Acórdão nº 08045/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução20 de Outubro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A...UK Limited, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. Os direitos de propriedade industrial da Recorrente, decorrentes da Patente 513917 e do CCP 14 são válidos e encontram-se plenamente em vigor, conforme ficou demonstrado pelas certidões dos respectivos títulos juntos aos autos e pela presunção da sua validade, de acordo com, respectivamente, os artigos , n°2 e 35° n° l do Código da Propriedade Industrial.

  1. O facto alegado pela Recorrente no requerimento inicial que o Genérico Combivir da Contra-Interessada contém exactamente a mesma combinação de substâncias que é descrita e protegida pela Reivindicação l da Patente 513917 não foi impugnado nem pelo Infarmed nem pela Contra Interessada.

  2. Nesses termos, deve considerar-se provado o facto de o medicamento da Contra-Interessada cair no âmbito dos DPI da Requerente.

  3. Nem o Infarmed nem a Contra Interessada B...alegaram, de resto, quaisquer factos que levassem à concluir pela não violação das reivindicações da Patente pelo Genérico Combivir.

  4. A Patente confere ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, que se traduz na proibição legal de qualquer terceiro, sem o consentimento do seu titular, explorar o invento patenteado, por qualquer das formas definidas no artigo 101.° n.º 2.° do CPI, durante o seu período de vigência (artigos 101.° e 32.° n.° 4 do CPI).

  5. O direito de exclusivo emergente da titularidade de uma patente e do CCP goza "das garantias estabelecidas para a propriedade em gerar, nos expressos termos do art.° 316.° do Código da Propriedade Industrial.

  6. E sendo um direito de propriedade privada é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental com a natureza de ''direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição.

  7. E a natureza de direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e garantias, tem sido pacificamente aceite pela doutrina e sistematicamente confirmada pela jurisprudência.

  8. O dever de respeito e protecção dos direitos fundamentais por todos e, nomeadamente, pelas autoridades administrativas, consagrado no artigo 18° da Constituição, constitui um princípio de ordem pública bem definido.

  9. De acordo com o disposto no 4° do Anexo da Deliberação n° 147/CD/2008 do Infarmed, conjugado com o artigo 54.° n.°2 do Estatuto do Medicamento, o acto de atribuição do número de registo é um acto pelo qual o Infarmed concede a um titular de uma AIM a permissão para que o mesmo comercialize em Portugal o medicamento objecto dessa AIM.

  10. Assim, o acto de atribuição de número de registo ao Genérico Combivir é um acto administrativo que pode ser impugnado perante os tribunais administrativos.

  11. As autoridades dos estados-membros podem proibir a comercialização, nos seus territórios, de medicamentos objecto de AIMs concedidas pela Comissão Europeia, por violação de "conceitos objectivamente definidos de ordem pública ou moral pública", como se prevê no considerando 13) do Regulamento (CE) 726/2004.

  12. Neste quadro, impunha-se ao Infarmed que, no caso destes autos, sobrestasse na atribuição do registo, porque lhe estava vedado por um princípio de ordem pública nacional e comunitário claramente estabelecido viabilizar a violação dos direitos de propriedade industrial da Requerente.

  13. O acto suspendendo é ilegal por directamente violador da Constituição e nulo por se destinar a viabilizar a violação de um direito fundamental e ter por objecto imediato uma actividade considerada pela lei como um crime.

  14. Nestes termos, o pedido formulado na acção principal é manifestamente fundamentado, encontrando-se, pois, preenchido o requisito do fumus boni juris.

  15. O principal objectivo da providência cautelar é assegurar o efeito útil da decisão na acção principal, nos termos do disposto no n.° l do artigo 112.° do CPTA.

  16. Sendo que o risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto é o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil.

  17. Apenas se esse risco não existir os danos de difícil reparação deverão ser considerados.

  18. Com a prolação do acto suspendendo e do acto que se pretende evitar é evidente a iminente comercialização do Genérico Combivir que resulta numa situação de facto consumado e retirará toda a utilidade à acção principal, tornando imperativa e urgente a concessão das medidas cautelares aqui requeridas adequadas a assegurar o efeito útil da decisão na acção principal.

