Acórdão nº 08253/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução19 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO P…….. LIMITED, sociedade de direito inglês, com sede em Ramsgate Road, Kent CT13 9NJ, Reino Unido, registada em Inglaterra sob o número 526209 (“P........... Limited” ou “1.ª Requerente”) e LABORATÓRIOS ………., Lda., com sede no Lagoas Park, Edifício 10, 2740-271 Porto Salvo, pessoa colectiva n.º ….., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o n.º 16685 (“Laboratórios P...........” ou “2.ª Requerente”), instauraram no T.A.C. de LISBOA um processo cautelar contra INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (Infarmed), indicando como contra-interessada a sociedade …………LIMITED, com sede em Sage House, 319, Pinner Road, North Harrow, Middlesex, HA 1 4HF, Reino Unido, e pedindo a suspensão da eficácia de actos administrativos, que são Autorizações de Introdução no Mercado (“AIMs”), do medicamento Sildenafil Accord, bem como de intimação da Entidade Requerida a abster-se da prática de actos de concessão de AIM`s de medicamentos compostos pela substância activa Sildenafil.

Após os articulados, o TAC recorrido decidiu julgar os pedidos improcedentes.

Inconformadas, as requerentes deduzem o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1. Deve ser ampliada a matéria de facto dada como provada no sentido de incluir os factos - relevantes para a decisão da causa - que são enunciados no ponto 7 supra das presentes alegações.

  1. A sentença ora recorrida viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nos artigos 20 e 268 da CRP e no artigo 2, nº 1 do CPTA, e os princípios da vinculação do juiz pelo pedido e da apreciação de todos os factos que interessam para a decisão da causa, constantes dos artigos 660.0, n. 2 e 511.° do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 1. do CPTA, bem como o princípio da universalidade e liberdade dos meios de prova, na medida em que afastou a possibilidade de produção de prova testemunhal sobre factos constitutivos da pretensão das Recorrentes.

  2. A sentença a quo viola, igualmente, o disposto no artigo 118.0, n. 3 do CPTA.

  3. Não podia o Tribunal a quo julgar não verificada, por não provada, factualidade alegada pelas Recorrentes, prescindindo da inquirição das testemunhas que foram justamente arroladas para prova dessa factualidade.

  4. Deve, insiste-se, ser produzida prova dos factos enunciados no ponto 7., supra, das presentes alegações; sem prejuízo da presunção legal de novidade da invenção patenteada pelas Recorrentes, deve, também, ser produzida prova dos factos enunciados no ponto 8 supra das presentes alegações.

  5. Sem prejuízo, os factos provados nos presentes autos evidenciam, de forma manifesta, a procedência da pretensão formulada pelas Recorrentes no processo principal, pelo que a providência cautelar deveria ter sido decretada pelo Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 120.0, n. 1, alínea a) do CPTA; não o tendo feito, a decisão recorrida violou o disposto nesse artigo.

  6. Com efeito, resultou evidente da factualidade provada que as Recorrentes são licenciadas dos direitos de exploração da patente PT 98011 relativa ao Sildenafil, a qual é a substância activa do medicamento de referência VIAGRA, comercializado pela 2. Recorrente em Portugal.

  7. O INFARMED, no momento em que concedeu o acto suspendendo, tinha conhecimento da referida patente, incumbindo-lhe apenas verificar, através de uma análise meramente formal do título, se é verdade o que as Recorrentes invocam.

  8. Sendo a resposta positiva, o INFARMED está obrigado a sujeitar-se à invocação do título feita pelas Recorrentes, de que o INFARMED tem conhecimento: não pode praticar actos que o violem, designadamente, não pode autorizar a introdução no mercado de medicamentos que habilitam justamente à violação da patente, face ao disposto no artigo 98.° do CPI.

  9. Efectivamente, o que se discute na acção principal é exclusivamente a questão de saber se uma entidade administrativa como o INFARMED pode simular a inexistência de uma patente e do sistema de registo público e protecção legal criado à volta desta: ali como aqui não se discute se, na realidade, os medicamentos que a Contra-Interessada quer introduzir no mercado violam ou não o exclusivo conferido pela patente das Recorrentes.

  10. Em suma: o julgamento da presente providência cautelar (e, aliás, da respectiva acção principal de impugnação) é muito mais simples do que possa parecer, pelo que o Tribunal a quo deveria ter decretado a providência ao abrigo da alínea a) do n. 1 do artigo 120.° do CPTA.

  11. Com efeito, por força do disposto nos artigos 7.°, 30.° e 101.° do Código da Propriedade Industrial, e dos artigos 369.° e 371.° do Código Civil, a Patente é um título com força probatória plena e é oponível a entidades públicas e privadas, pelo que basta a sua invocação, como é jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul, para ser reconhecido como um direito de exclusivo.

