Acórdão nº 08113/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelRUI PEREIRA
Data da Resolução10 de Novembro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A “Associação de Empresários de Quarteira e Vilamoura”, “Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve”, “ACRAL – Associação de Comércio e Serviços da Região do Algarve”, “Associação Nacional de Jovens Empresários, Núcleo do Algarve”, A...

e B...

, melhor identificados nos autos, intentaram no TAF de Loulé contra o Município de Loulé, como preliminar duma acção popular, uma Providência Cautelar nos termos dos artigos 112º e segs. do CPTA, pedindo “a suspensão da deliberação da Câmara Municipal de 27-10-2010, que decidiu aprovar o Relatório de Participação Preventiva Inicial no âmbito do processo de elaboração do Plano de Urbanização Caliços-Estevar e que aprovou a Minuta de Contrato para Planeamento a celebrar com o Grupo IKEA”.

Indicaram como contra-interessadas as sociedades “C...Portugal – Móveis e Decoração, Ldª” e “D...C...Centre Portugal, SA”.

Por sentença datada de 7-7-2011, a providência em causa foi julgada improcedente [cfr. fls. 385/411 dos autos].

Inconformados, os requerentes interpuseram recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo concluído a respectiva alegação do seguinte modo: “I – A fundamentação do julgamento da matéria de facto, constante da douta sentença recorrida, não consigna factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa; II – Não é claro, na fundamentação do julgamento da matéria de facto, onde foi a douta sentença colher os factos ali consignados.

Na verdade, III – A maior parte dos factos que foram considerados provados foram colhidos das declarações prestadas em juízo pelas testemunhas indicadas pelas contra-interessadas C...PORTUGAL e D...C...CENTRE PORTUGAL, SA.

Ou seja, IV – Os factos considerados provados não têm correspondência nas alegações das partes.

Acresce que, V – Os factos a que as testemunhas foram indicadas não foram considerados provados, dado que nem constam do julgamento da matéria de facto.

Pelo exposto, VI – É de considerar que a douta sentença recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 668º, nº 1, alínea b) e 653º, nº 2, ambos do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1º do CPTA.

Por outro lado, VII – A douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, ao considerar não verificado o requisito do perigo de constituição de facto consumado ou de produção de prejuízo de difícil reparação [periculum in mora], constante da 1ª parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.

Com efeito, VIII – Os ora recorrentes alegaram [e consideram provado] que a concretização do PUCE vai implicar a reclassificação de solo rural em solo urbano, e essa modificação tem carácter irreversível, dado que altera irreversivelmente a topografia mediante uma acção de aterro ou desaterro que definitivamente modifica a cota dos terrenos e o perfil dos solos, impedindo doravante qualquer uso agrícola dos mesmos; IX – A irreversibilidade da reclassificação cria uma situação de óbvia impossibilidade de restauração natural, o que implica uma situação de facto consumado, impossível de reverter.

Pelo exposto, X – É tendo em conta que os dois requisitos [perigo de constituição de facto consumado ou de produção de prejuízo de difícil reparação] funcionam em alternativa, é de considerar comprovado o requisito de concessão da providência cautelar do "periculum in mora", previsto na 1ª parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA; XI – A inexistência de circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da questão suscitada, requisito previsto na 2ª parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, é igualmente de considerar verificada, em face do despacho sobre as questões prévias/excepções constante dos autos, e cuja fundamentação pode ser considerada extensível às questões prévias/excepções suscitadas na acção principal.

XII – Quanto ao requisito da não manifesta falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal [fumus bonus iuris], previsto no mesmo segmento normativo, há a referir que os vícios alegados pelos ora recorrentes se devem considerar provados por documentos e, principalmente, pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelas contra-interessadas.

Com efeito, tais depoimentos comprovam: XIII – Que a localização do investimento foi determinada pelos critérios económicos definidos pelas contra-interessadas, em vez de por critérios de respeito pelos princípios e normas aplicáveis numa sã e correcta gestão do território do município de Loulé, que à C.M. Loulé compete fazer respeitar; XIV – Que a C.M. Loulé optou pelo plano de urbanização, em vez da alteração ao PDM recomendada pela CCDR-A, porque foi isso que as contra-interessadas exigiam para dar mais celeridade ao processo; XV – Que a C.M. Loulé, inclusivamente, consignou no estudo prévio a inexistência de localização alternativa à do eixo Loulé-Sul unicamente porque as contra-interessadas não se satisfariam com as localizações alternativas existentes.

