Acórdão nº 00117/03 - BRAGA de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelMois
Data da Resolução13 de Março de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I Maria Teresa e Olinda Rosa , adiante Recorrentes, não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no processo de reclamação de créditos que corre por apenso às execuções fiscais nºs 2275-02/100666.5 e apensos e 2275-02/100101.9 e apensos, instauradas no Serviço de Finanças de Caminha, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, e juros de mora, Contribuição Autárquica e coimas fiscais, dela vieram recorrer, concluindo, em sede de alegações (as conclusões das alegações, constantes, respectivamente, a fls. 382 a 385 e 405 a 408, são exactamente as mesmas): 1. O Tribunal a quo graduou o crédito da reclamante abaixo de um crédito garantido por hipoteca, anteriormente registada, e de dois créditos garantidos por penhoras, anteriormente registadas.

  1. O crédito da recorrente tem natureza laboral e resultou da rescisão, ao abrigo da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, do contrato de trabalho que a ligava à sua entidade patronal “Gaspar Fernandes & Irmão, Lda.”, por não pagamento de salários e de outras remunerações e atribuições patrimoniais legalmente devidas, a recorrente rescindiu, 3. A rescisão foi declarada válida e eficaz por douta sentença, transitada em julgado, de 18 de Junho de 2003 (proferida na Acção de processo Comum que sob o número 997/2002 correu termos pelo Tribunal do Trabalho do Círculo de Viana do Castelo).

  2. A entidade patronal da recorrente foi condenada a pagar-lhe a quantia de € 25.617,20 a Maria Teresa e €19.881,03 a Olinda Rosa, a título de salários, de outras remunerações legalmente devidas, e de indemnização por antiguidade, acrescida de juros de mora.

  3. Este, o crédito reclamado que ao Tribunal a quo cabia verificar expressamente como laboral, e não o fez.

  4. A tutela constitucional da retribuição (artigo 59°, n. ° 1, alínea a), da CRP) incide não apenas sobre o direito ao salário, mas também, e de modo mais geral, sobre os demais créditos retributivos e os indemnizatórios emergentes da cessação do contrato de trabalho.

  5. A Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, dispõe, no seu artigo 12° que "...

    Os créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios.

    ..", não efectuando qualquer distinção quanto aos créditos em causa.

  6. O crédito da reclamante (crédito laboral) beneficia de privilégio imobiliário geral (artigo 12°, n. ° 1, alínea b), da Lei n. ° 17/86, de 14 de Junho).

  7. A recorrente invocou expressamente esse privilégio no seu requerimento de reclamação de crédito.

  8. O privilégio imobiliário previsto no citado artigo 12° determina, ao abrigo do disposto no artigo 751° do Código Civil, a oponibilidade do direito da recorrente a terceiros adquirentes, e a sua prevalência sobre garantias reais, ainda que anteriormente constituídas e registadas.

  9. O crédito da recorrente prevalece sobre todos os outros que o Tribunal a quo graduou antes daquele, i. é, sobre o crédito da Caixa de Crédito Agrícola, sobre o crédito exequendo, e sobre o crédito da credora Moura & Silva, Lda.

  10. O caso dos autos põe em confronto direitos meramente patrimoniais (credor hipotecário e credores garantidos por penhoras registadas anteriormente) e um direito de carácter alimentar (o direito da reclamante).

  11. O direito da reclamante, é um direito constitucionalmente incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores, visando o direito à retribuição do trabalho "garantir uma existência condigna", conforme preceitua o artigo 59º, n.º 1, alínea a), da CRP.

  12. Perante situação de conflito entre um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias - o direito dos trabalhadores à restituição do trabalho -, e o princípio geral da segurança jurídica e da confiança no direito -prosseguidos, além do mais, pelo registo o Tribunal Constitucional decidiu (in Acórdão n.º 498/2003, proferido no Processo n. ° 317/02, 3a Secção, in DR, II Série, de 3 de Janeiro de 2004), decidiu que a prevalência do direito à retribuição, com a, consequente limitação da "confiança resultante do registo", constitui um meio adequado e necessário à salvaguarda de tal direito, "eventualmente o único e derradeiro meio, de assegurar a efectivação de um direito fundamental dos trabalhadores, que visa a respectiva sobrevivência condigna.

  13. O TC pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma constante da alínea b) do n. ° 1, do artigo 12° da Lei 17/86, de 14 de Junho, "na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca" .

  14. A tutela constitucional do direito ao salário e à retribuição abrange o direito à indemnização por cessação do contrato de trabalho, com vista a uma "existência condigna", tendo, aquele direito, um verdadeiro carácter alimentar, e não meramente patrimonial, devendo prevalecer no confronto com os créditos dos titulares de direitos reais de garantia levados ao registo.

  15. Os privilégios em causa incidem sobre os bens imóveis da empresa ao serviço da qual a recorrente trabalhou, e esta ligação necessária, no mínimo, atenua o carácter oculto e imprevisível para os credores com garantias reais registadas, da possibilidade de virem a existir os referidos créditos.

  16. As exigências do princípio da proporcionalidade que decorrem igualmente do princípio geral do Estado de direito, consignado no artigo 2°, também determinam a prevalência do privilégio creditório previsto no artigo 12° da Lei n. ° 17/86.

  17. A entidade devedora é também a entidade empregadora, sendo que a retribuição, como forma de assegurar a sobrevivência condigna dos trabalhadores, permite justificar, em face da CRP, a solução do artigo 12º da Lei n.º 16/84, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho é oponível e prevalece nos termos do artigo 751° do CC, perfilando-se como uma verdadeira garantia real dos créditos que visa acautelar.

  18. A restrição do princípio da confiança operada pelo artigo 12° da Lei n.º 17/86, de 4 de Junho, não encontra obstáculo constitucional.

  19. O direito da recorrente à remuneração do trabalho prestado e à indemnização por despedimento configura-se como expressão de um direito fundamental, susceptível de legitimar a "compressão" do direito de credor hipotecário.

  20. A recorrente considera que, no caso em apreço, valem inteiramente as razões que motivaram a decisão do Tribunal Constitucional, proferida no Ac. n.º 498/2003.

  21. Invoca, enquanto trabalhadora, na defesa do seu direito à retribuição, a limitação à confiança resultante do registo, com a fundamentação constante do Ac. TC n. ° 498/2003.

  22. É de concluir que o crédito da recorrente deve prevalecer sobre os demais créditos, à excepção das custas judiciais e despesas administrativas tidas com os imóveis...

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