Acórdão nº 00402/07.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelJos
Data da Resolução16 de Dezembro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório O Ministro da Justiça [MJ] vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Coimbra – em 21.07.2010 – que reconheceu aos autores o direito ao suplemento mensal de disponibilidade permanente correspondente a 20% da sua remuneração base, e considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal, sujeito a desconto de quota para aposentação, com os efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2004, para vigorar enquanto se mantiver a equiparação de funções, e condenou os réus – Ministério da Justiça [MJ] e o Ministério das Finanças e da Administração Pública [MFAP] – a pagar-lhes as respectivas diferenças remuneratórias com juros de mora desde a citação até efectivo pagamento – a sentença recorrida foi proferida no âmbito de acção administrativa comum, sob a forma ordinária, em que os 23 autores devidamente identificados nos autos pedem ao TAF que condene o MJ e o MFAP no pedido que acabou por ser julgado procedente.

Conclui assim as suas alegações: 1- A complexidade das questões envolvidas, assim como a relevância dos valores patrimoniais em causa, impunham que a sentença não se ficasse por uma decisão assente num único fundamento, suportado numa única obra doutrinária, fundamento tão contestado quanto a obra que o suporta; 2- A publicação tardia de uma lei, com violação de princípios constitucionais, como o princípio da igualdade, tal como foi invocado pelos réus, configuraria inconstitucionalidade por omissão, que apenas pode ser decretada pelo Tribunal Constitucional [artigo 283º da CRP]; 3- A sentença conflitua com o constitucionalmente consagrado princípio da separação de poderes, procedendo a regulamentação judicial não constitucionalmente admitida, pois é ao legislador que cabe a atribuição de suplementos [artigo 19º nº3 do DL nº184/89 de 02.06]; 4- Sem lei que permitisse a atribuição de tal subsídio, o recorrente não podia atribui-lo por sua iniciativa, dado a sua conduta assentar no princípio da legalidade, como previsto no artigo 266º nº2 da CRP e artigo 3º do CPA; 5- E assim tem sido decidido: a atribuição de suplementos remuneratórios é uma opção política do legislador, não lhe podendo ser imposta por via judicial; 6- A sentença, para além de assentar numa série de pressupostos que não foram provados, como se verá, conclui pela violação do princípio da igualdade, e fá-lo numa única frase: “Havendo identidade de conteúdo funcional, devem os funcionários ter direito ao mesmo sistema remuneratório, sob pena de violação do princípio da igualdade”; 7- Porém, não há violação do princípio da igualdade, pois que este tem que ser interpretado como o tem feito o Tribunal Constitucional: apenas são proibidas as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. Há uma igualdade material e não meramente formal; 8- Nunca a simples igualdade de funções, mesmo que existente, seria justificadora de igual regime remuneratório, pois que funcionários do regime geral com conteúdo funcional similar e idêntica categoria mas que trabalhem em diferentes áreas da Administração Pública poderão ter outros benefícios e regalias, diferentes regimes de saúde, distintos suplementos, etc.

