recurso, mas, caso Vossas Excelências entendam que os artigos do RDGNR prevalecem sobre o art.° 208.° CRP, então, esses artigos, nomeadamente, 68.°/2, 71.º, 84.° e 85.°, são inconstitucionais, alegação que, desde já, fica para prevenir o recurso para o Tribunal Constitucional.

XIV – Sublinha o recorrente, como nota final, que não pediu, ao contrário do que diz o saneador-sentença, nenhuma indemnização por prejuízo profissional.”.

Termina pedindo o provimento do recurso.

* O recorrido, Estado português, nas contra-alegações (cfr. fls. 393 e segs.), concluiu do seguinte modo: “1.º Perante o pedido formulado nos autos – indemnização com fundamento em facto ilícito, é aplicável, ao caso dos autos, a regra geral da responsabilidade civil tal qual é definida no D.L. n° 48 051, de 21 de novembro de 1967.

  1. A responsabilidade civil extra contratual do Estado e pessoas coletivas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, o dano, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto.

  2. Como bem entendeu a douta sentença recorrida, o ato de instauração de processo disciplinar a elemento que se encontra sujeito ao crivo disciplinar da instituição/GNR, não é ilícito e, não deriva que a abertura de tal procedimento tenha violado qualquer direito subjetivo ou interesse alheio por banda de qualquer dos Réus, juízo esse que se nos afigura correto.

  3. Perante o quadro demonstrado nos autos é de concluir, também, pela inexistência da culpa.

  4. Por último, no caso em análise, claudica, de igual forma, o pressuposto do nexo de causalidade, pois, os factos alegados pelo Impetrante, não permitem formular qualquer juízo com base na teoria da causalidade adequada, por faltarem elementos essenciais para a determinação do respetivo quantum e maxime não ser possível afirmar que, o Autor sofreu urna efetiva perda patrimonial.

  5. Assim, e pelo exposto, entendemos que bem andou a Mª Juiz ao absolver, entre outros, o R. Estado do pedido.

  6. Concluímos dizendo que não deve ser dado provimento ao presente recurso, urna vez que a sentença recorrida não cometeu qualquer erro de aplicação de direito, não nos merecendo qualquer reparo.”.

* Os recorridos, B..., C..., D... e E..., notificados apresentaram contra-alegações (cfr. fls. 404 e segs.), onde formularam as seguintes conclusões: “1ª – Na presente ação foi formulado um pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual emergente da prática de atos alegadamente ilícitos imputáveis aos aqui Recorridos, ao qual é aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de novembro de 1967, uma vez que a Lei n.° 67/2007 apenas entrou em vigor em 30 de janeiro de 2008.

  1. – A responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos tem os mesmos pressupostos da idêntica responsabilidade previstos na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos, o que quer dizer que a sua concretização depende da prática de um facto (ou da sua omissão), da ilicitude deste, da culpa do agente, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

  2. – Ora, como muito justamente se decidiu na douta Sentença impugnada, na situação dos autos não foi praticado qualquer facto ilícito, nem foi alegada nem se vislumbra onde resida a culpa dos autores dos atos alegados pelo Recorrente, sendo também inequívoco que não existe o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano, uma vez que os factos invocados nem sequer permitem concluir que o Recorrente sofreu qualquer efetiva perda patrimonial.

  3. – Assim, a decisão recorrida assentou numa correta interpretação e aplicação do Direito, pelo que deverá ser mantida.”.

Pedem que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.

* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

* Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quando negou procedência ao pedido de condenação ao pagamento de indemnização, fundada em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, do Estado e dos seus funcionários e agentes, por não verificados os seus pressupostos, pela instauração de processo disciplinar contra o autor, enquanto Advogado e no exercício das suas funções.

III.

FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1.

O A. é militar da Guarda Nacional Republicana (GNR), na situação de reforma, para a qual transitou em dezembro de 2002 (acordo; cfr. doc. de fls. 103).

  1. Com data de inscrição na Ordem dos Advogados em 13.12.2004 e cédula n.° 20337L. o A. A. exerce a profissão de Advogado (cf doc. de fls. 11).

  2. O A. foi defensor nomeado do Coronel da GNR Adérito Fernandes da Silva Correia no processo disciplinar que contra este corre n.° A-29/24/IG/l157, na Inspeção-Geral da GNR (acordo; cf doc. de fls. 12).

  3. O A. subscreveu em nome e em defesa do seu cliente Adérito Fernandes da Silva Correia vários requerimentos que foram apresentados naquele processo disciplinar (acordo; cf doc.s de fls. 13 a 45).

  4. Em 19.11.2007 o A. dirigiu ao Inspetor-Geral da GNR, enquanto advogado de Adérito Fernandes da Silva Correia, o requerimento constante de fls. 13 a 15, que aqui se dá por reproduzido, no qual invoca um incidente de suspeição do instrutor do processo disciplinar (acordo; cf doc. de fls. 13 a 15 e de fls. 16).

  5. Em 19.11.2007 o A. dirigiu ao Inspetor-Geral da GNR, enquanto advogado de Adérito Fernandes da Silva Correia, o requerimento constante de fls. 17 a 20, que aqui se dá por reproduzido (acordo; cf. doc. de fls. 17 a...

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