Pelo exposto, XVI – É de considerar tais condutas uma inversão dos princípios e valores que subjazem à filosofia do planeamento e ordenamento do território, e, consequentemente, XVII – É de considerar comprovada a não manifesta falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal [fumus bonus iuris], requisito igualmente previsto na 2ª parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA; XVIII – Da consideração dos interesses públicos e privados em presença [requisito previsto no nº 2 do artigo 120º do CPTA] resulta claramente que os danos que poderão eventualmente resultar da concessão da providência requerida para as contra-interessadas são substancialmente inferiores àqueles que podem resultar da sua recusa, não podendo os mesmos ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

” [cfr. fls. 441/462 dos autos].

O Município de Loulé contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: “I – A sentença recorrida, foi proferida no âmbito de um procedimento cautelar, pelo que, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, está profusa e correctamente fundamentada, decorrendo aliás da simples leitura dos factos provados, que relativamente a cada um, é individualizado e especificado o meio de prova e as razões em que se sustenta a decisão.

II – No mesmo sentido, em sede de MOTIVAÇÃO DE FACTO, consta da douta sentença recorrida que, [...] A convicção do tribunal baseou-se no teor de toda a documentação junta aos autos [documentos que acompanharam os respectivos articulados e os que foram juntos posteriormente], na documentação constante do Processo Instrutor, bem como, do depoimento das testemunhas ouvidas.

As testemunhas arroladas pelas contra-interessadas, revelaram um conhecimento directo, imediato e técnico sobre a matéria em discussão e mereceram credibilidade.

Assim, em síntese, ilustram-se em que medida foram tidos em consideração os testemunhos.

III – Assinale-se que "[…] O processo cautelar é, por isso, um processo célere, dirigido a estabelecer uma regulação provisória, em que se procede a uma apreciação sumária dos factos, com base na formulação de juízos de verosimilhança. [...]" [cfr. anotação ao artigo 113º, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Mário Aroso de Almeida – Carlos Alberto Fernandes Cadilha].

IV – A sentença recorrida pronunciou-se detalhada e separadamente, na apreciação dos diversos requisitos consagrados no artigo 120º do CPTA, pelo que carece de fundamento a "incorrecta subsunção dos factos no artigo 120º do CPTA", alegada pelos recorrentes.

V – Relativamente ao requisito previsto na alínea a) do artigo 120º, nº 1 do CPTA, a sentença recorrida explicita as diversas razões em que alicerça a sua não verificação, conforme transcrição supra efectuada.

VI – Da mesma forma, quanto ao requisito de "periculum in mora", consagrado no artigo 120º, nº 1, alínea b) do CPTA, detalhada e fundamentadamente entendeu-se na sentença recorrida, que "[…] Falecem, assim, porque não demonstrados, os argumentos aduzidos pelos requerentes no tocante ao fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, não se encontrando, pois verificado o requisito do "periculum in mora".

VII – O entendimento perfilhado resulta ainda do facto de inexistirem quaisquer razões, quer de facto, quer de direito, para que justifiquem a interposição da presente providência cautelar, sendo certo que a sua interposição será(ia) mais oportuna, quando forem conhecidas as prescrições e conteúdo do PUCE, sublinhando-se que os potenciais danos aos valores e princípios alegadamente defendidos pelas recorrentes, poderão ser defendidos posteriormente, sem qualquer compressão ou limitação.

VIII – A douta sentença recorrida apreciou ainda os restantes critérios consagrados no artigo 120º do CPTA, concluindo que, "[...] por se constatar a falta de um requisito, nos termos anteriormente expostos, está impedida a aplicação do critério da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, pela sua não verificação. Pelo exposto, considera-se não estarem preenchidos os pressupostos da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, que possibilitam a concessão da providência requerida, devendo a mesma ser recusada. Pelo que, se decide não conceder a providência cautelar requerida, de suspensão de eficácia […]".

XIX – Assinale-se por último que, entende-se que a presente providência cautelar é precipitada e prematura, porquanto apesar do conteúdo do plano ter sido objecto de contratação com os interessados [que, para ser legítima, tem de resultar sempre de uma ponderação e confronto antecipados entre o interesse do co-contratante e o interesse público], não pode a câmara municipal deixar de ponderar, no procedimento de elaboração do plano, todos os interesses que lhe sejam trazidos, pelo que só após a sua aprovação será possível, com rigor, aferir as suas prescrições e...

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