Acórdão nº 01297/05 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelJosé Correia
Data da Resolução30 de Abril de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo (2º Juízo-1.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo: 1 - RELATÓRIO José ..., devidamente id. a fls. 2, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 20.09.2005, que julgou improcedente a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, que havia instaurado contra o Estado Português, absolvendo este do pedido.

Formula, nas respectivas alegações as seguintes conclusões: "1.

As angústias, as perturbações nervosas, as insónias, as ansiedades, sofridas pelo Autor são efeito directo do atraso anormal sofrido no andamento do processo, como bem o atestam os factos dados por provados, pelo que têm perfeito cabimento na previsão do artigo 563° do Código Civil e, 2.

Não são simples incómodos ou contrariedades que o Autor sofreu, essas sim não merecedoras de tutela legal, também não são danos extraordinários que vão para além da causa, mas são sem dúvida danos não patrimoniais, que não apenas morais, que são efeito directo da forma anormal como decorreu o processo e não apenas pelo resultado da causa, como erradamente interpreta e expressa a douta sentença ora recorrida.

  1. Por isso tem o Autor direito a ser ressarcido com uma "compensação" por aqueles danos sofridos e que, por tudo o que se encontra provado no processo, são merecedores de tutela legal, ex vi artigo 562° do C. Civil, sendo que a medida dessa compensação cabe ao julgador decidir, tendo por base um critério objectivo, sendo certo que neste caso em concreto não foram influenciados por nenhuma "sensibilidade exacerbada ou requintada", mas antes por uma dor física e moral de quem sentindo-se injustiçado vê o tempo decorrer, vê morrer a sua principal testemunha, tem o desgaste de convencer as suas dez testemunhas a não faltarem às múltiplas datas de julgamento e ver estes não acontecerem. A desilusão com o desfecho só veio no fim e não durante o decurso do processo; essa só agravou aqueles danos, que já existiam antes.

Conclui no sentido de que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a decisão judicial recorrida, decretando-se a "indemnização que em termos de equidade compense os danos sofridos pelo Autor, ora Recorrente".

O Ministério Público contra - alegou concluindo como segue: "I. A simples inobservância de prazos processuais não consubstancia a prática de um facto ilícito e culposo - Ac. do STA de 07/03/89, in AD n° 344-345, pp. 1035 e segs. e, mais recentemente, o Ac. do STA de 17/03/05, P. 230/03 (www.dgsi.pt; também, Gomes Canotilho, em comentário ao primeiro dos citados arestos - RLJ, Ano 123.°, n.° 3799, pp. 306 e 307; II.

Não há, verdadeiramente, um direito subjectivo ao cumprimento dos prazos processuais. O que existe é um direito subjectivo público, de base constitucional, à via judiciária para defesa de direitos e interesses legítimos e à tutela jurisdicional efectiva em prazo razoável, radicado nos art./s 20.° da CRP e 6.° da CEDH; III.

Os critérios gerais definidos pelo TEDH para determinação do prazo razoável - natureza e complexidade do processo, comportamento do requerente e comportamento dos órgãos do poderes judicial, executivo ou legislativo - têm de ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual, ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo, desde a propositura da acção até à notificação da decisão definitivo, nomeadamente nas instâncias de recurso - cf. casos Erkner e Hofauer contra Áustria e Lechner e Hess contra a Áustria, Documentação é Direito Comparado, BMJ, 1988, n.° 35/36, pp. 59-60 e 63-64, citados por João Aveiro Pereira, A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, 2001, p. 201; IV.

Resulta da matéria de facto dada que o processo a que respeita o imputado atraso decorreu, no geral, sem dilações, excepto no período compreendido entre 21/9/94, data em que deveria ter-se iniciado a audiência de discussão e julgamento, e 4/2/97, data em que foi efectivamente iniciada; V.

Tal lapso de tempo - dois anos e meio - teve, obviamente, reflexo no retardamento do tempo de prolação da decisão proferida em 1.a instância e, por arrastamento, no tempo de prolação da decisão final proferida, por via dos recursos interpostos pelo Autor, pelo Supremo Tribunal de Justiça; VI.

A apontada dilação apenas em parte é motivada por causas imputáveis ao Estado (como, o impedimento pontual do tribunal e do juiz substituto; a falha pontual da secção de processos na notificação de testemunhas; a sobrecarga de agenda do tribunal). Para a sua verificação concorreram, a par daqueles, adiamentos não directamente imputáveis a deficiente funcionamento da justiça, como a falta de comparência de testemunhas do Autor e a falta de comparência dos juízes sociais; VII.

Se atendermos ao nível de controvérsia protagonizada pelas partes em torno da definição da respectiva situação jurídica e ao Standard médio de duração de processos em que são esgotados os recursos ordinários, mesmo considerando os supra referidos critérios interpretativos definidos pelo TEDH, é patente que, no caso concreto, a duração de sete anos e meio, entre a data de proposição da acção e a data do trânsito em julgado do acórdão do STJ que lhe pôs termo, não foi irrazoável; VIII.

De todo o modo, mesmo a admitir-se que houve incumprimento injustificado pelo Estado da obrigação que sobre ele impende de garantir o direito fundamental de acesso à via judiciária e à tutela jurisdicional efectiva - no segmento do direito a um processo judicial que ponha termo, em prazo razoável, à situação de incerteza jurídica de uma pessoa -, a verdade é que tal violação não constituiu fonte autónoma de danos; IX.

No caso concreto, mesmo a admitir-se ter existido violação do direito à tutela jurisdicional em prazo razoável, a verdade é que a mesma não foi idónea a produzir quaisquer danos, mormente danos não patrimoniais; X. Não foram, designadamente, os adiamentos da audiência de discussão e julgamento (ou o eventual atraso na prolação de decisão final), a causa real das angústias, perturbações nervosas, insónias e ansiedades sofridas pelo Autor durante o processo. Pelo contrário, é patente que esses estados psicológicos e emocionais tiveram causa directa na incerteza experimentada pelo Autor relativamente àquele que poderia ser o desfecho da acção, face à forma como a Ré estruturou a sua defesa na acção, em particular, em razão do pedido reconvencional deduzido; XI.

Não se mostra, de todo o modo, preenchido o requisito de gravidade que tornaria tais danos indemnizáveis à luz do art. 496.°, n.° 1 do CC, desde logo porque, como bem refere o M° juiz a quo, não logrou o Autor concretizar, «quer as angústias e as perturbações que sofreu, à data dos factos, quer a repercussão das mesmas na sua vida do dia-a-dia»; XII.

Vem agora o Recorrente, em sede de alegações de recurso, explicitar que tais danos se traduziram na «dor física e moral» de quem, «sentindo-se injustiçado, vê o tempo decorrer, vê morrer a sua principal testemunha, tem o desgaste de convencer as suas dez testemunhas a não faltarem às múltiplas datas de julgamento e ver estes não acontecerem» (conclusão 3. das suas alegações); XIII.

Ora, mesmo que fosse admissível a concretização dos danos não patrimoniais nesta fase processual (e não o é, como resulta do art. 273.° do CPC), ainda assim não seriam tais danos indemnizáveis, por se incluírem na categoria dos simples incómodos, contrariedades e preocupações que a doutrina e a jurisprudência têm, repetidamente, afirmado não se integrarem na previsão do art. 496.°, n.° 1 do CC; XIV.

Mesmo a dor moral, de que fala o Recorrente, se avaliada segundo padrões objectivos, e tendo em conta as circunstâncias do caso (neste sentido, entre muitos outros, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, em anotação ao artigo 496.° e Ac. STA de 18/02/05, P. 01703/02, in www.dgsi.pt).

não passaria o crivo de exigência de gravidade imposto pelo mencionado preceito legal; Termina concluindo que "deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de absolver o R. do pedido, com fundamento na não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, o facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano".

Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.

*2- DA FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Dos Factos A sentença recorrida fixou, com base nos documentos dos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência, a seguinte matéria de facto: "A.

Em 17.11.1992, o A. apresentou contra a firma «MOCAR, S.A.», acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, pedindo a condenação da R. no pagamento de créditos laborais, emergentes da rescisão por iniciativa do trabalhador, com fundamento em justa causa, do contrato de trabalho que mantinha com aquela, como vendedor de automóveis, na quantia de 84.289.613$00, sendo 62.330.332$00 de «capital em dívida» e 21.959.281$00 de «juros» - cfr.

doc. de fls. 2 a 17 do 1.° Vol. do P. 278/92 apenso.

B.

Na p.i., foram formulados os pedidos seguintes: «(...) na data da cessação do contrato de trabalho - 22 de Novembro de 1991 - os créditos do A. sobre a R. ascendiam a 45.040903.$00, acrescidos dos respectivos juros de montante não inferior a 12.737.807$00. // Em 21 de Novembro de 1991, o A. rescindiu com justa causa o contrato de trabalho com a R., invocado para o efeito os factos, circunstâncias e comportamentos constantes da carta que se junta e se dá por integralmente reproduzida (Doc. 2). (...)// Por força da cessação do contrato por iniciativa do A. com invocação de justa causa, tem este direito a uma indemnização correspondente a um mês de remuneração por cada ano de antiguidade (arts. 13.°, n.° 3, e 36.° do Decreto-Lei n.° 64-A/89). // Assim tem o A. direito a uma indemnização não inferior a 14.738.529$00. // Tem ainda direito às partes proporcionais das férias pelo trabalho prestado...

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