Acórdão nº 1740/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelJosé Correia
Data da Resolução04 de Dezembro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: 1.- Banco ..., SA, melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que negou provimento à impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2000 e respectivos juros compensatórios, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1a A decisão sob recurso determinou a improcedência da impugnação deduzida pelo ora Recorrente, porquanto, em suma, este último não terá alegadamente comprovado que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento, em condições análogas de uma entidade independente e os elementos por si apresentados não reuniam condições para que se provasse que a situação de elevado endividamento resultava da impossibilidade de recorrer a entidades independentes, por forma a obter um crédito nas mesmas circunstâncias; 2a Ao contrário do entendimento subscrito na decisão sob recurso, a liquidação adicional em causa, porque fundamentada na aplicação do disposto no artigo 61° do CIRC, na redacção que tal preceito tinha em 2000, viola manifestamente, e desde logo, o princípio da liberdade de estabelecimento; 3a Com efeito, a redacção daquele preceito que, à data da verificação do facto tributário em crise, se encontrava em vigor, consagrava uma situação de manifesto desfavorecimento das entidades residentes que recorressem ao financiamento junto de residentes na União Europeia, pelo simples facto de com estas manterem relações especiais, violando as normas que, em sede de Direito Comunitário, determinam que qualquer tratamento de favor, qualquer privilégio que não encontre fundamento numa disposição do Direito Comunitário é contrário à ordem jurídica que rege a comunidade; 4a Isto porque os princípios da igualdade e não discriminação têm, no domínio da harmonização económica, uma tradução fundamental na afirmação do princípio da liberdade nos seus quatro vectores essenciais: a liberdade de circulação de pessoas; a liberdade de circulação de mercadorias e serviços e a liberdade de circulação de capitais. Na sua vertente de "direito de estabelecimento " previsto nos artigos 43° a 48° do Tratado (artigos 52° a 58° na numeração anterior ao Tratado de Amesterdão), o princípio da livre circulação de pessoas deve traduzir-se na possibilidade de livre acesso, por um nacional de um Estado membro ao exercício de qualquer actividade não assalariada e à constituição de empresas noutro Estado; 5a Nessa medida, conclui-se que o artigo 61° do CIRC viola o princípio que estabelece que um nacional de um Estado-membro que desenvolva a sua actividade em outro Estado-membro através de uma empresa (seja sob a forma de sociedade, agência, sucursal ou outra) deve beneficiar do mesmo tratamento que no Estado-membro em questão seja conferido às empresas aí constituídas e que não tolera quaisquer discriminações em função da nacionalidade que dificultem a liberdade de estabelecimento e a instituição do mercado único e harmonização tributária; 6a E nem sequer se diga, tal como faz o Tribunal Recorrido, que, de acordo com o estipulado pelo actual artigo 58°, n° l, alínea a), do Tratado de Roma, a liberdade de circulação de capitais não prejudica o direito dos Estados Membros aplicarem disposições do seu direito interno que não constituam meios de discriminação arbitrária, porquanto não se concebe regra mais discriminatória do que aquela que impõe limites ao endividamento apenas por este ser constituído por uma entidade residente perante outra, não residente, que com ela tenha relações especiais; 7ª A tributação em causa viola, igualmente, o princípio da igualdade, na medida em que inexiste no ordenamento jurídico português uma norma idêntica no que às situações de endividamento de entidades residentes perante outras, igualmente residentes e que com aquelas tenham uma relação especial, concerne; 8a Nada impede, com efeito, que uma sucursal, sujeito passivo de IRC em Portugal, se financie através de uma entidade residente, com quem mantenha uma relação especial das tipificadas no artigo 58°, n° 4, do CIRC, sem que a essa operação seja atribuída uma presunção do tipo da consagrada no artigo 61° e, em consequência, corrigido o excesso de endividamento, donde se conclui que o tratamento conferido à situação de endividamento de um nacional, sujeito passivo de imposto, perante outro nacional não é o mesmo do concedido ao endividamento daquele perante um não residente; 9a Acresce que a questão decidenda já se encontra hoje inequivocamente resolvida, na medida em que a actual redacção do artigo 61° do CIRC consagra, de forma expressa, que "Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade que não seja residente em território português ou em outro Estado membro da União Europeia com a qual existam relações especiais, nos termos definidos no n° 4 do artigo 58°, com as devidas adaptações, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável", assim reconhecendo a ilegalidade da redacção anterior por violação dos referidos princípios; 10a Mas ainda que se admitisse não serem as referidas norma, liquidação sub judicie e decisão recorrida, ilegais e inconstitucionais por violação do Tratado CE, bem como da própria CRP, carece de qualquer fundamento legal a exigência feita pelos serviços de inspecção da Administração Tributária, no sentido de fazer depender o preenchimento da prova a que se refere o n° 6 do artigo 61° do CIRC da apresentação de um documento emitido por uma instituição de crédito independente; 11a Com efeito, não só o referido preceito não disciplina o meio de prova através do qual deve ser concretizado o ónus ali consagrado, como, se é admissível que se possa exigir de uma empresa multinacional comercial ou industrial subcapitalizada, de acordo com os critérios vertidos no artigo 61° do CIRC, que demonstre que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento perante uma instituição de crédito, por não ser normal o impugnação a financiamentos tão elevados face ao investimento estimado em capital, já o mesmo não sucede relativamente a instituições que, pela própria natureza da sua actividade, carecem de níveis de endividamento que, pela sua magnitude, nunca seriam assegurados em condições normais de mercado por uma só entidade; 12a De outra forma, a presunção ali consagrada poderia transmutar-se, afinal, em uma presunção inilídivel, e, como tal até inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na sua vertente de igualdade vertical, e dos princípios da capacidade contributiva e da tendencial tributação pelo lucro real; 13a O Recorrente é um banco especializado na concessão de crédito ao consumo, que, como tal, actua em forte concorrência com os demais bancos especializados, sociedades financeiras e o mercado financeiro em geral, carecendo, por isso, de elevados níveis de financiamento que lhe permitam não só exercer a sua actividade corrente, mas também de a expandir, sem que tais carências justifiquem, objectivamente, no entanto, o reforço dos capitais próprios da instituição, uma vez que os seus rácios de solvabilidade do impugnante se têm apresentado permanentemente, desde a sua constituição, bem acima do limite de 8% estabelecido pelo Banco de Portugal; 14a Por fim, refira-se que o Recorrente procedeu ao pagamento voluntário da totalidade do imposto e juros compensatórios liquidados, pelo que, sendo manifesto o erro de qualificação e subsunção fáctica e jurídica que subjaz à liquidação sob censura, a procedência do presente recurso não só deverá determinar o reembolso ao Recorrente do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos, como ainda o pagamento dos juros indemnizatórios incidentes sobre aqueles, nos termos do disposto no artigo 43° da Lei Geral Tributária e no artigo 61° do CPPT.

