Acórdão nº 00735/08.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A. …, já identificada nos autos, intentou acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o Município da Figueira da Foz, Figueira Grande Turismo, Empresa Municipal e Companhia de Seguros A. …, S.A., todos já devidamente identificados, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia global de €100.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, tudo com custas, procuradoria e o mais que for de lei.

Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção e absolvidos do pedido os Réus.

Desta decisão vem interposto o presente recurso.

Na alegação foram formuladas as seguintes conclusões: 1. Para que se verifique a existência de um contrato comodato, é necessário que a situação criada gere direitos e obrigações recíprocos que excluam a sua precariedade em relação a um dos contraentes, sendo necessário que a Autora passasse a gozar da coisa sem limites ou condicionamentos de qualquer natureza, salvo os resultantes da própria lei ou do contrato, o que importava a demissão ou renúncia ao uso e fruição da coisa por parte da Réus.

  1. Ora, no caso dos autos, está provado que a Ré Figueira Grande Turismo permitiu que a Autora e os seus colegas utilizassem um espaço existente nas traseiras ou retaguarda do Posto de Informação, que era utilizado como armazém, e que os trabalhadores que se encontravam em tal Posto permitiram a utilização do espaço por parte da Autora e do seu grupo.

  2. De tal matéria não resulta a demissão dos Réus dos direitos de uso e fruição do espaço existente nas traseiras do Posto de Informação e a sua entrega à Autora, através das respectivas chaves, demissão e entrega que não ocorreram, pois que, como resulta da matéria de facto dada como provada, o acesso a tal área foi permitida aos elementos afectos à animação de praia para recolha diária do equipamento utilizado naquela actividade – Cfr. ponto 46º da matéria de facto constante da sentença -, continuando, assim, a Ré Figueira Grande Turismo na posse do fito imóvel, onde continuou instalado o Posto de Informações, até à conclusão das obras de recuperação do Posto da Esplanada S. Guimarães.

  3. Com efeito, a matéria facto dada como provada, designadamente que no rés-do-chão do prédio descrito em I, funcionava, em 03 de Agosto de 2003, o posto de informação da Ré Figueira Grande Turismo, que esta ali havia instalado provisoriamente, até que fossem concluídas as obras de recuperação do Posto da Esplanada S. Guimarães, que o rés-do-chão e cave do edifício, onde estava instalado o Posto de Informações, se encontrava, à data do acidente, em construção, estando as obras paradas e que estas eram levadas a cabo pela Ré Figueira Grande Turismo, a quem a gestão do edifício se encontrava entregue – Cfr. pontos 4º, 43º, 44º e 47º da matéria de facto constante da sentença -, inculca, com segurança, que os Réus nunca se demitiram ou renunciaram ao uso e fruição do imóvel, tendo a sua utilização por parte da Autora sido meramente precária, devida por motivos da realização de animação de rua, com intervenção daquela em actividades de face pating, o que configura uma situação sem a intencionalidade da constituição de uma vinculação jurídica.

    MAS NÃO SÓ, 4. Sendo o comodato um acto de administração extraordinária para o comodante, a Ré Figueira Grande Turismo, que não é proprietária do imóvel, estando-lhe apenas entregue a gestão do edifício, não tinha legitimidade para celebrar contratos desse género, uma vez que do “Contrato Programa de Coordenação e Execução da Empreitada de Acabamentos da Piscina de Mar entre a Câmara da Figueira da Foz e a Figueira Grande Turismo”, não resultavam tais poderes, o que poderia ser feito apenas pelo seu proprietário – o Réu Município – e que, de acordo com a matéria de facto dada como provada, não efectuou.

  4. O erro de julgamento em que incorre o Tribunal recorrido parece resultar da confusão entre dois grupos de animação, um de praia, e, outro, de rua, do qual fazia parte a Autora – Cfr. último parágrafo da pág. 20ª e início da pág. 21ª da douta sentença -, sendo que foi àquele, e não a este, a quem foi permitida a recolha diária do equipamento utilizado – ponto 46º da matéria de facto -, como, aliás, resulta da leitura das contestações dos Réus, ou seja, trata-se de grupos distintos e que nada têm a ver um como o outro, até porque a animação de praia era da responsabilidade da Câmara Municipal da Figueira da Foz.

