Acórdão nº 01930/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelJOSÉ CORREIA
Data da Resolução03 de Julho de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: I.- RELATÓRIO 1.1 OS EXCELENTÍSSIMOS MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, com os sinais identificadores dos autos, vêm interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente o recurso que S... & ..., LDª, interpusera ao agasalho do artº 146º B do CPPT, contra a decisão do Exmº Director - Geral dos Impostos, de autorizar que funcionários possam aceder às suas contas bancárias em derrogação administrativa do dever de sigilo bancário, invocando o artº 63º-B, nº 2 alínea c) da LGT.

l.2. Em alegação, o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO formula conclusões que se apresentam do seguinte modo: 1.A douta sentença recorrida concluiu que, face aos elementos constantes dos autos, não logrou a AT demonstrar a existência de factos gravemente indiciadores de que o valor de aquisição foi superior a € 249.398,95, pelo que, nos termos do artigo 75° da LGT deve presumir-se a veracidade das declarações do contribuinte; 2. Bem assim, considerou resultar dos autos que o acto recorrido se alicerçou em suspeitas ou conjecturas, mas não em elementos factuais concretos; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, p.11 9.

3. Indício consiste na circunstância certa através da qual se pode chegar, por indução lógica, a uma conclusão acerca da existência ou inexistência de um facto que é objecto de prova. O convencimento indiciário fundamenta-se num esquema silogístico. Neste, a premissa maior, de natureza problemática, é constituída pelas máximas da experiência e pelo senso comum; a premissa menor, que deve revestir características de certeza, é constituída pela circunstância indiciante; 4. Ao contrário do que acontece em sede de julgamento, durante o qual a condenação deve basear-se numa certeza da prática do ilícito imputado, buscada numa cimentada apreciação crítica da prova, o mesmo rigor não é reclamado pelo legislador nas fases da acusação ou pronúncia; 5. Aplicando as máximas da experiência e do senso comum, não se mostra verosímil que uma sociedade que se dedica à actividade da construção civil tenha adquirido um prédio rústico por cerca de dois milhões e quatrocentos mil euros e que, dois anos volvidos, tenha alterado tal valor para cerca de duzentos e quarenta mil euros, sendo que não havia logrado proceder à sua revenda e, logo, estava obrigado ao pagamento do imposto de municipal de sisa; 6. Trata-se de situação muito diferente da denominada de "dois empréstimos", sobre a qual se tem debruçado de forma abundante a nossa jurisprudência e cuja solução tem sido, invariavelmente, a de que "não é pelo facto de os recorridos terem contraído dois empréstimos, garantidos pelo mesmo imóvel, que indicia a prática de crime fiscal, nomeadamente o previsto no art. 103° do RGIT; 7.

Mesmo na visão mais restritiva, o sigilo bancário não se apresenta com carácter absoluto, podendo sofrer compressões impostas pela necessidade de salvaguardar determinados direitos ou princípios; 8. A protecção constitucional concedida às pessoas colectivas não pode coincidir, de modo algum, com a dimensão, tanto no aspecto qualitativo como quantitativo, da protecção da reserva da intimidade da vida privada que é usualmente reconhecida às pessoas singulares; 9. O mesmo é dizer que, na aplicação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, segundo o qual as respectivas restrições terão de ser necessárias, adequadas e proporcionais, a protecção às pessoas colectivas, maxime às sociedades, não pode ser a mesma que é concedida às pessoas singulares.

10. Há indícios suficientes da prática do crime de evasão fiscal previsto no artigo 103° do RCIT, por parte da recorrida, como se refere no despacho do Director Geral dos Impostos, pelo que se justifica o levantamento do sigilo bancário; 11. A douta sentença recorrida fez uma incorrecta apreciação da factualidade apurada e uma errada aplicação do direito, tendo violado, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 63°-B da LGT, na redacção da Lei n° 30-G/2000, de 29 de Dezembro e 103° do RGIT, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que negue provimento ao recurso interposto pelo contribuinte.

12. Dando provimento ao presente recurso, V.Exas. farão JUSTIÇA.

Por seu turno o REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA formula conclusões que se apresentam do seguinte modo: 1) A douta sentença recorrida ao decidir conceder provimento ao recurso, não analisou correctamente a questão a decidir, nem fez uma correcta interpretação e apreciação da matéria probatória constante dos autos, enfermando por isso de erro de julgamento, motivo pelo qual não deve ser mantida.

2) O correcto julgamento dos factos constantes dos autos impunha, na verdade, uma subsunção às normas aplicáveis no sentido de considerar preenchidos os pressupostos constantes do art°63°-B da LGT.

