Acórdão nº 00991/05.5BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelJos
Data da Resolução15 de Julho de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório O Estado Português interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro – 15.04.2010 – que o condenou a pagar à sociedade autora H…, SA, a quantia de 348.487,19€, com juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento – a sentença recorrida culmina acção administrativa comum em que a sociedade ora recorrida demanda o Estado Português [EP] pedindo ao TAF de Viseu a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 356.515,81€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, fazendo-o com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, por acto lícito de gestão pública, que imputa à Direcção Geral de Fiscalização e Controlo Alimentar, que está integrada no Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas.

Conclui assim as suas alegações: 1- O valor da indemnização em que o réu foi condenado não poderá ser aferido pelo custo da produção, como foi, mas pelo valor de mercado da carne de aves, pois esta destinava-se à venda, aliás já se encontrava no início do circuito de venda, uma vez que estava congelada, e era esse o valor que a autora receberia, quaisquer que fossem os seus custos de produção, era essa a situação que existiria se não fosse a sua destruição, sendo pois esse o valor que os artigos 562º e 564º nº1 CC determinam que se deverá atender; 2- Não se poderá considerar que a autora poderia vender o frango congelado quando muito bem entendesse, atenta a cadeia de produção de frango, com necessidade de armazenamento deste como aqui ocorreu [de outro modo não se justificam os custos de armazenamento em que o réu foi condenado]; 3- Sendo que o que está aqui em discussão é o valor dos frangos à data dos factos, da apreensão para destruição, altura em que saíram da esfera jurídica da autora, tendo esta direito a indemnização pelo que não recebeu pela interrupção do seu circuito;4- Assim, o valor a considerar será o valor de mercado do frango fresco, constantes dos boletins do SIMA, juntos aos autos pelo réu, com uma desvalorização de 20% como foi referido pela sua última testemunha, na semana à data da apreensão, ou, pelo menos, o que obtém para a dita quantidade de frango tendo em conta o valor, facturado e restituído, dito no ponto 20 da matéria assente, que é diferente do custo de produção; 5- Não tendo assim sido feito, e decidindo-se, na forma aludida, no julgamento da matéria de facto, foram violados os artigos 653º nº2 e 659º nº3, do CPC, e 562º e 564º nº1 CC; 6- Não foi alegado pelo réu, quanto à causalidade, a existência de causa virtual, a qual se encontra tipificada na lei para as situações em que opera, mas antes a causalidade adequada, entendida esta conforme o disposto no artigo 563º CC, nos termos do qual “a indemnização só cobrirá aqueles danos cuja verificação era lícito nessa altura prever que não ocorressem, se não fosse a lesão. Ou, por outras palavras: o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido”, sendo que a causalidade adequada se refere ao “ processo factual que, em concreto, conduziu ao dano”; 7- Pese embora a actuação do réu seja a causa directa e imediata dos prejuízos da autora, aquela só ocorre atenta a crise dos nitrofuranos, pela qual o sector, onde a autora se insere, é responsável, não o sendo de todo o réu; 8- Tendo em conta o acima referida no que respeita à causalidade adequada, os prejuízos que a autora sofreu não são os que decorreriam adequadamente da actuação do réu, já que, atento os pontos 27 a 34 e 38 da matéria de facto dada como provada, se retira que o consumo de carne de frango era praticamente nulo, sendo muito baixo o preço da pouca que era vendida, não havendo, praticamente, consumidores para a mesma, que chegou a estar sem cotação no mercado oficial, havendo uma desconfiança generalizada em relação à carne de frango e outras aves, independentemente da sua exploração de proveniência; 9- É, pois, a ordem dada, uma causa naturalística do dano, não contendo, contudo, a mesma a adequação, entendida nos mencionados termos legais, para produzir o dano, pois decorria do comportamento do mercado atenta a existência de nitrofuranos nos produtos a vender, o aludido processo factual, pelo qual o sector de produção de aves é responsável; 10- Falece pois o nexo causal, em termos de causalidade adequada, pois provavelmente os danos ainda seriam maiores se não fora a acção do réu e assim a acção terá, por esse motivo, de improceder; 11- De qualquer modo, este comportamento do sector na crise que levou à quebra do consumo e a actuação do réu para recuperar o sector, deverá ser tomado em consideração na redução equitativa da indemnização nos termos do artigo 494º CC, pois se enquadra nas demais circunstâncias do caso que o justifiquem, pois foi relevante a acção do réu no sentido de