  19. Mesmo que se não considerasse tal situação como a de facto consumado, a verdade é que a não concessão desta providência iria implicar a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Recorrente visa assegurar na acção principal.

  20. A comercialização do Genérico Combivir causará à Recorrente a privação, contra a sua vontade, do gozo do direito ao exclusivo de exploração da invenção que a Patente lhe confere, que constitui o cerne do direito de propriedade industrial ao qual tem direito e que integra o seu património imaterial, uma situação que é, em todos os aspectos, equivalente à privação, com violência, da posse de um bem pertencente à Recorrente.

  21. E tal constitui uma ofensa ao direito de propriedade industrial da ora Recorrente causadora de um dano imaterial, que consiste numa remoção temporária de um bem que faz parte do seu património, que não poderá ser reparado ainda que uma compensação financeira seja posteriormente atribuída pelo Tribunal.

  22. A compensação duma tal privação seria insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao monopólio legal da comercialização do invento, pelo que os danos resultantes da concessão da providência serão inferiores ao que resultam da sua rejeição.

  23. A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento.

  24. A douta decisão recorrida violou e fez má interpretação de diversos normativos legais, entre eles se contando os artigos 490.° n.° 2, 511.°, e 664° do CPC, aplicáveis por força do art. 1° do CPTA, e bem assim os artigos 112.° e 120 n°l b) do CPTA, artigos 133.° n.° 2, c) e d) e 135.° do CPA e artigos 17.°, 18.°, 62.° e 266.° da Constituição bem como os princípios do dispositivo e do contraditório consagrados no artigo 264.° do CPC.

    * O Infarmed – Autoridade Nacional do medicamento e Produtos de Saúde, IP, ora Recorrido, contra-alegou concluindo como segue: 1. Na presente demanda, a ora Recorrente deduziu uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de actos de atribuição de números de registo, tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal ao quo.

  25. In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adopção da mencionada providência cautelar.

  26. É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que os actos de atribuição de números de registo são actos inimpugnáveis.

  27. Da factualidade e do regime aplicável aos actos de atribuição de números de registo, estes são actos insusceptíveis de lesar os direitos de propriedade industrial da Recorrente.

  28. De acordo com o regime de atribuição de números de registo, o INFARMED tem a sua actuação totalmente vinculada, cabendo-lhe apenas verificar se existe uma AIM emitida previamente pela União Europeia, estando-lhe vedada a aferição de quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros.

  29. Para além do mais, os direitos de propriedade industrial não configuram um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.° do CPA.

  30. Ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do art. 62° da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir actos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado.

  31. Dada a "arquitectura de partes" prevista no EM, e sendo a ora Recorrente uma interessada secundária para efeitos de aplicação do artigo 55° do CPA, não existe qualquer violação deste dispositivo, uma vez que dos actos de atribuição de números de registo não decorre qualquer risco de lesão para a Recorrente.

  32. Bem andou o douto Tribunal a quo ao julgar não verificada a previsão do artigo 120.°/1/a) do CPTA, já que é manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que os actos de atribuição de números de registo são inimpugnáveis, e não padecem de quaisquer vícios autónomos.

  33. Para além do mais, não se verifica também o pressuposto periculum in mora, visto que inexiste um fundado receio de facto consumado ou da verificação da produção de prejuízos de difícil reparação.

  34. A Recorrente não fez prova do periculum in mora, prova essa que se diga ser impossível, visto que os prejuízos que invoca não resultam dos actos de atribuição de números de registo cuja suspensão se requer, mas antes da efectiva comercialização dos medicamentos.

  35. A verificarem-se prejuízos, estes seriam sempre decorrentes da comercialização e não da atribuição de números de registo, não existindo qualquer nexo de causalidade entre aqueles e os actos de atribuição de números de registo.

  36. Neste sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2008, que perfilhou a tese que defende a inexistência de qualquer causalidade adequada entre os actos de AIM, e por isso ainda menos em relação aos actos de atribuição de números de registo, e os eventuais prejuízos invocados pela Recorrente.

  37. Ainda que a Recorrente tivesse logrado provar qualquer prejuízo com a concessão dos actos de atribuição de números de registo, o...

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