Acórdão nº 08785/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelRUI PEREIRA
Data da Resolução13 de Setembro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A...

, com os sinais dos autos, intentou no TAC de Lisboa uma Acção Administrativa Especial contra o Secretário de Estado da Justiça, na qual peticionou a anulação do despacho de 2-10-2009, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão proferida em sede de processo disciplinar, datada de 29-11-2006, que lhe aplicou a multa de € 3.000,00 e a responsabilizou pelos prejuízos decorrentes do desaparecimento de bens no valor de € 150,00.

Por sentença datada 27-1-2012, a acção foi julgada improcedente [cfr. fls. 142/193 dos autos].

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “a) Ainda que o artigo 125º, nº 1 do Cód. Procedimento Administrativo admita a fundamentação por remissão, esta, para ser efectiva em termos de apropriação pelo acto de anteriores pareceres, informações ou propostas, tem de ser clara e directa, identificando os elementos de que se apropria, situação que não é notoriamente a do caso vertente, sendo o despacho impugnado omisso no que concerne com o que concorda, não contendo os elementos de facto e de direito que a sustentam, ferindo o acto impugnado de vício de forma por falta de fundamentação, atento o disposto nos artigos 124º e 125º, nº 2 do Cód. Procedimento Administrativo, e 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa; b) O autor do acto recorrido é materialmente incompetente para exercer a acção disciplinar relativamente a actos praticados enquanto notaria privada, tendo em atenção, desde logo, a ausência de subordinação jurídica, requisito essencial do exercício disciplinar, em atenção ao disposto no nº 1 do EDFAACRL, bem como os artigos 269º, nº 3 e 271º da Constituição da Republica Portuguesa, e ainda o artigo 5º do EDFAACRL quando este apenas legitima a apreciação de condutas praticadas no exercício de funções públicas e que com a entidade pública tenham um nexo funcional; c) Ao estabelecerem uma competência disciplinar concorrente ou cumulativa entre a Direcção Geral dos Registos e Notariado e a Ordem dos Notários, os artigos 3º, 53º, 57º, 60º e 62º do Estatuto do Notariado violam os artigos 269º, nº 3 e 271º da Constituição da Republica Portuguesa quando esta delimita aos casos de existir um nexo funcional público subjacente ao exercício da acção disciplinar, salvo se entendido que tal competência disciplinar não é cumulativa, estando delimitada a competência da mencionada Direcção-Geral, de forma estrita, aos casos previstos no artigo 61º do Estatuto do Notariado, os quais, no caso vertente, não são objecto de acusação, revelando-se a entidade que exerceu o poder disciplinar incompetente para o efeito, actuando em claro abuso de direito e usurpação de poderes; d) Os prazos previstos nos artigos 65º, nº 1 e 66º, nº 4 do EDFAACRL não são meramente ordenadores ou desprovidos de efeito cominatório em sede de prescrição e caducidade do exercício da acção disciplinar, sob pena de se gerar um entendimento violador do principio da igualdade, inserto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que os prazos de actuação do arguido tem efeito cominatório; e) Por aplicação dos princípios do contraditório e da defesa, inerentes ao processo disciplinar desde logo em atenção ao artigo 269º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, integra o conteúdo mínimo da acusação, previsto no artigo 59º, nº 4 do EDFAACRL a referência individualizada a cada artigo da mesma ou descrição de um facto das normas punitivas que a mesma chama à colação como legitimadoras do exercício do poder disciplinar, sob pena de ocorrer a nulidade plasmada no artigo 42º, nº 1 do EDFAACRL; f) A acusação subjacente ao processo disciplinar objecto dos presentes autos é genérica e não precisa, não identificando elementos de facto essenciais à reconstituição da motivação subjacente ao seu autor, apenas viabilizando uma defesa genérica, em igual comprimento de onda, o que constitui uma forma imprópria de intervenção processual, pelo que, mesmo ocorrendo resposta, a acusação teria de conferir os meios para uma pronúncia ilustrada e documentada, o que, no caso vertente, não ocorreu, ferindo a mesma da nulidade a que se refere o artigo 42º, nº 1 do EDFAACRL; g) Também a decisão disciplinar se revela carente de elementos fundamentadores mínimos, não anunciando os factos provados e não provados, os elementos probatórios inerentes à consideração de uma realidade diversa da invocada pela ora recorrente no âmbito do processo disciplinar ou os motivos subjacentes à determinação da medida da pena aplicada, violando o principio da participação e revelando-se viciada de forma por falta de fundamentação; h) A decisão impugnada viola o disposto nos artigos 2º e 3º, nº 1 do EDFAARCL ao alastrar para a esfera punitiva da ora recorrente actos decorrentes da actuação dos seus subordinados, sendo que, caso pretendesse fazê-lo enquanto dirigente de um serviço, sempre teria de discricionários actos de orientação, direcção e fiscalização que lhe competiam e que foram ignorados, algo que não faz; i) A sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais invocados nas presentes conclusões de recurso.