  5. Aliás, tal erro de julgamento – estar-se perante responsabilidade contratual – é de tal modo evidente que resulta do próprio texto da decisão, já que, na pág. 2ª, o Tribunal recorrido refere que “(…) nos autos a principal questão a decidir é saber se estão verificado os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual” e, posteriormente, para decidir a questão da excepção da prescrição, aplicou, e muito bem, as regras e os prazos da responsabilidade civil extracontratual – art. 498º, nº 3, do CC – Cfr. págs. 15 a 18º da douta sentença impugnada -, devendo, consequentemente, ter verificado, a final, se, no caso concreto, estavam verificados, como referiu inicialmente, os pressupostos da responsabilidade extracontratual e não decidir-se pela a aplicação da responsabilidade contratual…depois de ter aplicado à prescrição as regras daquele tipo de responsabilidade… 7. A Autora fundamenta o seu pedido de indemnização na responsabilidade extracontratual dos Réus, pelo facto de não ter qualquer sinal, no local onde caiu, a advertir da existência da abertura e, muito menos, qualquer protecção lateral (guarda-corpos).

  6. Mostra-se provado que no dia 03 de Agosto de 2003, pelas 21 h e 30 m, nas instalações do Posto de Informação da Ré Figueira Grande Turismo, na Av. 25 de Abril, Figueira da Foz, a Autora sofreu um acidente que consistiu numa queda do R/Ch. para o piso inferior do prédio, rés-do-chão que era constituído por duas plataformas independentes, ligadas por uma ponte aérea, que descrevia uma ligeira curva e não dispunha de qualquer protecção lateral, tendo a Autora caído da ponte aérea para a cave do edifício, de uma altura de cerca de 6 metros., edifício que é propriedade do Réu Município.

  7. De tudo isto decorre que a conduta dos Réus, traduzida na inexistência de qualquer sinal, ou qualquer protecção, que advertisse da existência da abertura, nem qualquer guarda-corpos que impedisse quem utilizasse a plataforma de ali cair, foi determinante e essencial para que se tivesse verificado o acidente.

  8. Caso não se estivesse diante dessa deficiente vedação da obra em causa, não teria ocorrido o acidente que veio a provocar os danos na Autora e, sendo assim, também não restarão dúvidas que as apontadas omissões quanto à vedação da dita obra correspondem à violação de elementares regras de segurança, aliás impostas, desde logo, pelos arts. 40º do Decreto-Lei nº 41821, de 11.08.1958, e 128º do RGEU.

  9. Também não restaram dúvidas que o encargo com a tomada das medidas de segurança e precaução, de forma a evitar eventos como o sucedido, compete à Ré Figueira Grande Turismo, como responsável pela sua construção, e ao Réu Município, como proprietário do edifício, que consentiu que as obras estivassem paradas sem as devidas medidas de segurança, quando, na verdade, deveria cuidar de evitar ou minimizar os previsíveis danos para os ocupantes do edifico, resultantes da falta de sinais e de protecções laterais.

  10. Assim sendo, seja por força do princípio geral consagrado no art. 483º do CC, seja por violação do disposto nos arts. 40º do Decreto-Lei nº 41821, de 11.08.1958, e 128º do RGEU, por omissão do dever de vigilância fixado no art. 493º, nº. 1, do CC ou do dever geral de agir para remoção do perigo de lesão da integridade física das pessoas, perigo causado pela falta de segurança, os Réus actuaram com culpa grave no desleixo em que deixaram o edifício, assim causando danos, que, nos termos dos arts. 562º e ss., estão obrigados a indemnizar.

  11. A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 1129º, 483º, 493º, nº 1, e 562 do CC, 40º do Decreto-Lei nº 41821, de 11.08.1958, e 128º do RGEU.

    Termos em que se requer que seja julgado procedente o presente recurso jurisdicional, tudo com as legais consequências, designadamente a revogação da sentença ora recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, a qual deve ser substituída por outra que julgue a acção procedente e condeno os Réus no pedido, como é deJustiça.

    O Município da Figueira da Foz juntou contra-alegações onde concluiu que: I. O tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos e da causa de pedir, independentemente da feita pela recorrente (art. 664º do CPC).

    1. Os factos dados como provados são insuficientes para imputar ao R. qualquer responsabilidade na ocorrência do acidente, visto essa responsabilidade estar dependente do preenchimento de 5 pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de imputação do facto ao dano.

    2. Os factos dados como provados respeitantes directamente ao R. são insuficientes e inócuos na produção do evento, não havendo neles qualquer resquício de ilicitude. Ademais, para afirmar essa ilicitude, necessário se tornava que, além do mais, a tutela dos interesses particulares figurasse entre os fins da normas que vêm alegadas pela A., o que manifestamente não acontece.

    3. Por outro lado, o dano sofrido pela A. só a ela pode ser imputado, visto ter-se afastado do perímetro destinado a camarim improvisado, enquanto efectuava um telefonema pelo telemóvel, por um local que desconhecia, de acesso reservado e por onde não precisava de andar nem tinha autorização para tal.

    4. Sobre os RR. não recaía qualquer dever de colocar guarda-corpos ou de sinalizar/iluminar o local do sinistro, antevendo que alguém, sem autorização, pudesse caminhar sobre a ponte aérea.

    5. Seja qual for o instituto que se considere – o da...

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