Acórdão nº 03561/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução08 de Maio de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Maria ..., com os sinais nãos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. O Dec.Lei nº 84/99, de 19 de Março é o diploma que assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da função pública e regula o seu exercício, tendo como normas superiores, a que deve obediência, a norma constitucional e as convenções internacionais, regularmente ratificadas pelo Estado Português - artigo 8.° nº 2 da C.R.P., e os próprios actos de auto vinculação dos seus órgãos (ver AC. do STA, 25/09/90).

  1. Ao comparecerem nessas reuniões de carácter excepcional convocadas pelas Associações Sindicais, os trabalhadores da Administração Pública estão a fazê-lo no exercício do direito de participarem em decisões da respectiva Associação Sindical, direito esse que lhes é reconhecido pelos artigos 4.°, nº l, 5°, nº l, do D. Lei 84/99 e pelo art. 55°, nº 2, d) da Constituição.

  2. O art.°18.°da CRP consagra que os preceitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas e que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artºs 9°, b) e 55° da CRP).

  3. Para o exercício da defesa e promoção da defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores da Administração Pública, o artigo 29º nº l do DL 84/99 de 19 de Março consagra a possibilidade de realização de reuniões sindicais com carácter excepcional, dentro do horário normal de funcionamento dos serviços, sem contudo as restringir, impor ou limitar à condição local de realização": 5. O exercício das actividades lectivas não pode ser integrado no conceito de "serviços urgentes", na exacta medida em que, se tal se verificasse, os docentes ficariam totalmente limitados no exercício do direito legítimo de estarem presentes nas reuniões sindicais, o que seria claramente atentatório dos direitos, liberdades e garantias dos mesmos, consubstanciando uma flagrante violação da Constituição e da lei sindical.

  4. De igual forma não é imperativo que as reuniões sindicais se realizem exclusivamente nas instalações dos serviços, porquanto, se assim fosse, tal significaria que os docentes (colocados em estabelecimentos de ensino ou de educação situados a dezenas de quilómetros da sede do Agrupamento ou quando nesse estabelecimento só está colocado um docente) veriam postergado o seu direito de intervenção (activa ou passiva) em quaisquer actividades de carácter sindical, exactamente pela impossibilidade objectiva e operacional de concretização de reuniões em estabelecimentos de ensino com um só docente...

  5. A lei estipulou diferentes exigências no que se reporta ao funcionamento dos serviços durante a concretização de reuniões de âmbito sindical: É necessário assegurar o "normal funcionamento dos serviços", quando se trata da realização de reuniões nos locais de trabalho, nos termos expressamente consagrados no art. 28° do D. Lei nº 84/99, enquanto que, nas reuniões de carácter excepcional previstas no art. 29°, atenta essa sua natureza, apenas têm de ser assegurados os serviços de natureza urgente (vide art. 31° do diploma).

  6. A regulação especial da actividade sindical nos serviços pelo D. Lei nº 84/99 não exclui a possibilidade de a mesma poder ser exercida fora das respectivas instalações mesmo que durante as horas de serviço, até porque os interesses que se visam acautelar através dos limites impostos ao referido exercício (cfr. artº 27º, nº 2 e artº 31º do mesmo diploma legal) não ficam, nessas circunstâncias, menos protegidos.

  7. À luz do artº 9º do Código Civil, não é consentida a interpretação no sentido de que o artº 29º também se refere às reuniões a efectuar apenas nos locais de trabalho, durante as horas de serviço, proibindo a sua realização fora desses serviços, tanto mais que estamos no domínio da liberdade sindical e uma interpretação restritiva dessa natureza pretenderia consagrar, por via de mero acto da Administração, uma limitação que a lei não contém.

  8. De igual forma não colhe a interpretação vertida na sentença no sentido de que, ao abrigo do disposto no referido artº 29º do citado diploma legal, um docente que decida participar numa reunião que se concretiza durante as horas de serviço, faltará ao serviço e daí resultará a injustificação dessa falta.

  9. O acto posto em crise, consubstanciados na injustificação das faltas dadas pelas docentes, ora recorrentes, para comparência nessa reunião, restringem, sem fundamento, matéria relativa a direitos, liberdades e garantias, inseridos na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República e viola desta forma o princípio da prevalência hierárquica das normas consagrado no art° 112º da CRP.

  10. Ao abrigo do disposto no artº 36º do D. Lei nº 84/99, mantêm-se em vigor, na parte que não colida com este diploma legal, todas as disposições anteriores de natureza não legislativa, aqui se incluindo o Despacho do Ministro da Educação nº 68/M/82, de 22 de Março e o Despacho nº 15/MEC/86, de 3 de Fevereiro, de 15 de Fevereiro: Deste modo, aquilo que no domínio da vigência do Despacho 68/M/82 traduzia um acto de auto vinculação do Ministério da Educação e que este estava obrigado a cumprir, passou a estar consagrado por força do mencionado art. 36º do D.L. 84/99.

