Acórdão nº 08154/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução22 de Março de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul: I.RELATÓRIO I.1. Processo · MUNICÍPIO ……………….., com os sinais nos autos, intentou no T.A.C de Ponta Delgada acção administrativa comum contra · MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, pedindo - a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 454.229,00 €, correspondente às verbas em falta relativas aos meses de Março a Dezembro de 2009, ao mês de Dezembro de 2010 e ao mês de Janeiro de 2011, nos termos dos Mapas XIX anexos à Lei nº 64-A/2008 (LOE para 2009), à Lei nº 3-B/2010 (LOE para 2010) e à Lei n° 55-A/2010 (LOE para 2011), a título de participação no IRS, acrescidos dos juros de mora até pagamento integral; - a condenação do réu reconhecer o direito do Município da ………………….. de receber as transferências financeiras previstas no Mapa XIX anexo à Lei n. 55-A/2010 (LOE para 2011), a título de participação no IRS, de acordo com a regra dos duodécimos até ao dia 15 de cada mês.

Por saneador-sentença de 3-6-2010, o referido tribunal decidiu julgar os pedidos procedentes.

I.2. Alegações de recurso Inconformado, o réu recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: I. Nos presentes autos, o Tribunal a quo condenou o R. Ministério das Finanças e da Administração Pública a pagar ao Recorrido Município da ………., inserido na Região Autónoma dos Açores, o montante de € 220.471,00 Euros, acrescidos de juros de mora à taxa legal anual de 4% desde a data em que deveria ter ocorrido cada uma das transferências parcelares, referentes aos meses de Março a Dezembro de 2009 (último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento) até integral pagamento.

II. Verba essa alegadamente devida ao Recorrido nos termos do mapa XIX anexo à Lei nº 64-A/200S, a título de participação variável de 5% no IRS pago pelos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial.

III. O Recorrido Município da Lagoa insere-se na Região Autónoma dos Açores, o que impõe a necessidade de compatibilizar e coordenar o sistema legal de receitas a que as Regiões Autónomas têm direito relativamente ao IRS, previsto na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro), com o sistema legal de receitas relativo à participação variável das Autarquias locais nas receitas do IRS, previsto nos arts. 19, n 1, al. c e 20 da Lei das Finanças Locais (Lei n 2/2007, de 15 de Janeiro) (1) .

IV. Com efeito, esses dois sistemas sobrepõem-se no que tange às receitas derivadas do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

V. Nos termos do art. 5º, nº 1 da LFL, as finanças dos municípios devem ser coordenadas com as finanças do Estado, tendo especialmente em conta o desenvolvimento equilibrado de todo o país e a necessidade de atingir os objectivos e metas orçamentais traçados no âmbito das políticas de convergência a que Portugal se obrigou no seio da União Europeia.

(2) VI. Para além das receitas previstas nos arts. 10 (3) e 14 (4) da LFL, as Autarquias Locais têm ainda direito a participar nos recursos públicos, nos termos e segundo os critérios definidos naquela lei, com vista ao respectivo equilíbrio financeiro vertical e horizontal, o que se realiza através das três formas de participação previstas no art. 19, n 1 da LFL.

VII. Uma dessas formas é através da participação variável de (até) 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, prevista na al. c do n 1 do art. 19 e regulada no art. 20 da LFL.

VIII. Essa regulação visa apenas os municípios do Continente.

IX. Já que as especificidades dos municípios localizados nas Regiões Autónomas, bem como a necessidade de tornar o sistema mais eficiente e ajustado àquela realidade própria, justificaram a necessidade de adaptação dos preceitos contidos na LFL àqueles municípios.

X. Essa adaptação é efectuada nos termos do art. 63 da LFL, que preceitua que a "transferência de competências para os municípios das Regiões Autónomas bem como o seu financiamento, designadamente mediante o ajustamento do montante e critérios de repartição do FSM, efectuam-se nos termos a prever em decreto-legislativo da respectiva assembleia legislativa." (n 2 do citado artigo).

(5) XI. Podendo ainda as assembleias legislativas regionais definir as formas de cooperação técnica e financeira entre as Regiões e as respectivas autarquias locais, a fim de tornar o sistema mais eficiente e ajustado às especificidades das Regiões Autónomas e das autarquias regionais (art. 63, n 4).

XII. Com esse objectivo e no que toca especificamente à participação nas receitas do IRS, prevê-se que a aplicação do disposto na al. c) do n 1 do art. 19 e no art. 20 da LFL às Regiões Autónomas se efectua mediante decreto-legislativo regional (art. 63º, nº 3).

XIII. A Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro (LFRA) visa, entre outros aspectos, a regulação das relações financeiras entre as Regiões Autónomas e as autarquias locais nelas sedeadas (art. 2º).

