Acórdão nº 00575/97 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelJosé Correia
Data da Resolução15 de Maio de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, no 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Central Administrativo Sul.

1 - RELATÓRIO Manuel ...

, identificado a fls. 2 dos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Chefe de Estado Maior da Armada de 15.07.1997, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, com suspensão do abono da pensão por um período de quatro anos.

O recorrente imputa ao despacho impugnado o vício de incompetência, vício de violação de forma e vários vícios de violação de lei " por devassar o disposto nos artigos 115º n.º 2 13º, 25º, nº2, 63º n.º1 e 4 da CRP. 243º n.º1 e 283 n.º2 al. d) do CPP, 42º n.º1, 61º 28º , 29º 30º , 32º e), 4º 17, n.º 4 do ED, sem embargo da aplicação indevida dos artº 271º , n.º2 da CRP e artº 26, n.º4 als. D) e f) do ED)".

Na resposta o Chefe de Estado Maior da Armada, sustenta que nenhum dos vícios imputados ao acto recorrido se verifica (cfr. fls. 42 a 92 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) Cumprido que foi o preceituado no artigo 67º do RSTA, o recorrente veio apresentar as suas alegações (cfr. fls. 206/209 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), tendo concluído nos seguintes termos:.

"1ª - Em primeiro lugar cumpre alegar que o "Regulamento do FASA" (Fundo de Acção Social do Arsenal) não foi constituído sobre qualquer suporte legal. É ab initio, um esquema gizado à margem da lei e da própria Constituição de República Portuguesa (art. 115º/2), pois inexiste qualquer lei que habilitasse o órgão administrativo em referência a realizar o aludido regulamento.

  1. - O chamado Fundo de Acção Social era um fundo monetário secreto, criado e gerido à margem da Lei, designadamente do artº 108º/3 da C.R.P. e artºs 2 e segs. da Lei 40/83 de 13-12.

  2. - O processo de feitura deste "regulamento" não respeitou as normas previstas nos artºs 116º a 118º do CPA, o que o inquina de nulidade superveniente (artº 133º/2, f) do mesmo diploma), que se suscita para todos os legais efeitos.

  3. - Não se poderá dizer, em sentido técnico-jurídico, que o não cumprimento do "Regulamento do FASA" traduz o incumprimento dum Regulamento.

  4. - O processo disciplinar levantado ao ora Recorrente é ilegal, uma vez que está a aplicar uma pena prevista no DL 24/84, por intermédio de analogia, a um não funcionário ou agente da administração central, regional e local, o que viola o disposto no artº 1 do citado diploma, que define o seu âmbito de aplicação, bem como o artº 29º/4 da C.R.P.

  5. - No processo disciplinar, à semelhança do procedimento criminal, não há lugar a analogia, mas à tipicidade. Deste modo, só os funcionários e agentes da administração central, regional ou local é que estão sujeitos ao procedimento disciplinar nos termos em que este é definido no DL 24/84 (Cfrª, artº 5º deste diploma). Assim, viola a lei, a subsunção a este diploma duma situação fáctica para a qual este não foi pensado.

  6. - Recorrente desempenhava funções simples, v.g., entregava e recepcionava documentos, materiais e até ferramentas inerentes ao sector da acção social; executava tarefas de simples apoio de carácter administrativo nos serviços e oficinas; auxiliava os seus superiores hierárquicos no desempenho de tarefas; efectuava arrumações; regava plantas; fazia recados, entre outras funções superiormente definidas.

  7. - O Recorrente desconhecia, sem culpa, o "Regulamento do FASA". O facto de ter laborado cinco anos como auxiliar de serviço no S.E.A.S. não quer dizer que as suas funções fossem exclusiva ou predominantemente relacionadas com o FASA, de modo a que este conhecesse o funcionamento do regulamento desse fundo.

    O referido regulamento não constava das estantes do serviço onde se encontravam pastas e livros usual e diariamente manuseados.

    O recorrente laborava em instalações diversas do FASA, que eram fisicamente distintas, separadas com paredes altas.

  8. - O Recorrente era mandado, pelos seus superiores hierárquicos, retius, pela Maria Manuela Correia, para ir á tesouraria receber empréstimos e assinar a rogo. Não actuava, nunca, por iniciativa própria.

  9. - As assinaturas a rogo nos empréstimos constituíam prática corrente no SEAS, incluindo nos serviços de contabilidade.

  10. - O recorrente não introduziu quaisquer verbas levantadas da contabilidade no seu património pessoal. Não enriqueceu com as mesmas. Não ocorreu, no sentido técnico do termo, qualquer apropriação ilegítima ou inversão do título da posse.

  11. - O Recorrente pagou integralmente todos os empréstimos que peticionou ao FASA.

  12. - O Recorrente, atendendo á sua condição de subalterno na base da pirâmide hierárquica, sujeito ao normal temor reverencial junto dos seus superiores hierárquicos, não tinha a consciência da ilicitude deste procedimento de assinaturas a rogo, nem o dever de se insurgir contra tal prática, pelo que, não é razoável exigir a reclamação prévia prevista no artº 271/2º da C.R.P..

  13. - As acusações de apropriação ilegítima são omissas no que toca ás datas, pelo que se trata duma acusação genérica (não suficientemente individualizada), violadora do artº 243º/1, al. b) do CPP, que determina a nulidade da mesma, segundo o artº 283º/2, al. b), do mesmo diploma, e artº 42º/1 do E.D.

    Ainda se dirá que o CEMA indica apenas os artºs do ED alegadamente violados, mas não concretiza, nem explica, a subsunção dos mesmos aos factos descritos, o que traduz, ao fim e ao cabo, uma acusação genérica, logo, ilícita.

  14. - Não era ao recorrente, mas sim ao SEAS, aliás, como é referido no ponto 11, a fls. 528, que competia fiscalizar as contas, e saber quanto deveria pagar ao recorrente aquando da sua saída para aposentação.

  15. - Muitos outros trabalhadores foram objecto de restituições indevidas, como denuncia o próprio relatório de verificação de contas do FASA, e não conheceram qualquer processo disciplinar.

  16. - As quantias devidas pelo recorrente eram de valor reduzido, pelo que, não e fácil tomar consciência dessas oscilações numa conta corrente.

  17. - O Recorrente nunca teve na vida qualquer processo disciplinar, nunca respondeu ou esteve preso. É um cidadão honesto, que vive, conjuntamente com a sua mulher e filha, no dia a dia, do seu trabalho. Regista um estilo de vida simples.

  18. - Ainda que o recorrente não tivesse pago, seria clamorosamente injusto e desproporcional (Cfrª artº 11º do ED) condenar o recorrente numa pena que se cifraria em cerca de esc. 4.800.000$00 (4 anos sem receber pensão), em virtude de um não cumprimento de esc. 290.000$00! 20ª - Foram ignorados pela autoridade que aplicou a sanção disciplinar, todas as circunstâncias atenuantes, o que viola o disposto nos artºs 28º a 30º do E.D., caso este estatuto se aplicasse.

  19. - Ainda que se entendesse ocorrer violação do dever de zelo, o que só por hipótese se admite, teria sempre aplicação, in casu, o artº 32/e) do Estatuto, pois o arguido agiu em cumprimento de ordens que, a ele e a qualquer auxiliar média, naquelas circunstâncias, pareceriam certas.

  20. - As faltas alegadamente cometidas, acima referidas, ocorreram em 1992. Sendo que, o processo disciplinar começou em 15.03.96.

    Ora, é bom de ver que, á luz do artº 4º do Estatuto, e considerando a inexistência de qualquer crime (nem despacho de acusação sequer), se encontra prescrito o procedimento disciplinar, pois já decorreram mais de três anos sobre a prática dos eventuais factos ilícitos.

  21. - O único ilícito apontado e o da falta de zelo, traduzida, grosso modo, nos levantamentos a rogo e na não reclamação das quantias mencionadas a fls. 523 e 524. Todavia, ao Recorrente, naquelas circunstâncias, não era exigível outra conduta diferente da apontada, pelo que, o mesmo não actuou com culpa.

  22. - Sem conceder, ainda que tais factos revelassem falta de zelo, a pena a aplicar nunca poderia ser a de demissão (pena máxima da escala, que para o Recorrente, que é aposentado, implica estar quatro anos carecido de prestação de reforma) porque seria manifestamente desproporcionada, o que viola o disposto no artº 11º do E.D.

  23. - O artº 15/3 do E.D. viola o artº 63º/1 e 63º/4 da C.R.P., inconstitucionalidade que desde já se suscita para todos os efeitos, uma vez que colide com o direito à Segurança Social dos cidadãos na invalidez, velhice e doença.

  24. - O artº 824º/1, al. b) do C.P.C. proíbe, por motivos de humanidade (Cfrª, Ac. STJ, de 28.05.91, AJ, 19º-13), a penhora de dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação.

    O artº 15º/3 do E.D., ao retirar ao aposentado, durante 4 anos, o seu único meio de sustento, situação que se verifica in casu, revela-se numa pena desumana, pelo que contraria o artº 25º/2 da C.R.P., in fine, na medida em que não deixa sequer ao arguido um rendimento mínimo para fazer face às despesas normais de sobrevivência e encargos normais da vida familiar.

  25. - A garantia de defesa do arguido obriga à sua audiência após diligências complementares de prova posteriores à apresentação da sua defesa para apuramento dos factos relevantes.

    O instrutor do processo não pode dispensar essa formalidade com o argumento de que a acusação anteriormente deduzida se matem inalterável. A falta de audiência do arguido nesse caso, não só relativamente a factos novos, que também aqui se verifica, inquina o acto recorrido do vício de forma determinante da sua anulação (Cfrª, designadamente, o Ac. STA, de 83.11.03, Ac. Dout., 267/295).

  26. - A autoridade Recorrida não cumpriu o disposto no artº 61º do E.D., pois o mandatário do recorrente não foi notificado para estar presente na inquirição das testemunhas por si arroladas na defesa, o que integra nulidade insuprível, nos termos do nº 1 artº 42º do ED (Ac. do STA, de 94-11-22, proc. nº 31.532).

    Termos em que, com o mui douto suprimento de Vªs. Exªas deve ser dado provimento ao recurso, anulando-se o acto administrativo em referência." A entidade Recorrida contra-alegou formulando as seguintes conclusões: "1ª O Recorrente carece de razão na totalidade das suas doutas alegações; 2ª Assim, o Regulamento é uma instrução...

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