” [cfr. fls. 200/244 dos autos].

O Ministério da Justiça contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 256/265 dos autos].

Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 273/275 dos autos]. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade: i.

    A autora A... foi notária do 2º Cartório Notarial de Lisboa até ao dia 15 de Fevereiro de 2005, data em que aquele foi encerrado e transformado em cartório privado – acordo.

    ii.

    Em 15 de Fevereiro de 2005, a autora passou a exercer as suas funções como notária privada – acordo.

    iii.

    Na sequência do processo de transformação do 2º Cartório Notarial de Lisboa, foi instaurado processo de averiguações por despacho de 11 de Maio de 2005 – cfr. fls. 69 a 76 do processo instrutor apenso relativo ao processo disciplinar nº 31-NOT -2005/SAI.

    iv.

    Em 11 de Novembro de 2005, foi elaborado relatório organizado nos termos do nº 3 do artigo 88º do Estatuto Disciplinar – cfr. fls. 237 a 258 do processo instrutor apenso relativo ao processo disciplinar nº 31-NOT.2005/SAI.

    v.

    Por despacho de 14 de Novembro de 2005, foi instaurado o processo disciplinar nº 31-NOT.2005/SAI contra a ex-notária do extinto 2º Cartório Notarial de Lisboa e, à data, notária privada, A... – cfr. fls.260 do processo instrutor apenso relativo ao processo disciplinar nº 31-NOT. 2005/SAI.

    vi.

    Em 14 de Fevereiro de 2006, foi instaurado processo de averiguações destinado a apurar os factos relativos à não entrega, em virtude de não se encontrarem nas instalações do 2º Cartório Notarial de Lisboa, de duas impressoras HP1100 e um Ciberkit – cfr. fls. 1 do processo instrutor apenso relativo ao processo disciplinar nº 15-NOT.2006/SAI.

    vii.

    Em 19 de Julho de 2006, foi elaborado, no âmbito do processo de averiguações referido em vi., relatório organizado nos termos do nº 3 do artigo 88º do Estatuto Disciplinar – cfr. fls. 101 a 112 do processo instrutor apenso relativo ao processo disciplinar nº 15-NOT.2006/SAI.

    viii.

    Por despacho de 21 de Julho de 2006, foi instaurado o processo disciplinar nº 15-NOT.2006/SAI contra a ex-notária do extinto 2º Cartório Notarial de Lisboa e, à data, notária privada, A... – cfr. fls.114 do processo instrutor apenso relativo ao processo disciplinar nº 15-NOT.2006/SAI.

    ix.

    Em data não concretamente apurada, foi proferido despacho pelo instrutor C... a determinar a apensação do processo disciplinar nº 15-NOT.2006/SAI aos autos do processo disciplinar nº 31-NOT.2005/SAI – cfr. fls. 306 do processo instrutor apenso relativo ao processo disciplinar nº 31-NOT.2005/SAI.

    x.

    Em 1 de Setembro de 2006, foi elaborada nota de culpa no âmbito dos processos disciplinares identificados em ix., nos seguintes termos: “Processo disciplinar nº 31-NOT.2005/SAI Processo disciplinar nº 15-NOT.2006/SAI NOTA DE CULPA Nos termos do nº 2 do artigo 57º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração, aprovado pelo DL nº 24/84, de 16 de Janeiro, deduzo acusação contra a Senhora Notária. Lic. A..., devidamente identificada nos autos nos termos e com os seguintes fundamentos: 1º À data do encerramento do extinto 2º Cartório Notarial de Lisboa [15-2-2005] constatou-se que determinadas obrigações atinentes à actividade do Cartório que deveriam ter sido cumpridas, não o foram, e que a obrigação desse cumprimento competia à dirigente do serviço, no caso à arguida, enquanto notária pública e pelos meios logísticos e humanos que tinha ao seu dispor, dando-se, desde já, em falta as seguintes: a) O livro de registo de escrituras diversas que deveria estar lavrado pelo menos até ao final do mês de Janeiro de 2005 e que deveria ser concluído relativamente às escrituras lavradas no mês de Fevereiro de 2005 até à data do encerramento do Cartório [vide artigos 139º e 144º do CN], não estava escriturado para além do mês de Junho de 2004; b) O mapa da informação estatística e os respectivos boletins que relativamente ao mês de Janeiro de 2005, deveriam ter sido remetidos ao GPLP até ao dia 10 de Fevereiro [vide artigo 185º, nº 1 do CN], não o foram, tendo-se verificado que os últimos enviados diziam respeito ao mês de Dezembro de 2004; c) O envio da relação dos actos e contratos sujeitos a IMT ou dele isentos à DGI [vide artigo 186º, nº 1, alínea a) do CN], estava em falta pelo menos desde Novembro ou Dezembro de 2004; d) O envio das relações das procurações à DGI [vide artigo 186º, nº 1, alínea a) do CN] estava em falta desde Novembro de 2004, mês do...

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