minorar os danos, sendo certo que as eventuais análises à carne de nada relevariam atenta a desconfiança generalizada em relação a tal carne por parte dos consumidores “pouco se importando que a carne desta ou daquela exploração não acusasse a existência de nitrofuranos” [ponto 38 da matéria assente]; 12- Para além disso o dano não é especial, pois a medida tomada não visou uma pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa, antes recaiu sobre os operadores económicos que comercializavam carne de aves congelada de origem nacional, não especificando quaisquer destes, sendo que apenas sobre estes podia recair já que o que estava em causa era o sector avícola; 13- Na verdade a medida teve em vista não apenas a autora, mas vários cidadãos, não os concretizando, nem os determinando, pelo que os prejuízos em causa não podem ser considerados como especiais, por não revestirem uma natureza de especificidade subjectiva na consideração de quem os suporta; 14- Também a medida decorre da crise dos nitrofuranos que advém da reincidência em infracções no que respeita aos ingredientes que alguns produtores colocam na alimentação das aves, desrespeitando o legalmente estipulado, e tem em vista restabelecer o consumo que tinha caído a pique, tendo pois a máquina estatal sido motivada pela actuação do sector e visando o relançamento deste, com sacrifício de alguns dos bens dos operadores desse mesmo sector; 15- Assim os danos invocados não podem deixar de ser integrados naquele número de sacrifícios que o sector, e não apenas determinadas pessoas ou entidades deste, mas este na sua globalidade, só ele o podendo ser pois a crise se referia ao sector avícola, teria de suportar para restabelecer a confiança dos consumidores e relançar o consumo, sendo que a saúde pública se bastava com a proibição da comercialização do frango antes ordenada; 16- Não são, pois, tais prejuízos de considerar como «anormais, pois que são inerentes aos riscos normais da vida em sociedade, concretamente aos riscos da actividade comercial, suportados por todos os cidadãos que se encontrem em situações idênticas à da recorrente», ou seja, no caso à da autora; 17- Atentas as condições e o modo como actualmente se criam as aves, as quais vêm ao conhecimento público através das notícias que, principalmente nos tempos de crise do sector, a comunicação social, e sobretudo a televisão, dão conta, e de que a crise dos nitrofuranos é apenas mais um exemplo, sendo que estas são cada vez mais frequentes, devem ser considerados tais riscos como “normais”; 18- Seria paralisante da actividade da Administração que esta se visse constrangida a ressarcir os prejuízos que causa ao tentar solucionar um problema de quebra de mercado em determinado sector, chocando ainda mais se atentar que foi esse mesmo sector que o causou, sendo certo que, caso a Administração nada tivesse feito, não tinha cumprido o seu dever de intervir para restabelecer a confiança no sector; 19- Pelo que, e parafraseando mais uma vez o decidido pelo STA, «não podem considerar-se os invocados prejuízos como “ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração” [citado AC STA de 21.03.2003], pelo que os mesmos devem considerar-se “comuns”, no sentido de que recaem genericamente sobre todos os cidadãos ou sobre categorias amplas e abstractas de pessoas, e “normais”, no sentido de que são habituais e aceitáveis como risco usual próprio da vida em sociedade» [citado AC de 02.12.2004]; 20- Para além dos acima citados, foi violado, o artigo 9º nº1 do DL nº48051 de 21.11.1967.

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, sendo que esta deve, a seu ver, ser substituída por acórdão que considere não verificados os requisitos do nexo da causalidade, da especialidade e da anormalidade, e o absolva do pedido. Ou, ainda, e caso assim não se entenda, ser apenas condenado pelo valor de mercado, e não valor de produção, dos produtos destruídos, devendo também ter-se em conta a responsabilidade do sector na produção dos danos e a actuação do réu no sentido de os conter.

A sociedade recorrida contra-alegou, concluindo assim: 1- O recorrente invoca que por não se verificarem tais pressupostos da natureza especial ou anormal dos prejuízos e do nexo de causalidade adequada, não poderá accionar-se o dever de indemnizar previsto no artigo 9º nº1 do DL nº48051 de 26.11.1967 [responsabilidade extracontratual por factos lícitos]; 2- Já no que tange à matéria de facto, nenhuma objecção levantou quanto à apreciação que o TAF realizou quer da prova junta aos autos, quer dos depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento; 3- Este recurso resumir-se-á a apreciar da verificação desses dois requisitos e, por fim, apreciar o invocado erro de julgamento por errada aplicação do critério fixado no artigo 562º do CC; 4- Como assinalou o recorrente, a sentença recorrida...

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