XIV. O Estado e as Regiões Autónomas estão vinculados ao princípio da solidariedade nacional (art. 7), segundo o qual as últimas devem contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país e para o cumprimento dos objectivos de política económica a que o primeiro esteja adstrito, e o Estado, por seu turno, deve, designadamente, assegurar as transferências do Orçamento de Estado previstas nos arts. 37 e 38 da LFRA.

XV. As receitas do IRS devido ou retido nos termos do disposto no art. 16º da LFRA, constituem receita de cada Região Autónoma.

XVI. Ao abrigo do regime da autonomia político-financeira, cabe às Regiões Autónomas afectar as respectivas receitas às suas despesas (art. 227º, n 1, al. j) da CRP).

XVII. Aplicando literalmente e sem qualquer preocupação de coordenação os preceitos contidos na LFL e na LFRA, no que concerne às receitas do I RS devido/retido, o Estado acabaria por transferir para cada Região a totalidade do IRS nela cobrado [art. 162 da LFRA) e uma participação variável de 5% no IRS cobrado na mesma Região (arts. 19, n 1, al. c) e 20 da LFL), o que se traduziria numa transferência total de 105%, relativamente ao IRS.

XVIII. Em comparação, aos municípios sedeados no Continente caberá apenas o direito a uma participação variável de (até) 5% no IRS cobrado na respectiva circunscrição autárquica.

XIX. Com a necessária diminuição do montante global (nacional) das receitas do IRS a que o Estado tem direito, sem qualquer correspondência com a área territorial onde o imposto é gerado, ou seja, de forma manifestamente contrária à prevista na LFL.

XX. O que, ao invés de assegurar o equilíbrio (a igualdade e a solidariedade) entre todas as partes, geraria um desequilíbrio a favor das RA e dos seus municípios e em desfavor do Estado e dos municípios do Continente.

XXI. Tal traduz-se numa situação de desigualdade injustificada/injustificável entre os municípios integrados num todo nacional.

XXII. Consubstanciando, uma manifesta violação do princípio da igualdade, na sua vertente territorial (art. 13, n 2 da CRP).

XXIII. Apesar de o regime das finanças locais dever contribuir, designadamente, para a promoção do desenvolvimento económico e para o bem-estar social das populações respectivas (art. 6, n 1 da LFL), e para a necessária correcção das desigualdades entre autarquias do mesmo grau, resultantes, v. g., de diferentes capacidades na arrecadação de receitas ou de diferentes necessidades de despesa (arts. 238, n 2 da CRP e 7º, nº 3 da LFL (6)), tal não justifica que os municípios sitos na Região Autónoma dos Açores (tal como os sitos na Região Autónoma da Madeira) possam ser beneficiados extraordinariamente relativamente aos municípios do Continente, sendo-lhes entregue 100% de todo o IRS pago pelos residentes na região e, ainda, mais 5% do IRS cobrado na mesma.

XXIV. Tal situação implica um tratamento desigual relativamente aos municípios sitos no Continente, desproporcionalmente desfavorável para os residentes/domiciliados fiscais respectivo e, em contrapartida, traduzindo-se num benefício desproporcional para os residentes/domiciliados nos municípios sitos na RA dos Açores, sem que esteja demonstrada qualquer necessidade extraordinária que fundamente tal desigualdade.

XXV. Deste modo, a solução, prevista na lei, de o Estado transferir para as regiões a totalidade (100%) da receita global do IRS e de serem depois as RA a aplicar, mediante decreto-legislativo regional, a participação de até 5% dos municípios regionais nas receitas do IRS geradas nas suas circunscrições territoriais, é a que melhor salvaguarda a eficiência do sistema de receitas, permitindo às Regiões que adoptem as melhores formas de cooperação técnica e financeira entre elas e os municípios regionais.

XXVI. Solução essa que não traduz sequer um abdicar pelo Estado das suas competências (reserva de lei) em matéria tributária, nem uma invasão inaceitável da esfera de competência legislativa prevista na CRP, pois a LFL é clara ao estabelecer que a aplicação da participação dos municípios regionais se efectua mediante decreto-legislativo regional.

XXVII. A aplicação das normas que prevêem a participação de (até) 5% no IRS é prevista, pela primeira vez, na Lei do Orçamento de Estado para 2009 (Lei n 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

XXVIII. Nos anos de 2007 e 2008, aplicou-se o regime previsto no art. 59 da LFL, o qual previa uma situação transitória com uma participação fixa no valor de 5%, calculado sobre a última colecta líquida de IRS disponível.

XXIX. Assim, só ano de 2009 se constatou a sobreposição de regimes legislativos no tocante à participação nas receitas do IRS por parte das Regiões Autónomas e dos municípios nestas integrados territorialmente.

XXX. Tendo sido necessário alterar a metodologia concernente aos municípios das Regiões Autónomas quanto ao recebimento dos adiantamentos relativos à participação variável no IRS, de modo a conciliar os dois regimes de...

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