9- Os réus apenas alegaram a equivalência de funções desempenhadas, relativamente a funcionários de outros tribunais superiores, e o acréscimo de funções, mas nada invocaram ou provaram sobre a verificação do pressuposto exigido para atribuição do suplemento em causa, isto é, nada referem sobre particulares condições em que tais funções sejam desempenhadas; 10- A especificidade do desempenho funcional nos Supremos Tribunais tem desde sempre justificado diferenças de remuneração entre os funcionários judiciais [com direito a perceberem a remuneração da categoria superior], o que nunca foi considerado como atentando contra qualquer princípio da igualdade; 11- Como tem sido pacificamente aceite, o direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias que recebe consagração constitucional é o próprio direito à remuneração do trabalho, direito este que aqui não está em causa, mas apenas o direito a um suplemento; 12- Mas são desde logo os pressupostos em que a sentença [como os réus] se baseia que não podem merecer acolhimento. O pressuposto base da sentença é a propalada “identidade de conteúdo funcional”, que, segundo a sentença, se iniciou “em Janeiro de 2004, com a Ordem de Serviço nº1/2004, secundada pelos protocolos entretanto assinados”; 13- As Ordens de Serviço [OS] emitidas pelo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, não são fonte de Direito e de nenhuma das juntas aos autos resulta a propalada identidade de funções desenvolvidas pelos funcionários da Relação de Coimbra e do STJ e STA; 14- A primeira OS, nº1/2004, limita-se a fazer uma sumária referência a um “novo regime de administração financeira do Estado” e a “um acréscimo significativo de trabalho”; a segunda, nº2/2004, a uma “entrada em real do Sistema de Recursos Humanos [SRH] neste tribunal, a partir do próximo mês de Novembro de 2004”; 15- Da OS nº2/2004 consta uma regra de extrema relevância e totalmente menosprezada pela sentença: “Quer a ordem de serviço 1/2004 quer a apresente serão repensadas quando entrar em vigor a Regulamentação da Autonomia Administrativa”; 16- Há entre as duas situações uma diferença essencial: no caso do STJ e do STA, as funções eram desempenhadas tendo por base um diploma legal que as previa e distribuía entre os diversos serviços, enquanto que para o Tribunal da Relação de Coimbra tal lei não existia; 17- Esta diferença é de tal modo relevante que os autores se vêem forçados a ficcionar a sua inexistência, pois que a invocada “violação do princípio da igualdade e da garantia constitucional de trabalho igual salário igual” é feita com base na comparação do regime contido no DL nº74/2002, para o STJ, com o virtualmente existente para o Tribunal da Relação de Coimbra; 18- Não cabia ao MJ a criação do suplemento em causa, pelo que o compromisso assumido nos Protocolos em que a sentença se baseia apenas uma “obrigação de meios” e não “de resultado”, e ali apenas se tratou de uma única competência, específica dos tribunais das relações e dos TCA’s, e, portanto, não comum ao STJ e STA - o pagamento das remunerações aos magistrados da 1ª instância – e só uma data ali se previa – Janeiro de 2005; 19- Um outro facto foi desatendido pelos réus e pelo tribunal: o decurso do tempo fez alterar os pressupostos para a invocada equiparação de regimes, pois o regime do funcionalismo público sofreu profunda reforma e as condições existentes em 1999, primeiro, e em 2002, depois, são muito diferentes das existentes desde 2005/2006; 20- E isso mesmo vem reflectido no diploma que atribuiu o subsídio aos réus, assim como no que prorrogou a sua aplicação, ambos assentando a sua transitoriedade na prevista alteração do regime remuneratório dos funcionários dos tribunais; 21- Mesmo que fosse aplicável o princípio da igualdade remuneratória, existiria aqui uma razão para distinguir, que, por não ser arbitrária, afastaria a violação de tal princípio; 22- Quanto aos subsídios de Natal e de férias, o suplemento remuneratório em causa não pode, sem lei que o permita, ter neles reflexo; 23- E não se trata de lacuna, que pudesse ser integrada pelo juiz. Estamos, antes, perante “silêncios eloquentes da lei”, que “não têm de ser supridos pelo juiz”, “lacunas impróprias [de lege ferenda, de jure constituendo] político-jurídicas, críticas, etc., que eventualmente poderão vir a desaparecer em futuros desenvolvimentos do sistema, a cargo dos órgãos competentes” [Parecer do CC da PGR nº70/99]; 24- Entre os réus existem funcionários que não têm qualquer intervenção nas funções em que aqueles fundam o pretenso direito ao subsídio, como resulta quer das respectivas categorias, quer da distribuição interna de funções; 25- Mesmo que a sentença recorrida viesse a ser confirmada, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, os seus efeitos sempre teriam que ser reduzidos, pois não pode aplicar-se antes do início de funções de cada funcionário, nem depois da sua cessação; 26- O subsídio não é aplicável aos motoristas, como claramente resulta do nº2 do artigo 17º dos DL’s nº73 e nº74/2002; 27- Não havendo qualquer incumprimento do recorrente, não pode este ser condenado em sanção pelo mesmo, natureza de que se reveste o juro moratório, pelo que, a serem devidos juros, apenas o poderiam ser desde o trânsito em julgado da sentença; 28- A condenação no pagamento de juros desde a citação é violadora do princípio constitucional da protecção da confiança, previsto nos artigos 2º e 9º, alínea b) da CRP, pois a sentença tem indubitável natureza constitutiva; 29- Ao preencher a denominada “omissão restrita”, a sentença cria uma norma e a regra geral vigente no ordenamento jurídico português é a de que as normas não têm aplicação retroactiva, como consta do artigo 12º do CC, pelo que também esta regra sai violada com esta decisão.

Termina pedindo a revogação da sentença, e a improcedência da acção administrativa comum [ordinária].

Os 23 autores contra-alegaram, concluindo assim: 1- No objecto do recurso supra transcrito no item I) omitem-se realidades que resultam do próprio texto da Lei em causa, os diplomas constantes dos DL’s nº28/2006, de 15.02, e nº29/2007, de 13.02; 2- E as razões economicistas que presidem ao discurso do Senhor Ministro da Justiça não são as que se encontram vertidas na previsão de tais diplomas e nem legitimam a subversão de direitos e interesses legalmente protegidos; 3- O recorrente usa o próprio equivoco não admitindo o erro e sufragando a inexistência de lei para efeito de, e não impugnando a matéria de facto, invocar a inexistência de pressupostos para a decisão, omitindo, deliberadamente o enquadramento fáctico em que se...

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