3) O acto anulado do DGI datado de 22/01/2007 e que determinou o levantamento do sigilo bancário, teve por base a existência de factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado, quanto a uma transacção de um prédio rústico pelo ora recorrido no decurso do exercício fiscal de 2002.

4) Factos estes que não tendo sido devidamente considerados, revelam no entanto e em conjunto, a existência de indícios de prática de crime fiscal e que se podem enumerar do seguinte modo: a) A existência de duas escrituras, a original datada de 2002 e a rectificada datada de 2004, efectuadas em cartórios diferentes, e das quais resulta um flagrante contraste entre o valor de aquisição constante da primeira (€2.493.989,49/500.000.000,9), e o valor rectificado na segunda escritura (€249.398,95/50.000.000$00); b) O facto de a escritura ter sido outorgada por um dos sócios gerentes da firma ora recorrida, que munido de uma procuração irrevogável datada de 1997, actuou como procurador dos proprietários, a fim de, em qualquer altura, proceder à venda do terreno em causa a quem entendesse, inclusivamente a si próprio. Vendeu-o, na verdade e como vimos, à sociedade de que é sócio; c) O conteúdo dos documentos constantes dos autos e não impugnados pelo recorrente, que referem os valores prometidos para a transacção de 3 prédios rústicos onde se incluía o terreno em questão, pelo preço de €798.076,64 (160.000.000$00), entregando-se como sinal a quantia de €49.639,37 (30.000.000$00), sendo que o pagamento do remanescente de €648.437,27 (130.000.000$) seria efectivado em duas prestações a cumprir até à data efectiva da celebração da escritura; d) A constatação de que na contabilidade da então recorrente, foram reflectidos e devidamente lançados os valores respeitantes à realização da escritura de 30/12/2002, portanto, €2.493.989,50; e) O facto de ter sido efectuada a rectificação em 05/02/2004, quando os Serviços de Inspecção estavam a realizar uma inspecção a um outro terreno e quando tinha sido ultrapassado o prazo de isenção de pagamento de imposto de sisa, sendo necessário liquidá-la f) 0 Ter sido documentalmente comprovado pela IT ,que foram depositados na conta do proprietário do terreno Vasco António Brilhante as quantias de 45.283.000$00 e de 30.000.000$00, valor este que só por si, ultrapassa largamente o valor constante da escritura de rectificação; g) Ter sido o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial, com os elementos constantes da 1a escritura e não da escritura de rectificação, pelo que seria a terceira vez que teria ocorrido, sobre a mesma transacção, um lapso de escrita.

5) Estes factos, caso tivessem sido devidamente considerados, também não poderiam deixar de levar à conclusão sobre a existência de indícios da prática de fraude fiscal, prevista e punida pelo art°103° do RGIT, estando por isso e em consequência, sobejamente reunidos os pressupostos de derrogação do sigilo bancário, de acordo com o disposto na alínea c) do n°2 do art°63°-B da LGT.

6) Quanto aos indícios de crime, considera-se que os factos descritos integram o tipo de condutas ilegítimas tipificadas no art°103° do RGIT, uma vez que se entende estarmos perante indícios reveladores da possível ocultação de factos ou valores não declarados e que deveriam ser revelados à administração tributária (alínea b) do n°l), não só em virtude da flagrante discrepância entre os valores lançados na contabilidade da empresa e que coincidem com a primeira escritura (registada na Conservatória do Registo Predial, bem como da entrega tardia da declaração anual de rendimentos referente a 2002, logo após a celebração da 2a escritura mas antes de liquidar a SISA.

7) Entende-se também estarmos perante indícios da celebração de negócio simulado quanto ao valor (alínea c) do n°l), em virtude da alteração do preço do imóvel, sendo evidente que a fazer-se a competente prova, a conduta do ora recorrido integraria a previsão referente à não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais, susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

8) A isto acresce, que atendendo aos valores avultados em causa, estaria sempre preenchida a condição de punibilidade constante do n°2 do art°103° do RGIT 9) Face aos factos expostos, deve pois julgar-se indispensável conhecer o conteúdo dos documentos bancários que titularam a transacção em causa, uma vez que perante aqueles não nos parece possível assumir, tal como assumiu o Tribunal " a quo" que o valor constante da escritura de rectificação fosse, sem sombra de dúvida, o real valor da transacção.

Termos em que entende que, face ao exposto, deverá considerar-se o presente recurso como procedente, com todas as legais consequências, nomeadamente considerando a decisão de levantamento do sigilo bancário em total conformidade com a lei, uma vez que se encontram reunidos os necessários pressupostos constantes do...

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