Acórdão nº 05118/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Setembro de 2012
Magistrado Responsável | TERESA DE SOUSA |
Data da Resolução | 20 de Setembro de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso do acórdão do TAC de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa especial intentada anulando a deliberação da então AACS, de 09.03.2005, que determinou ao Autor, aqui Recorrido a publicação do texto rectificativo da autoria dos contra-interessados.
Em alegações os Recorrentes, contra-interessados nos autos, formulam as seguintes conclusões: 1a O presente processo tem na sua origem a Deliberação de 9 de Março de 2005 da Alta Autoridade para a Comunicação Social -AACS (hoje Entidade Reguladora para a Comunicação Social - ERC) que determinou ao director do jornal diário "Público", aqui A.. a publicação de um texto rectificador (por exercício do direito de rectificação previsto na Lei de Imprensa), na sequência de uma queixa apresentada pelos contra-interessados - director (ao tempo) e jornalista do Diário de Notícias.
2a Tal deliberação da AACS - ERC foi agora anulada pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que entendeu que o texto rectificador violava os limites que lhe são fixados na Lei de Imprensa porquanto (i) continha partes sem relação directa e útil com a notícia que esteve na sua origem e (ii) continha expressões desproporcionadamente desprimorosas.
-
a Tal decisão não pode, porém, subsistir, pois enferma de manifesto erro na aplicação do Direito, impondo-se a sua revogação e substituição por uma outra que julgue improcedente a acção e mantenha a deliberação da AACS - ERC.
-
a Ao sustentar que não existe relação directa e útil entre o texto rectificador e o texto que o originou, o Tribunal a quo perfilha um entendimento demasiado restritivo e redutor, e por isso ilegal, do instituto do direito de rectificação tal como foi consagrado na Lei de Imprensa.
-
a O direito de rectificação visa não apenas a estrita correcção, mas também a clarificação dos factos, e o esclarecimento do contexto em que os mesmos se inserem.
6a É hoje ponto assente, tanto na Doutrina como na Jurisprudência, que existe direito de rectificação não apenas quanto a menções expressas, mas também de omissões, como sucede nos presentes autos em que foi omitido aos leitores do Público o preciso contexto em que a notícia publicada no jornal havia sido obtida.
-
a Os contra-interessados, aqui recorrentes, que estiveram na origem da tomada de posição pela Ordem dos Médicos, divulgada pelo Público com afrontosa omissão da sua intervenção, têm toda a legitimidade e direito a fazer publicar aquilo que na realidade se passou.
8a O texto rectificador possui assim manifesta relação directa e útil com o texto que o originou, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao anular, com este fundamento, a deliberação da AACS (ERC).
De resto, 9.a É também evidente que o texto rectificador não contém quaisquer menções desproporcionadamente desprimorosas.
-
a O texto rectificador limita-se a aludir e a descrever a conduta do jornal Público, reconhecido como censurável pelo próprio Tribunal a quo.
11 .a As referências e alusões á conduta do Público são rigorosamente verdadeiras.
Como tal, 12.a Nunca as mesmas podem em caso algum ser tidas como desprimorosas, e muito menos como desproporcionadas.
-
a Não existem quaisquer menções desproporcionadamente desprimorosas no texto rectificador pelo que também por aqui se impõe manter a deliberação que havia ordenado a respectiva publicação ao director do Público.
-
a Os Recorrentes possuem legitimidade para exercer o direito de rectificação e foram observados todos os requisitos impostos por lei - (i) relação directa e útil com o texto a rectificar, (ii) dimensão do texto e (iii) não conter expressões desproporcionadamente desprimorosas -, pelo que deve o seu texto ser publicado.
-
a O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de Direito, anulando a deliberação de 9 de Março de 2005 da AACS, porquanto violou, no acórdão, o disposto no n.° 2 do art. 24°, no n.° 4 do art 25°. e no art. 26°, todos da Lei de Imprensa (Lei n° 2/99, de 13 de Janeiro).
Em contra-alegações são formuladas as seguintes conclusões: I. A sentença sob recurso não merece qualquer censura, tendo feito uma correcta aplicação do direito aos factos.
-
Não obstante o tribunal a quo ter referido, de passagem, a existência de "menções desproporcionadamente desprimorosas" no texto rectificador, a verdade é que anulou a deliberação em causa por entender que "resulta do mesmo que este excede a relação directa e útil com o escrito publicado e que contém menções que nada têm a ver com as alegadas inverdades ou referências de facto erróneas III. Uma parte substancial da carta que os contra-interessados/recorrentes pretendem publicar ao abrigo do direito de rectificação não tem uma relação directa e útil com o texto publicado que lhe deu origem, pelo que não se encontra preenchido um dos pressupostos estabelecidos no artigo 25º, n.º 4 da Lei de Imprensa.
