Acórdão nº 02977/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução29 de Novembro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Nabil ..., com os sinais nos autos, inconformado como acórdão proferido pelos Mmos. Juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa dele vem recorrer concluindo como segue: 1. O Tribunal a quo não valorou, apreciou ou fez uma análise crítica, devidamente circunstanciada, dos meios de prova carreados para os autos, limitando-se a tecer uma desvalorização genérica do respectivo teor.

  1. O Tribunal a quo não podia abster-se de valorar os documentos oferecidos pelo Recorrente, mesmo os não escritos em português, antes deveria ter convidado o Autor, se assim o entendesse, a apresentar traduções certificadas desses documentos 3. O Recorrente defende que nos documentos dos autos encontram-se sobejos elementos que abalam os fundamentos da decisão recorrida e comprovam a manutenção dos pressupostos que justificaram as anteriores concessões de autorização de residência, por nada ter mudado no Egipto, desde 2001, quanto ao respeito pelos direitos humanos.

  2. Os documentos entregues pelo Autor reflectem, com clareza, a existência no Egipto de manifestações contra práticas de tortura reprimidas pela polícia, o rapto no estrangeiro, prisão sistemática e tortura de opositores ao regime, maxime candidatos da oposição e realização de eleições fraudulentas.

  3. O Estado de emergência continua vigente, bem como a prática sistemática de tortura, mortes de detidos políticos, impunidade dos agentes de violações de direitos humanos e restrições de liberdade de expressão e associação.

  4. Ao contrário do pugnado pelo Tribunal a quo, o Autor logrou documentar e provar, a manutenção, senão agravamento, da situação de violação grave de direitos humanos e das regras do jogo democrático, suficientemente justificadora da concessão do impetrado.

  5. Por outro lado, os documentos apresentados, emanados de ONG's e agências ou meios de imprensa insuspeitos, demonstram, inequivocamente, a existência de asserções e conclusões incorrectas constantes do parecer que fundamentou o acto impugnado.

  6. É insustentável afirmar no relatório do CNR como passo positivo a realização de eleições quando o processo eleitoral, especialmente, as eleições presidenciais e parlamentares foram completamente fraudulentas e estão longe de poderem ser consideradas transparentes e justas (vd. relatórios da AI e da HRW juntos aos autos) 9. Sendo o Recorrente um declarado opositor ao regime vigente, existe fundado receio para crer que, caso não obtenha asilo e tenha de regressar ao Egipto seja alvo de novas medidas de repressão e represálias, incluindo prisão e tortura, tal como sofreu no passado.

  7. Ao não sopesar, devidamente, os elementos factuais carreados pelo Autor para os autos, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento dos respectivos pressupostos de facto e viola, ostensivamente, o artigo 8° n° l da Lei 15/98.

  8. O Recorrente fez prova bastante do alegado, verificando-se, assim, todos os pressupostos de aplicação do normativo supra.

    * O Recorrido Ministério da Administração Interna não apresentou contra-alegações.

    * Com dispensa legal de vistos substituídos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

    * Em 1ª Instância foi julgada provada a seguinte factualidade: A.

    Em 3.1.2006, Nabil Ibrahim Osman foi notificado da decisão de indeferimento do seu pedido de renovação da autorização de residência por razões humanitárias com o seguinte teor:" "No uso da competência delegada por Despacho nº 10 494/2005 de Sua Excelência o Ministro de Estado e da Administração Interna, datado de 29 de Abril, publicado no Diário da República n.º 91, II Série de, II de Maio de 2005, com fundamento na Proposta do Comissariado Nacional para os Refugiados e nos termos do nº 3 do art.° 8º da Lei nº 15/98 de 26 de Março, não é concedida renovação da autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão de nacionalidade egípcia NABIL IBRAHIM OSMAN, dada a falta de fundamentos legais e de facto que o justifiquem.

    Nos termos do artº 25º conjugado com o art.° 2º do mesmo diploma, o cidadão pode permanecer em território nacional durante um período de 30 dias, findo o qual fica sujeito à legislação sobre estrangeiros." - (cfr. doc. 1 de fls. 62 e 63 dos autos em suporte de papel que se dá por reproduzido); B.

    A Proposta do Comissariado Nacional para os Refugiados a que se refere o despacho que antecede tem o seguinte teor: "Assim propõe-se que seja indeferido o pedido formulado pelo requerente NABIL HIBRAHIM OSMAN, de renovação de autorização de residência por razões humanitárias, a que se refere o art. 8°, nº 2, da Lei nº 15/98, de 26 de Março, dada a falta de fundamentos legais e de facto que o justifiquem." - (cfr. de fls. 562 a 567 do p.i. ibidem); C.

    A Proposta que antecede constitui a conclusão do Relatório do Alto Comissariado Nacional para os Refugiados, de 3.10.2005, do qual consta: "1.1.Por douto despacho proferido em 21 de Junho de 2001, foi concedida autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão de nacionalidade egípcia NABIL IBRAHIM OSMAN - pelo período de um ano - fls. 353.

