Acórdão nº 08277/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

M………. & Co. Inc. com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo nos termos dos artigos 143.°, n.° l e n.° 2 do CPTA em conjugação com o artigo 692.° n.° 3 alínea d) do CPC ex vi 140° do CPTA, e sobe imediatamente e nos próprios autos, nos termos do artigo 147.°, n.° l do CPTA.

  1. Resulta dos factos dados como provados que os medicamentos cuja comercialização foi autorizada pelo Infarmed contêm Timolol + Dorzolamida como substância activa e que a mesma associação se encontra protegida pela Patente e pelo CCP 60 de que a ora Recorrente é titular e em consequência, a produção e comercialização pelas Contra-Interessadas desses medicamentos caem no exclusivo resultante da EP 509 752 e do CCP 60.

  2. A questão jurídica que se coloca na acção principal respeita à validade ou à eficácia intrínsecas de actos administrativos que concedem autorização de comercialização (AIM) a produtos violadores de direitos de propriedade industrial de terceiros e não, contrariamente ao afirmado pela decisão recorrida, a de saber se esses actos de AIM são válidos ou inválidos à luz de uma suposta obrigação do Infarmed de sindicar a existência dos mesmos direitos de propriedade industrial.

  3. O direito exclusivo emergente da titularidade de uma patente e de um CCP goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral, nos expressos termos do artigo 316.° do CPI, sendo-lhe atribuída específica protecção, como direito fundamental tendo a natureza de "direitos, liberdades e garantias", beneficiando do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição.

  4. O princípio da legalidade contém um comando legal de obediência à lei e ao Direito que obriga a uma total conformidade não só com as leis e os princípios jurídicos que disciplinam especificamente uma certa conduta da Administração, mas também aqueles que constituem todo o ordenamento jurídico.

  5. As AIMs suspendendas são inválidas, nos termos do artigo 133.° n.° 2 alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que, dado o seu objecto e efeitos, ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental - os DPI da Recorrente emergentes da Patente e do CCP - apenas o não sendo se forem consideradas como tendo a sua eficácia diferida para a data da caducidade dos direitos da Recorrente.

  6. As AIMs impugnadas devem ainda ser consideradas nulas, nos termos do artigo 133.° n.° 2 c) do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que têm como exclusiva finalidade a viabilização jurídica, pela via administrativa, do exercício de uma actividade criminosa.

  7. As considerações atrás expressas aplicam-se, mutatis mutandis aos actos de aprovação de PVP pela DGAE que, com o presente procedimento se visam evitar.

  8. A primordial missão da providência cautelar administrativa não é a de evitar que se produzam prejuízos de difícil reparação, mas sim a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, em linha com o dispositivo do n.° l do artigo 112.° n.° l do CPTA e só se tal risco se não se verificar é que serão de considerar os "prejuízos de difícil reparação".

  9. Da prolação dos actos administrativos que se pretendem anular resultará um facto consumado, a efectiva comercialização dos medicamentos genéricos dos autos, que retirará toda a utilidade à acção de que este procedimento é dependência.

  10. Mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência causará danos imateriais aos interesses que a Recorrente visa assegurar no processo principal, os quais são de difícil ou mesmo impossível reparação.

  11. A comercialização dos Genéricos Timolol + Dorzolamida irá, desde logo, implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo que constitui o conteúdo essencial do direito de propriedade industrial de que é titular, situação que, em todos os aspectos, equivalente à privação, com violência, do direito de propriedade de um bem a ela pertencente.

  12. Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causador de um dano imaterial, consistente na ablação temporária de uma parte do activo integrador da esfera jurídica da Recorrente, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.

  13. Tal compensação seria, na verdade, insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao exclusivo da comercialização do invento.

  14. O não decretamento da providência com base no argumento de que a Recorrente pode vir a ser compensada pecuniariamente pelos prejuízos sofridos, para além de contrariar o princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural (artigo 566.° do Código Civil), violaria o princípio constitucional da tutela efectiva decorrente do artigo 20º, nº 4 da CRP.

  15. A lei não exige que os danos relevantes para o decretamento da providência sejam actuais ou de ocorrência certa, mas sim que se verifique um justificado receio de que os mesmos venham a ter lugar se a providência não for decretada, ou seja, que os danos sejam prováveis.

  16. A aplicação correcta do princípio da teoria da causalidade adequada ao caso dos autos leva-nos a concluir que a autorização administrativa para a introdução no mercado de um medicamento (e de aprovação dos PVP a evitar com os presentes autos) é causa adequada dos danos causados por essa introdução, uma vez que é condição desses danos actuando adequadamente para que se produzam.

  17. Os efeitos do decretamento da providência invocados pelo Infarmed na sua oposição não prevalecem jamais sobre direitos fundamentais análogos a direitos liberdades e garantias, como é o caso dos direitos da Recorrente.

  18. As Contra-Interessadas não alegaram quaisquer prejuízos próprios decorrentes do decretamento da providência e, mesmo se se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, ao contrário do que é exigido pelo n.° 2 do artigo 120.° do CPTA para que as providências possam ser recusadas.

  19. As providências requeridas devem ser decretadas porque para tanto se verificam todos os pressupostos legais.

  20. A decisão recorrida violou e fez uma interpretação errada de diversos normativos legais, entre eles se contando os artigos 511.° do CPC, 563." do Código Civil, artigos 112.° e 120.° n.° l a) e b) do CPTA, artigos 133.° n.° 2 c) e d) do CPA e artigos 17.°, 18.°, 62.° e 266.° da Constituição.

    * O Recorrido Infarmed, Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, IP contra-alegou, concluindo como segue: 1. Nos termos do artigo 143.°/2 do CPTA, os recursos de providências cautelares têm sempre efeito devolutivo.

  21. A regra do artigo 143.°/2 do CPTA justifica-se para obstar o interessado de interpor um recurso da decisão desfavorável com o único objectivo de continuar a usufruir da proibição imposta à Administração de executar o acto administrativo suspendendo durante a pendência do recurso.

  22. Nestes termos, uma vez que o presente recurso incide sobre uma sentença que declarou a improcedência de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos, a fixação de efeito suspensivo beneficiaria ilegitimamente a Recorrente, uma vez que, permitiria que apenas tivesse interposto o presente recurso tendo em vista a protelação da proibição do INFARMED executar o acto suspendendo.

  23. Na presente demanda, a ora Recorrente deduziu uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de actos de concessão de AIMs referentes aos medicamentos genéricos com o principio activo "Timolol + Dorzolamida", tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal a quo.

  24. In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adopção da mencionada providência cautelar.

  25. É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios.

  26. O que se discute nestes autos é definir se o INFARMED está obrigado a verificar quaisquer direitos de propriedade industrial aquando da atribuição de AIMs e se estas são actos susceptíveis de lesar a esfera jurídica da Recorrente.

  27. Ambas as respostas são negativas sendo irrelevante apurar, no presente processo, se existem patentes válidas, devendo o recurso da matéria de facto interposto pela Recorrente ser julgado manifestamente improcedente.

  28. Se as AIMs são actos válidos e eficazes, independentemente da existência de direitos de propriedade industrial, cabe à Requerente, caso assim o entenda, defender as alegadas violações dos mesmos nos tribunais de comércio, intentando as competentes acções judiciais contra as requerentes das AIMs.

  29. Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efectiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à Entidade administrativa dirimir.

  30. Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.° do CPA.

  31. Ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do art. 62° da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir actos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado.

  32. Bem andou o douto Tribunal a quo ao julgar não verificada a previsão do artigo 120.°/1/a) do CPTA, já que é manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.

  33. Como se conclui na douta...

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