-
Em concreto, em parte substancial da carta os contra-interessados limitam-se a discorrer sobre os contactos entre a jornalista contra-interessada e o então Bastonário da Ordem dos Médicos, bem como sobre o comportamento deste e da jornalista do Público, do ponto de vista ético e profissional, em moldes que nenhuma relação mantém com o escrito que lhe deu origem.
-
Acresce que mesmo relativamente à utilização da palavra "parecer", nenhum direito de rectificação existe por parte dos contra-interessados.
-
O facto de o texto da Ordem dos Médicos que deu origem à notícia ter sido elaborado na sequência de questões colocadas pela jornalista contra-interessada, informação esta que foi publicada, não impede que o jornal Público lhe chamasse "parecer", facto que não originou nenhuma rectificação por parte da Ordem dos Médicos, autora do mesmo.
-
O direito de rectificação não pode ser entendido como um direito a "completar" uma notícia com informações que alguém entenda relevantes, mas que em nada visam corrigir um erro ou uma falsidade.
-
Nenhuma referência errónea ou inverídica existe na notícia em causa que justifique o exercício por parte dos contra-interessados do direito de rectificação.
-
Pelo que se deve manter a decisão de anulação da deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social de 09/03/2005 que determinou a publicação do texto rectificador dos contra-interessados.
O EMMP emitiu parecer a fls. 394 no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os Factos O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: A) A 15.12.2004 foi publicada, pelo jornal Público, uma notícia, assinada pela jornalista C..., com o título ''Parecer Ordem dos Médicos diz que aborto quase nunca se justifica por razões psíquicas" (facto admitido por acordo e fls. 22 dos autos); B) A referida notícia foi publicada numa "caixa" na primeira página do jornal, cujo teor foi o seguinte: «Para a Ordem dos Médicos, o aborto por razões psíquicas previsto na lei raramente é justificável. Na primeira vez que este órgão se pronuncia sobre a questão, considera correcta a aplicação da lei nos serviços públicos portugueses. Já a Espanha é acusada de optar por "uma prática negligente e abusiva" das disposições legais.»', C) Na página 27 do jornal foi publicada a notícia com o título "Ordem diz que aborto raramente se justifica por razões psíquicas", cujo teor se transcreve: «parecer oficial do colégio de psiquiatria - No ano passado apenas 37 dos 699 abortos legais realizados em Portugal foram justificados com doença mental da mãe. Não há nenhuma situação em que a gravidez seja causa directa e inequívoca "de lesão grave e duradoura para a saúde psíquica" - logo, o aborto por razões psíquicas previsto na lei portuguesa raramente se justifica. É este o conteúdo do primeiro parecer oficial produzido sobre o assunto pela Ordem dos Médicos (OM), que vai ser aprovado pelo conselho executivo deste órgão até ao final do mês. A lei portuguesa permite o aborto no caso de violação da mulher, malformação do feto e se "se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida", desde que seja feita nas primeiras 12 semanas de gestação, lê-se no artigo 142 do Código Penal. O que os dez médicos do colégio de especialidade de psiquiatria vêm fazer é clarificar a aplicação da lei quanto à questão da saúde psíquica, esclarece o bastonário, D..., que pediu o documento há dois meses. E o parecer, que foi suscitado por um questionário de uma jornalista do "Diário de Notícias", é claro: "Não se estabeleceu nenhuma relação causal, directa e inequívoca entre o estado de gravidez e qualquer grave e duradoura lesão para a saúde psíquica que permita fundamentar a interrupção da gravidez em critérios médicos absolutos", adianta ao PÚBLICO o bastonário. Ou seja, esclarece, não há nenhuma situação provada em que se possa estabelecer uma relação entre gravidez indesejada e mal psíquico, salvo "em situações isoladas que devem obedecer a um exame pericial caso a caso". O parecer não define qualquer doença ou forma de sofrimento que, por si só, se enquadre na definição prevista na lei, acrescenta D.... Clarificando o que se entende por "grave e duradoura lesão para a saúde psíquica", os médicos que redigem o documento excluem abortos por "ocorrências banais da vida" e "estados patológicos não graves, transitórios e/ou tratáveis", enuncia o bastonário. Refere-se, por exemplo, o caso da depressão, que, por ser tratável na maioria dos casos, não é considerado motivo lícito para um aborto nos termos da lei. Os psiquiatras consideram mesmo que não é a gravidez que é passível de causar danos psíquicos; a existirem, estes podem mesmo ser agravados pela própria interrupção da gravidez, explicita o bastonário, que afirma identificar-se com o parecer que é assinado pela presidente do colégio de psiquiatria, E.... "A interrupção voluntária da gravidez como forma de preservação da saúde...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO