Acórdão nº 08736/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução10 de Maio de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO A Ordem …………, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 13/01/2012 que, no âmbito da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, movida por Ana ………………, julgou a intimação procedente, intimando a Ordem dos Advogados Portugueses a admitir a inscrição da requerente como advogada, ao abrigo do regime constante do artº 192º, nº 2, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 100 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “

  1. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por má interpretação e aplicação da norma do artigo 109º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; B) Com efeito, sendo a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias um processo especial, reservado para os casos em que se mostre imprescindível a célere emissão de uma decisão de mérito, no caso dos autos não se verificam os respetivos pressupostos; C) Na realidade, não é impossível nem insuficiente, nas circunstâncias concretas, o decretamento provisório de uma providência cautelar antecipatória que viabilizasse a inscrição imediata da Recorrida na Ordem dos Advogados; D) Consequentemente, não se verifica a indispensabilidade da intimação para assegurar o exercício, em tempo útil, da atividade profissional de advogado; E) E não se pretenda que o exercício da advocacia não se compagina com o decretamento provisório de uma providência cautelar da apontada espécie, porquanto tal decretamento investiria, sustentadamente a Recorrida na plenitude dos direitos dos advogados, F) sem que a validade dos atos por si praticados pudesse ser posta em causa por um hipotético decaimento seu na ação principal, ao invés daquilo que o Tribunal a quo entendeu; G) Mas a douta sentença recorrida fez também má aplicação da norma do artigo 192º, nº 1, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados; H) O referido preceito legal contém uma norma especial, que permite aos doutores em Ciências Jurídicas, com efetivo exercício da docência, bem como aos antigos magistrados que possuam boa classificação de serviço e exercício profissional por período igual ou superior ao do estágio da advocacia, requerer a sua inscrição imediata como advogados; I) O exercício da docência pelos doutores em Ciências Jurídicas juridicamente atendível é, naturalmente, aquele que decorre após a obtenção do referido grau académico; J) Reconhecida a necessidade de fixação da duração mínima de tal exercício juridicamente exigível, e não a resolvendo a lei, estamos em presença de um caso omisso, a reclamar a sua integração, nos termos gerais; K) Exigindo-se para os antigos magistrados o exercício da magistratura pelo período mínimo correspondente ao estágio da advocacia, esse deve ser também o critério aplicável à docência pelos doutores em Ciências Jurídicas; L) Ao não entender assim, relevando a atividade docente da Recorrida antes da obtenção daquele grau académico e alheando-se da consideração do assinalado prazo mínimo de exercício daquela atividade após a obtenção, por aquela, do referido grau académico, o Tribunal a quo incorreu, pois, em novo erro de julgamento.”.

Termina pedindo a procedência do recurso jurisdicional.

* A ora recorrida, notificada, apresentou as seguintes contra-alegações (cfr. fls. 118 e segs.): “1. O processo especial de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias constitui o único meio capaz de assegurar o direito da Recorrida de acesso à profissão de advogado, consagrado no artigo 47º da CRP, na medida em que permite obter uma decisão célere mas definitiva, ao contrário da providência cautelar que, mesmo com decretamento provisório, constitui uma decisão instrumental, provisória e assente na mera probabilidade séria de procedência da ação principal.

  1. Conforme é jurisprudência constante do Tribunal Central Administrativo Sul, a profissão de advogado não é compatível com uma decisão meramente provisória, em virtude da diminuição da confiança depositada no “advogado a prazo”, quer pelos clientes, quer pela classe profissional e pelo público em geral, o que prejudica gravemente o normal exercício da profissão pela Recorrida, bem como a sua evolução profissional, além de prejudicar a confiança no próprio sistema jurisdicional, considerando o papel essencial dos atos praticados pelo advogado, os quais não devem ver a sua credibilidade minimamente afetada ou fragilizada.

  2. A interpretação sustentada pela Recorrente da norma do artigo 192.º/2, a), do EOA, que permite a inscrição imediata como advogado dos “doutores em ciências jurídicas, com efetivo exercício da docência”, determinaria a sua inconstitucionalidade por conduzir a uma restrição da liberdade de acesso à profissão (artigo 47.° da CRP) sem fundamento constitucional, violando o artigo 18.º da CRP, que determina que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

  3. Acresce que seria uma restrição de um direito fundamental feita por aplicação analógica de uma mera norma regulamentar que adicionaria pressupostos aos definidos legalmente, o que não é admissível face ao regime próprio das restrições aos direitos fundamentais, nos termos do artigo 18.° da CRPA.

  4. A CRP admite, no artigo 47.°, apenas restrições legais à liberdade de acesso à profissão “impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade” (itálico acrescentado).

  5. Para assegurar esse “interesse coletivo”, o artigo 192./2, a), do EOA exige que o doutor em direito, tal como o magistrado, associe ao título a experiência profissional capaz de permitir a dispensa do estágio.

  6. Para além de esta interpretação não ter qualquer suporte na lei, acresce que mesmo que, em abstrato, fosse admissível a restrição de um direito fundamental por analogia com uma norma regulamentar, a interpretação que restringe a experiência docente relevante àquela que seja adquirida após a obtenção do grau de doutor contraria até a ratio legis do artigo 192.º/2, a), que visa apenas evitar que se dispense do estágio o doutor em direito que não tenha experiência profissional relevante para permitir o bom e autónomo exercício da advocacia.

  7. Assim, a interpretação defendida pela Recorrente geraria a inconstitucionalidade da norma do artigo 192.°/2, a) por violação da liberdade de acesso à profissão e do princípio da proporcionalidade (artigos 47º e 18.° da CRP), porquanto consubstancia vedação infundada e desnecessária do acesso à profissão.

  8. A recusa de inscrição da Recorrida fundamenta-se, em acréscimo, numa interpretação criada ad hoc pela Recorrente apenas para o caso da Recorrida, afastando-se da solução dada pela Ordem dos Advogados a casos absolutamente idênticos em que foi aceite a inscrição de doutores em direito sem dependência do decurso do prazo em causa após a obtenção do grau de doutor, termos em que viola também os princípios da igualdade e da imparcialidade (artigos 13.° e 266.° da CRP).”.

    Pede a improcedência do recurso.

    * O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de que parece que não seja insuficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar antecipatória para assegurar a inscrição na Ordem dos Advogados e a plena utilidade da sentença a proferir em ação não urgente (cfr. fls. 164 e segs.).

    Para efeitos de adoção da medida cautelar antecipatória, não parece que se apresente como evidente a procedência da ação principal para que a medida seja decretada, além de que, o periculum in mora, não se mostra sustentado nos factos que a autora articulou na petição inicial.

    Não se verificando todos os requisitos de que dependeria a concessão da providência cautelar, esta deveria ser indeferida.

    Conclui pela procedência do recurso.

    * Contra o parecer emitido pelo Ministério Público, pronunciou-se a recorrida...

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