Acórdão nº 00047/10.9BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelAna Paula Soares Leite Martins Portela
Data da Resolução13 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

A C…, S.A. [CSA] e o MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DO BAIRRO [MOB], inconformados, interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF dE AVEIRO, em 25/11/2010, que declarou aquele TAF incompetente em razão da matéria para o conhecimento da acção.

Para tanto, a CSA alega em conclusão: “1. Na acção ora em causa, a Recorrente alegou, em síntese, que celebrou um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, com o Município de Oliveira do Bairro, que garantia a responsabilidade infortunística da sua funcionária P..

  1. Que, foi-lhe participado que, no dia 10 de Outubro de 2001, a referida P… teria sofrido, alegadamente, um acidente de serviço, que determinou que a Recorrente fizesse pagamentos no valor global de € 9.179,59.

  2. Mas que, após averiguações, veio a Recorrente a apurar que as lesões sofridas pela R. P... decorriam de uma patologia preexistente ou doença natural, não cabendo à Recorrente proceder à sua reparação, razão pela qual tem direito de regresso das quantias despendidas na regularização do suposto sinistro, nos termos do disposto no art. 19.º, n.º 2, do Regulamento do ISP 27/99, de 30 de Novembro.

  3. O Município de Oliveira do Bairro reclama da Recorrente quantia de € 6.618,14, correspondente ao capital de remição que se viu obrigada a pagar à referida P…, para reparação do acidente de serviço em causa, e respectivos juros.

  4. Alegou o Município que tendo sido celebrado com a ora Recorrente um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, que garantia a responsabilidade infortunística de P…, e tendo ocorrido um acidente de serviço, era a ora Recorrente a responsável por aquele pagamento, pelo que teria o Município direito de regresso contra a CSA da quantia que pagou.

  5. Ora, a verdade é que o facto de estar em causa a qualificação de um acidente como de serviço, sofrido por uma funcionária pública, do Município de Oliveira do Bairro, subscritora da Caixa Geral de Aposentações, confere à relação jurídica em causa a natureza administrativa e, consequentemente, remete a relação material controvertida sub judice para a jurisdição administrativa.

  6. Reitera-se, como foi entendido pelo Juízo do Trabalho de Águeda, no âmbito do processo acima identificado, “é da competência dos tribunais administrativos – e não dos Tribunais do trabalho – o conhecimento dos direitos abrangidos pelo regime estabelecido pelo D.L. n.º 503/99, de 20/11, que rege sobre relações de índole jurídico-administrativas, a tal não obstando o facto de ter sido celebrado pelo A. Município de Oliveira do Bairro contrato de seguro de acidentes de trabalho, possibilidade de resto expressamente prevista no art. 45.º, n.º 3, do diploma em apreço”.

  7. Atentando na descrita alegação, verificamos que a causa de pedir é composta ou complexa, na medida em que o pedido se funda não só no contrato de seguro celebrado, mas também na não ocorrência de um acidente de serviço.

  8. Nestes termos, o objecto do litígio não se subsume exclusivamente à relação contratual civilística entre as partes, mas também e sobretudo à verificação (ou não) dos pressupostos e qualificação de um determinado acidente como de serviço, pois só mediante a análise e decisão dessa questão poderão ser apreciados os pressupostos de que depende a procedência da pretensão da autora.

  9. O tribunal competente para a apreciação de um acidente em serviço ocorrido com um funcionário público subscritor da Caixa Geral de Aposentações, como é o caso da Interveniente nestes autos, é o Tribunal Administrativo.

    Com o que, concedendo provimento ao recurso, e declarando o Tribunal a quo competente para apreciação do litígio em causa, farão V. Exas. a costumada Justiça.”*O MOB concluiu as suas alegações da seguinte forma: “1. O que está em causa no presente processo é a determinação da competência material dos tribunais para a decisão da presente causa.

  10. Segundo a causa de pedir e o pedido formulado pelo A., nos presentes autos deparamos com uma relação complexa cuja administratividade é manifestamente mais abrangente e que supera a sua privaticidade, que aliás sempre se deveria considerar consumida por aquela primeira.

  11. A relação jurídica que entretece os presentes autos é maioritariamente regulada por normas de direito público (o DL n.º 503/99 e o bloco legal das incapacidades no direito administrativo), não deixando, porém, de estar em causa um contrato de seguro, que em parte é regulado por normas de direito privado (no entanto, estamos perante um contrato de seguro com regras próprias e até com uma apólice uniforme – como se verifica da jurisprudência citada).