    Em 24 de Junho de 2002 o mesmo requerente veio solicitar a renovação da autorização concedida, nos termos do nº 2 do artigo 8° da Lei nº 15/98, de 26 de Março, renovação essa que lhe foi deferida, por mais um ano, conforme decisão de fls 436.

    Em 20 de Junho de 2003, o mesmo veio solicitar, de novo, a renovação da autorização de residência, a qual veio a ser deferida por mais um ano, conforme decisão de fls. 480 E novamente o mesmo aconteceu em 2004, - fls. 486 - obtendo o requerente o despacho de deferimento de fls. 530, também por um ano.

    1.2 Vem agora o referido o cidadão NABIL IBRAHIM OSMAN requerer nova renovação, que será a última, nos mesmos termos, - fls. 534.

    Tomadas declarações ao requerente, como consta de fls. 535 e seguintes, refere que pediu a renovação da autorização pelo facto de a mesma ter caducado e porque se regressasse ao seu país continuaria a correr riscos de perseguição, receando pela sua integridade física.

    Acrescenta que a actuação do regime egípcio continua sem alteração, nomeadamente neste último ano, sendo perseguidos os dissidentes, como é o seu caso.

    Como exemplo junta a notícia de um jornal português, em que se refere que o cidadão egípcio Hasan Nasr, que tinha o estatuto de refugiado em Itália foi aí raptado e levado para o Egipto.

    Continua a viver em Portugal, onde é empresário da construção civil, já desde 2001, com uma empresa de nome Namirca Construção Civil Unipessoal, Lda, residindo na Rua de Arroios nº 25, 1°, Dto., em Lisboa Juntou vários documentos, conto cartão da segurança social, cartão de identificação fiscal, de pessoa colectiva e singular e declaração de rendimentos.

    Foi junto relatório da situação político-militar no Egipto, como se seguintes.

  9. Fundamentação 2.1. De facto: 2.1.1. Está provado que: - Por douto despacho proferido em 21 de Junho de 2001, foi concedida autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão de nacionalidade egípcia NABIL IBRAHIM OSMAN, pelo período de um ano - fls. 353.

    - Esta autorização foi renovada três vezes, em 2002, 2003 e 2004, tendo o requerente pedido novamente a sua renovação, por mais um ano, com base no argumento de que a situação no seu país se mantém, com incidência na sua esfera pessoal, como dissidente do regime que governa o Egipto - Em resumo, resultante de busca sobre a situação política e social do Egipto, sabe-se que as condições de vida no país são de facto semelhantes há muitos anos, nomeadamente desde a substituição do Rei Farouk por Nasser, em 1952.

    - Com efeito: De acordo com a constituição, o Egipto é uma social-democracia, sendo o islamismo a religião oficial do estado O Partido Nacional Democrático (PND) tem governado o país desde a sua criação, em 1978. O PDN continua a dominar a política nacional e a manter uma maioria primordial na Assembleia do Povo e no Shura - Gonselho Consultivo, eleitos respectivamente de forma directa e parcial pelo voto popular.

    Depois de três guerras com Israel (1948, 1967 e 1973), em 1979 o Egipto assinou o acordo de paz de Camp David com o seu adversário, um dos passos históricos adoptados peio presidente Anwar Sadat.

    No entanto, a assinatura do acordo culminou na expulsão do Egipto da Liga Árabe até 1989 e no assassinato de Anwar Sadat, por radicais islamitas, em Outubro de 1981 Hosni Mubarak seu vice-presidente e sucessor, esforçou-se por recuperar o prestigio do Egipto no mundo árabe e empreendeu um programa para reformar e reforçar a economia, o que permitiu a entrada do pais no mundo das tecnologias, e aproximou o Egipto dos Estados Unidos, convertendo o num dos principais aliados da Casa Branca no Médio Oriente.

    Em 1992 Mubarak começa a fazer frente a um dos maiores desafios do seu Governo, o aparecimento de movimentos radicais violentos, que perpetraram centenas de atentados no país, alguns dos quais visando turistas e zonas turísticas.

    Combatidos com "mão de ferro", os grupos radicais Jihad Islâmica e Gamaa Islâmica entregaram as armas em 1998, depois de uma operação das forças de segurança que se saldou num elevado número de mortos e em milhares de presos políticos.

    Nos últimos anos, o regime de Mubarak viu-se, no entanto, a braços com escândalos de corrupção e o fracasso de algumas políticas, nomeadamente a implementação de uma economia de mercado e a privatização de empresas públicas, abrindo o caminho ao ressurgimento da oposição.

    Aos escândalos e fracassos políticos juntaram-se as manifestações de milhares de pessoas, desafiando a Lei de Emergência, em vigor desde 1981, e as pressões norte-americanas no sentido de serem realizadas reformas democráticas no país Os activistas alegam que a Lei de Emergência restringe a expressão política, Mubarak decide então fazer o referendo constitucional que permite, pela primeira vez na história do país, a realização de eleições presidenciais pluralistas e directas. Porém, os potenciais candidatos teriam de...

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