  11. Nos termos do Despacho nº 15/MEC/86, o conceito de local de trabalho, para o exercício da actividade sindical por parte do pessoal docente, encontra-se definido como sendo o das instalações escolares ou outros locais considerados apropriados pelas associações sindicais.

  12. A não apreciação por parte do julgador, em termos minimamente fundamentados, relativamente a matéria inserida em sede de alegações, designadamente a referente à não aplicação das Convenções 87 e 151 da OIT, viola o dever de analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que se elegeram como decisivos para a convicção do julgador, assim inquinando de manifesto vício de forma a sentença prolatada, o que a torna anulável.

  13. Dispõe o artigo 3º da Convenção nº 87 da OIT, que as organizações de trabalhadores têm o direito de organizar a sua gestão e actividade, devendo as autoridades públicas abster-se de limitar esse direito ou de entravar o seu exercício legal, estabelecendo-se no artigo 8º nº 2, da mesma convenção que a legislação nacional não deverá prejudicar nem ser aplicada de modo a prejudicar as garantias previstas pela presente convenção. De acordo com o artigo 7º da Convenção nº 151 também da OIT, os trabalhadores e seus representantes têm o direito de participar na fixação das respectivas condições de trabalho.

  14. Na exacta medida em que os docentes que, por sua vez, legitimam a actuação do seu Sindicato, deixam de comparecer às reuniões que promovem a discussão e defesa dos seus interesses, pois incorrerão em faltas injustificadas, é inequívoco que a sua não comparência provocará a destruição da sua unidade para defesa dos seus interesses, garantida no artigo 55º nº l da CRP.

  15. O acto administrativo consubstanciado na injustificação da falta dada pela docente, ora recorrente, para participar em reunião sindical no dia 19 de Janeiro de 2007 é, pois, nulo por violação de lei expressa (art.s 4º, nºs l e 2, art. 5º, nº l, 27º, nº 2, 29º, 31º e 36° do DL 84/99, de 19 de Março, Despacho nº 68/M/82, de 22 de Março, (DR II Série nº 77, de 02/04), Despacho do Ministro da Educação, nº 15/MEC/86, de 3 de Fevereiro (DR, II Série, nº 38, de 15 de Fevereiro), art. 9° do Código Civil, art. 3° e 8°, nº 2 da Convenção nº 87 da OIT, art. 7° da Convenção nº 151 da OIT, aplicáveis por força do art. 8° da Constituição, estando também ferido de inconstitucionalidade, por violação dos artºs 9º, b), 18º, 55º, nº 2, c) e 112º da Constituição Portuguesa.

    Nestes termos e nos que doutamente se suprira, deve o presente recurso jurisdicional merecer provimento e, em consequência, com fundamento nos vícios de que o mesmo está inquinado, deve anular-se o acto administrativo proferido pelo Ministério da Educação, ora recorrido, substituindo-o por outro que, considere a falta dada ao serviço pele docente, ora recorrente, no dia 19 de Janeiro de 2007, para participação na reunião de âmbito sindical realizada em Leiria e, portanto, fora das instalações dos serviços, como falta justificada para todos os efeitos legais, designadamente, para efeitos de contagem de tempo de serviço e para efeitos remuneratórios.

    * O Recorrido contra alegou, concluindo como segue: 1. Dos autos resulta que a Demandante solicitou a justificação da falta ao abrigo do P/Lei n° 84/99 pelo que as invocações que se façam de todas e quaisquer outras normas legais e/ou diplomas legislativos nacionais ou supra nacionais, não têm qualquer pertinência para o desfecho dos presentes autos, porquanto, o cerne da questão reside, apenas e exclusivamente, em saber se a injustificação ao abrigo da alegada do D/Lei n° 84/99 ou não correctamente injustificada e nada mais.

  16. O Ac. do TAC Norte Proc. 00453/05.OBEPRT 1a Sec.Cont. Adm.de 13/06/2005, relativamente à actividade sindical dos Docentes, ao aludir ao art° 29° do D/L 84/99 refere: « ... Esta norma encontra-se inserida na Secção IV respeitante à Actividade sindical nos serviços havendo por isso que ser analisada em conjunto com as restantes normas. Assim com interesse dispõe o DL n.° 84/99 na referida secção: Artigo 27.° (...) Artigo 28.° (...) Artigo 29.° (...) Artigo 30.° (...) Artigo 31° (...). Da análise dos normas acabadas de referir infere-se que há dois tipos de reuniões, as reuniões fora dos horas de serviços o realizar nos locais de trabalho e ainda as reuniões durante as horas de servico a realizar nos mesmos locais... » ( sublinhado nosso ), 3. Tendo em consideração o preceituado no art° 9° do C.C., n° l, não...

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