  12. Refira-se ainda que tal contrato de seguro existe para eximir o Município da sua responsabilidade por acidentes de serviço sofridos pelos seus funcionários, estando-se perante um acidente de serviço (e a sua qualificação através da interpretação e aplicação das normas do direito público não parece que deva ser atribuído à justiça civil), sofrido por um funcionário público, que se encontrava no exercício de funções públicas, ao serviço de uma entidade pública.

  13. Assim sendo, e estando perante uma relação jurídica que se apresenta complexa, temos que a mesma se reveste de uma indesmentível natureza jurídico-administrativa, regulada por normas de direito público (pense-se desde logo na determinação do que é um acidente de serviço, de quem o pode participar, das suas coberturas, etc), e em que o demandante Município e R. nas acções é uma entidade pública, nas vestes de autoridade pública.

  14. Desse modo, deveria o Tribunal recorrido ter-se julgado competente, em razão da matéria, pelo que não o tendo feito a decisão recorrida viola o disposto no art. 212.º, n.º 3 da CRP e arts. 1.º e 4.º do ETAF.

  15. Mas mesmo pelo prisma ou critério das normas a aplicar sempre se deveria considerar o TAF competente, pois mesmo que se entendesse que no caso se devem aplicar normas das duas espécies (normas administrativas e normas de direito privado), a verdade é que, face ao que se disse e ao manifesto cariz público do quid decidendum, estamos perante uma relação jurídica onde prevalecem os elementos da administratividade, regulados por normas de direito público, pelo que deve a mesma ser entregue à justiça administrativa, mesmo que também aí haja aspectos que são regulados por normas de direito privado – cfr. neste sentido, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF Anotados, Vol. I, pág. 23.

  16. Na eventualidade de este TCA Norte entender confirmar a decisão de primeira instância, o que não se concede face ao que se vem de alegar, estaremos pois perante um conflito negativo de jurisdição, requerendo-se desde já, ao abrigo do art. 117.º, n.º 1 do CPC e por economia processual e de tempo, que este digno Tribunal suscite oficiosamente o pedido de resolução do conflito.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, com todas as legais consequências, apenas desse modo se fazendo a necessária Justiça!”*Não houve contra-alegações.

    *O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

    *A decisão sob recurso tem o seguinte teor: “Os presentes autos foram remetidos para este Tribunal pela Comarca do Baixo Vouga – Águeda – Juízo do Trabalho, o qual se declarou incompetente em razão da matéria para o respectivo conhecimento, na sequência de Despacho proferido pelo Juiz então titular dos autos, que deferiu requerimento do Autor apresentado ao abrigo do disposto no artigo 105.º n.º 2 do Código do Processo Civil – CPC de remessa do processo e de aproveitamento dos articulados por acordo entre as partes.

    Recebidos os autos daquele Tribunal foram os mesmos distribuídos na espécie de Acção Administrativa Comum regulada no Código de Processo Civil, na forma Ordinária, considerando o seu valor e objecto – artigos 35.º n.º 1 e 37.º nºs 1 e 2 alínea f) do CPTA e artigo 462º do CPC.

    Assim, findos os articulados a aproveitar ao abrigo do disposto no artigo 105.º n.º 2 do CPC, importa observar o disposto nos artigos 508.º a 512.º-A do CPC, proferindo-se despacho saneador para os efeitos previstos no artigo 510.º do CPC, entre o demais, o de conhecimento de excepções que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.

    Neste seguimento, compulsados os autos, impõe-se agora suscitar oficiosamente a excepção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria deste Tribunal para conhecer e decidir do mérito da presente acção, em sintonia com a máxima jurídica de que o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos é, em qualquer das suas espécies, de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria – cfr. artigo 13.º do CPTA. Sendo que de acordo com o artigo 22°, n.° 1, da LOFTJ, “A competência material dos tribunais fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente”, pelo que tal competência afere-se em função do pedido do autor e da causa de pedir, expressos na Petição Inicial.

    Considerando a prévia audição das partes em sede de Decisão de incompetência material, proferida no presente processo pelo Juízo de Grande Instância Cível de Anadia, e a prévia Decisão de incompetência material que originou a remessa dos autos a este Tribunal, e o período de tempo entretanto decorrido, considera-se desnecessária a audição das partes sobre a excepção que agora se suscita.

    SANEAMENTO DOS AUTOSdo tribunal Da questão da competência em razão da matéria deste Tribunal para conhecer e decidir do presente...

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