Acórdão nº 00244/08.7BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução30 de Março de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:I RELATÓRIO1 . O MUNICÍPIO de SANTA COMBA DÃO, inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, datada de 8 de Fevereiro de 2011, que julgou improcedente a acção administrativa especial [onde peticionava a declaração de nulidade ou anulabilidade do despacho conjunto do Ministro de Estado e das Finanças e Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, de 5/12/2007, que determinou a aplicação de uma redução de 10% na transferência do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), por força do endividamento excessivo e consequente retenção do Fundo de Equilíbrio Financeiro no valor de € 30.393,00, já na transferência atinente ao mês de Dezembro de 2007] e assim absolveu do pedido os Réus/recorridos MINISTÉRIO das FINANÇAS e da ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA e CONSELHO de MINISTROS.

*No final das suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: " 1 . Da leitura do acórdão objecto do presente recurso, cumpre concluir que o Tribunal a quo se limitou a uma mera análise perfunctória da questão, dispensando mesmo uma adequada fundamentação, da qual tal decisão jurisdicional carecia, de forma a que ficasse bem claro o iter cognoscitivo percorrido pelo julgador; 2 . Começa o Recorrente por discordar do Tribunal a quo quando este, olvidando a letra da lei, descobriu na possibilidade de redução das transferências dos Municípios, prevista no n.º 4 do artigo 92.º da Lei de Enquadramento Orçamental, uma verdadeira estatuição – ignorando que o artigo consagra uma mera hipótese de determinação dessa redução; 3 . É, ainda, de condenar a forma como o Tribunal a quo afastou a possibilidade de estarmos perante uma norma sancionatória, sem que se tenha escusado, também aqui, a revelar o iter cognoscitivo que motivou essa tomada de posição; 4 . De facto, in casu, encontra-se em causa uma medida sancionatória e restritiva de um direito, na medida em que uma diminuição do montante das transferências orçamentais legalmente previstas, interfere, necessariamente, com direitos juridicamente tutelados dos Municípios, logo, do Recorrente; 5 . Não parece, aliás, sofrer contestação que a Lei das Finanças Locais e as leis orçamentais vêm conferir e concretizar o direito constitucional dos Municípios de beneficiarem da repartição dos recursos públicos, a ponto de uma restrição ao modo legal de distribuição desses mesmos recursos (mesmo se admissível) dever ser considerada uma restrição a um direito constitucionalmente garantido; 6 . Para além de a norma orçamental em causa e, consequentemente, de o acto administrativo que na mesma se veio basear e aplicar no caso concreto, não poderem ter aplicação retroactiva, por estar em causa uma restrição a um Direito Fundamental do Município, também a natureza sancionatória da referida norma legal (e consequentemente do impugnado) impediam essa mesma retroactividade; 7 . Sendo certa a natureza sancionatória desses actos, devem ser aplicados, a título consequencial, os princípios gerais constitucionalmente previstos relativamente a normas sancionatórias e que não se reduzem, naturalmente, ao domínio penal, tal como tem sido defendido tanto pela doutrina como pela jurisprudência. Na realidade, o disposto no n.º 3 do artigo 29.º da Constituição pátria mais não faz do que corporizar um princípio geral relativo à não retroactividade das normas sancionatórias, aplicando-se tanto no domínio estritamente penal como nos demais domínios sancionatórios; 8 . Considera-se que a aplicação retroactiva que se verifica no caso concreto viola de forma inadmissível, intolerável e arbitrária os direitos ou expectativas dos Municípios, desrespeitando flagrantemente os princípios de certeza e da segurança jurídica, circunstância que não poderá deixar de relevar para efeitos de determinação da sua invalidade jurídica e do desacerto que norteou a prolação do acórdão recorrido; 9 . Verifica-se, em suma, que o acto sindicado em primeira instância é manifestamente ilegal atendendo ao facto de o mesmo se basear numa norma prevista na Lei do Orçamento de Estado para 2007 inconstitucional por violação do princípio da irretroactividade das leis, da segurança jurídica, da tipicidade das sanções (mesmo não penais) e da confiança legítima; 10 . Ao ter decidido de modo diferente, o acórdão recorrido, incorreu num flagrante erro de julgamento, que deverá levar à sua revogação pelo Tribunal ad quem; 11 . Discorda-se ainda do acórdão proferido, no segmento em que não considerou a norma do n.º 8 do artigo 33.º da Lei do Orçamento para 2007, violadora da Lei de Enquadramento Orçamental, tendo o Tribunal a quo, também neste ponto, incorrido num patente erro de julgamento carecido de correcção pelo presente Tribunal; 12 . Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 87.º da Lei de Enquadramento Orçamental, veio a Lei do Orçamento para 2006, estabelecer limites específicos de endividamento anual de cada município, não tendo fixado (à semelhança dos anos anteriores), conforme lhe possibilitava o n.