  12. Aquele direito de exclusivo inerente às Patentes compreende a faculdade de impedir a concessão de AIMs a medicamentos contendo substâncias activas protegidas pela patente, de acordo com o disposto no artigo 338.° e a contrario no artigo 102.°, ambos do CPI.

  13. Ainda que se não considere estarem verificados os pressupostos para o decretamento da providência cautelar ao abrigo do artigo 120.°, n. 1, alínea a) do CPTA - o que se concebe por mero dever de patrocínio -, sempre havia o Tribunal a quo de ter considerado preenchida a hipótese legal do artigo 120.°, n. 1, alínea b) do CPTA.

  14. Ora, a sentença recorrida erra na apreciação do periculum in mora, pelo que viola o artigo 120.°, n. 1, alínea b) do CPTA.

  15. Sendo o acto de AIM o acto central do procedimento administrativo complexo conducente à comercialização, consubstanciando o mesmo a "licença para comercializar', é manifesto que aquele acto constitui não só conditio sine qua non da comercialização, logo do "fundado receio" da produção de prejuízos irreparáveis ou dificilmente reparáveis, como, igualmente, o acto de AIM é (objectivamente) adequado, "pelas regras correntes da vida', à verificação dos prejuízos das Recorrentes.

  16. Esta afirmação será tanto mais verdadeira quanto é certo que a Contra-Interessada nunca declarou, perante qualquer entidade competente nem perante as Recorrentes, não ter intenção de introduzir no mercado os medicamentos genéricos de Sildenafil objecto de AIM antes da caducidade dos direitos de propriedade industrial em causa.

  17. No caso em apreço, afigura-se-nos ser bastante provável, ou mesmo certo, que a demora da decisão da causa principal a tomará inútil, visto que, se não for decretada a suspensão de eficácia requerida, será executada a AIM suspendenda, procedendo-se à comercialização dos medicamentos genéricos da Contra-Interessada.

  18. Existe um claro nexo de causalidade entre o acto de AIM e a lesão do direito das Recorrentes, uma vez que essa lesão não pode ocorrer sem a emissão desse acto, constituindo, mesmo, uma consequência essencial, normal e directa desse mesmo acto.

  19. A questão de saber se os medicamentos genéricos da Contra-Interessada violam a patente das Recorrentes não é, sequer, matéria controvertida nos presentes autos, pelo que não tem cabimento a asserção feita Tribunal recorrido nesta sede.

  20. Em matéria de violação da patente, foi alegado o suficiente para este processo: o Tribunal recorrido havia de se ter bastado com a existência de uma patente de processo válida de fabrico do Sildenafil.

  21. A existência de uma patente válida faz presumir a verificação dos pressupostos da sua concessão, a saber, a novidade, a actividade inventiva e a susceptibilidade da aplicação industrial (cfr. artigo 55.° do CPI).

  22. Devia o Tribunal recorrido ter aplicado a presunção legal do artigo 98.° do CP I, nos termos da qual, "Se uma patente tiver por objecto um processo de fabrico de um produto novo, o mesmo produto fabricado por um terceiro será, salvo prova em contrário, considerado como fabricado pelo processo patenteado".

  23. Ao não ter aplicado tais presunções, o Tribunal a quo violou o artigo 98.° do CPI, bem como o disposto nos artigos 4.°, n. 2 e 55.° do mesmo Código.

  24. Acresce que resultam dos autos factos no sentido dos prejuízos a suportar pelas Recorrentes em consequência da execução da AIM, isto é, da comercialização do medicamento da Contra-Interessada.

  25. Ao contrário do que faz supor o Tribunal a quo, o certo é que a entrada de genéricos do Sildenafil no mercado causou danos e prejuízos e muitos mais causará se outros genéricos trespassarem a barreira da entrada no mercado, esvaziando aquilo que era o monopólio das Recorrentes. É, por isso, inevitável que a perspectiva da dimensão dos danos e prejuízos se faça por referência ao todo.

  26. Por outro lado, tem de se admitir como possível que as Recorrentes, perante a entrada dos medicamentos genéricos da Contra-Interessada no mercado (e mesmo que estes venham posteriormente a ser retirados do mercado em virtude da procedência da acção principal) não volte a recuperar a sua quota de mercado, dado que os doentes, deixando de consumir o medicamento das Recorrentes por um determinado período, poderão não voltar a consumi-lo e vir a optar por outros que contenham a mesma indicação terapêutica.

  27. Os prejuízos que as Recorrentes pretendem acautelar não são prejuízos por força da concorrência de mercado - a concorrência é inerente à estrutura do sistema, não uma patologia produtora de prejuízos; trata-se, antes, da retracção do volume de vendas e respectivos prejuízos como consequência normal, plausível e adequada da introdução no mercado de produtos em violação de direitos exclusivos de comercialização fundados em patente, o que extravasa os riscos próprios da concorrência no mercado dos medicamentos.

  28. No que respeita ao juízo de ponderação de interesses, o INFARMED não alegou qualquer facto susceptível de demonstrar a lesão para o...

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