A Fazenda Pública não contra-alegou.

E EPGA emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso (vd. fls. 294).

Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais.

A recorrente veio ainda juntar um documento consubstanciando informação vinculativa da DGI prestada no âmbito do processo nº 1195/2005 e que se pronuncia sobre matéria em tudo idêntica à controvertida nos presentes autos (fls. 296 a 300).

Ouvidos a parte contrária e o MP sobre o teor de tal informação, nada disseram.

*2 - A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto: 1) A impugnante integra o grupo financeiro francês BNP, implantado em Portugal desde 1993, sendo detido em 99,99% pela sociedade ..., S.A. (França), a qual por sua vez é integralmente detida pelo Banco BNP Paribas, S.A. (França).

2) No decurso de 2003, a ora impugnante foi objecto de procedimento externo de inspecção tributária levado a cabo pela DSPIT da DGI, com incidência sobre o resultado fiscal referente aos exercícios de 2000 e 2001.

3) Em resultado da referida acção inspectiva, a ora impugnante foi notificada, em 5/12/2003, da decisão definitiva da AT proceder à realização de correcções ao lucro tributável dos exercícios inspeccionados, nos montantes, ora objecto de impugnação, de € 48.136,84 e € 2.065.436,52, respectivamente para 2000 e 2001, correspondentes ao valor dos custos com os juros de empréstimos considerados não dedutíveis ao abrigo do disposto no art. 57°-C (61°) do CIRC.

4) A IT detectou: a) que a ora impugnante obteve empréstimos de médio e longo prazo, destinados a financiamento da sua actividade corrente de intermediação financeira, junto de uma entidade não residente [a BNP Paribas (França)] - que é, como acima se referiu, uma sociedade detentora da totalidade do capital social da sociedade ... S.A. (França), entidade não residente que, por sua vez, é detentora, no exercício em causa, de 99,9% do capital social da impugnante. Tal facto veio confirmar a existência...

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