º 4 do art. 92.º do mesmo diploma legal, sanções por esse mesmo incumprimento, determinando a redução na proporção do incumprimento, das transferências a efectuar; 13 . Caso o legislador tivesse dado uso a essa faculdade, aquando da elaboração da Lei de Orçamento para 2006, poderiam as autarquias locais conhecer antecipadamente, não somente a infracção, como a sanção dessa mesma infracção, podendo conformar-se com ambas. Porém, foi apenas depois de o ano ter terminado e mediante uma outra lei, a Lei do Orçamento para 2007, que se fixou a consequência pelo incumprimento verificado no ano anterior, fixando-se, assim uma sanção (surpresa) de aplicação retroactiva com carácter punitivo (e não preventivo); 14 . No entanto, a única interpretação, conforme à Constituição, do n.º 4 do artigo 92.º da Lei de Enquadramento Orçamental, seria a de se considerar que a Lei do Orçamento que estabelece os limites de endividamento líquido dos municípios para um determinado ano ter de ser a mesma lei que estabelece quais as consequências sancionatórias para um eventual incumprimento daqueles limites. Não tendo sido esse o caso – tendo a Lei de Orçamento para 2007 violado a Lei de Enquadramento Orçamental – o acto administrativo impugnado que nela se baseou é, consequentemente, ilegal, impondo-se a sua anulação, o que não ocorreu junto do Tribunal a quo, na medida em que o mesmo procedeu a uma errada interpretação jurídica da questão ora enunciada. Impõe-se, por isso, a sua revogação; 15 . Também decidiu erradamente o Tribunal a quo quando apreciou a violação do princípio da proporcionalidade pois, muito embora sustente que no acto administrativo impugnado apenas se procurou cumprir o que vinha disposto na Lei de Orçamento para 2007, sem qualquer margem de discricionariedade, o certo é que este e, consequentemente o despacho que a aplicou, consubstanciaram uma efectiva violação ao princípio da proporcionalidade; 16 . Não é a medida (retenção das transferências orçamentais) adequada aos alegados objectivos (modificação do endividamento excessivo da autarquia, consequente redução da despesa do Estado e respectiva consolidação e equilíbrio orçamental), nem ficou demonstrado pelo acórdão recorrido que não havia outra medida menos gravosa que permitisse atingir os fins pretendidos e ainda que não era a medida excessiva face aos fins em causa; 17 . Ao prever a referida norma legal sancionatória, o legislador violou, pois, o princípio da proporcionalidade a que está vinculado, nas suas três vertentes (adequação, exigibilidade e proibição do excesso), sendo, consequentemente, o Despacho que nela se baseia transgressor do princípio da proporcionalidade, pelo que se impunha a sua anulação pelo Tribunal a quo; 18 . Discorda-se ainda do juízo promovido pelo Tribunal a quo, no segmento em que este considerou que o acto em crise não é uma medida de natureza tutelar, quando a verdade é que a diminuição das transferências orçamentais, sancionando o endividamento excessivo verificado, não pode merecer outra qualificação, porque consubstancia uma consequência de uma verificação do (in) cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos; 19 . O acto administrativo impugnado junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu é, assim, ilegal, violando o disposto no n.º 4 do artigo 92.º da Lei de Enquadramento Orçamental, por ter sido emitido sem que antes tenha ocorrido a audição prévia dos órgãos constitucional e legalmente competentes dos subsectores envolvidos. Por outro lado, é inconstitucional, violando directamente o n.º 2 do artigo 242.º da Constituição, por consubstanciar uma medida tutelar restritiva da autonomia local e ter sido emitido sem ser precedido de parecer de um órgão autárquico; 20 . Ao desconsiderar em absoluto tal realidade, a decisão recorrida não poderá conhecer outro destino que não seja a sua revogação pelo presente Tribunal, porquanto é patente a verificação de mais um erro de julgamento; 21 . O Despacho impugnado não se encontra fundamentado, na medida em que este se escusou a listar devidamente os factores utilizados na computação dos valores de endividamento referentes a 2006, tornando, assim, imperceptível o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelo ente público respectivo aquando da sua prática. Decidiu o Tribunal a quo de maneira diferente, devendo, pois, também por esta razão, ser o aresto recorrido revogado, para todos os efeitos legais; 22 . Tal como foi abundantemente referido ao longo da presente peça, o Tribunal de recurso deverá, nos termos do artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, recusar a aplicação do n.º 8, do artigo 33.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, por violação dos artigos 18.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do princípio da segurança jurídica que se retira do princípio de Estado de Direito, previsto no artigo 2.º da Lei Fundamental; 23...

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