Acórdão nº 07092/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelRui Pereira
Data da Resolução21 de Junho de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses [doravante designado por SEP] veio, em representação e defesa da sua associada nº 35781, enfermeira graduada Maria ..., do quadro de pessoal do Hospital de Egas Moniz, a prestar funções, à data dos factos, no Serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva Maxilo-Facial daquele Hospital, interpor recurso contencioso de anulação do despacho de 21-2-2003, do Senhor Ministro da Saúde, que aplicou àquela enfermeira a pena de aposentação compulsiva, pedindo que o acto seja anulado por: - Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e direito, por não ter sido suficientemente avaliado que "a alta prematura do recobro....continha, em si, um risco ou perigo, que não foi e devia ter sido previsto e evitado...

", ofendendo-se, em consequência, o disposto nos artigos 269º, nº 3 da CRP, e artigo 42º, nº 1 do DL nº 24/84, de 16/1, e artigo 32º, nº 1 da CRP.

- Vício de violação de lei consubstanciado na violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade plasmados nos artigos 13º e 226º, nº 2 da CRP, uma vez que a associada do recorrente "não merece tratamento diverso daquele que foi dado aos referidos médicos", que informados da situação do doente não compareceram na enfermaria e, ainda, por se mostrar "manifestamente excessiva" a pena disciplinar que lhe foi aplicável.

A entidade recorrida defendeu que o recurso não merece provimento por o acto não enfermar de qualquer dos vícios que lhe são assacados, dado que: - O que foi considerado, ao longo de todo o relatório final, subjacente à decisão sob recurso, foi o facto da associada do recorrente, perante as insistentes queixas de "falta de ar" do doente "durante o período temporal de cerca de duas horas em que o mesmo esteve ao seu cuidado e vigilância", não ter convocado, de imediato, o médico cirurgião de serviço à urgência interna, violando com a sua conduta os deveres funcionais a que estava adstrita.

Cumprido que foi o preceituado no artigo 67º do RSTA, o recorrente veio apresentar as suas alegações [cfr. fls. 206/209 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], tendo concluído nos seguintes termos: "1º - Como se extrai dos autos de Processo Disciplinar instaurado à associada do recorrente, foi dada alta prematura do recobro ao doente, Carlos Mascarenhas, sem qualquer indicação ou recomendação médica quanto a cuidados especiais a ter com este doente, não se prevenindo o risco acrescido em resultado da alta prematura do recobro.

2º - A associada do recorrente, bem como a sua colega Mercedes..., informaram a Drª Manuela ... o Dr. Alberto ... das queixas do doente.

3º - Estes clínicos, informados da situação do doente, não compareceram na enfermaria onde se encontrava internado e, consequentemente, não avaliaram o seu estado de saúde e a necessidade de assistência médica, o que teria evitado o seu desenlace fatal.

4º - A morte do Carlos ... deveu-se a omissão de comparência devida daqueles médicos e da assistência médica, que não de acto de enfermeiro, que estes clínicos lhe deviam prestar.

5º - O acto contenciosamente impugnado enferma dos vícios que lhe vêm assacados na petição inicial".

A entidade recorrida apresentou contra-alegação - constante de fls. 210/221 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - na qual formulou as seguintes conclusões: "I - Relativamente à conclusão 1ª das alegações, começa-se por registar que nada consta nos treze artigos das alegações do recorrente, que permita concluir o que quer que seja relativamente a alta prematura do recobro do doente, para mais quando se inicia tal conclusão com esta afirmação peremptória "Como se extrai dos autos do processo disciplinar (…)" sem qualquer referência expressa aos autos.

II - Tal conclusão 1ª das alegações - a qualificação da alta do recobro como prematura -, é totalmente improcedente, não se encontra provada, nem fundamentada, nem sequer expressamente referenciada nas alegações; consta, todavia, da petição inicial, artigos 9º a 11º, pelo que apenas se impões, em sede de CONTRA-ALEGAÇÕES, opor que o facto de o recém-operado Carlos ... ter tido alta médica do recobro não devia implicar ou justificar a desvalorização das queixas, por parte da associada do Recorrente, dado que o estado de saúde do doente podia ter-se vindo a agravar continuada e paulatinamente, como se vem a verificar pela autópsia.

III - Sendo verdade, constante dos autos do processo disciplinar, a inexistência de qualquer indicação ou recomendação médica quanto a cuidados especiais a ter com este doente, tal não justifica a reiterada desvalorização das queixas do doente e concomitantemente conduta infractória por omissão dos cuidados de vigilância e assistência por parte das Enfermeiras de Serviço.

IV - Por outro lado, também não se encontra provado o alegado risco acrescido que implicaria a recomendação de cuidados especiais.

V - Em contrário, o que se encontra provado conforme consta de fls. 194, nº 7.12, do PD 100/02-D, é o mau trabalho de vigilância do doente Carlos ... após o seu internamento no quarto 801, tal como foi opinião unânime dos peritos médicos e de enfermagem que se pronunciaram logo no âmbito do processo nº 41/02- I, que serviu de fase instrutória àquele processo disciplinar.

VI - Relativamente à conclusão 2ª das alegações, é a mesma totalmente improcedente, porque irrelevante, conforme se contra-alegou supra, nos artigos 14º a 19º, uma vez que resulta inequívoco, que, face às queixas insistentes do doente, verbalmente ou por escrito, directa ou indirectamente, pelos seus familiares, o médico a ser chamado à presença do doente para o observar e decidir o que fazer logo de seguida, não era nenhum dos dois médicos referidos, mas sim o médico cirurgião de serviço à Urgência, em conformidade com o estipulado no nº 2, alínea a), do regulamento da Urgência Interna.

VII - Relativamente à conclusão 3ª das alegações, é a mesma totalmente improcedente, porque irrelevante, conforme se contra-alegou supra, nos artigos 14º a 19º, e constitui corolário lógico da conclusão VI, que, face ao estipulado no Regulamento de Urgência Interna, não impendia sobre estes médicos qualquer dever de ali se dirigirem, não precisando a Enfª Madalena Serra da sua anuência, ou conselho, para activar o disposto no nº 2, alínea a) do Regulamento de Urgência Interna.

VIII - Em contrário, o que podia ter evitado o desenlace fatal, seria ter chamado o médico cirurgião da Urgência Interna.

IX - Relativamente à conclusão 4ª das alegações, é a mesma totalmente improcedente, como corolário lógico das conclusões V a VIII supra, uma vez que resulta inequívoco, que, face às queixas insistentes do doente, verbalmente ou por escrito, directa ou indirectamente, pelos seu familiares, o médico a ser chamado á presença do doente para o observar e decidir o que fazer logo de seguida, não era nenhum dos dois médicos referidos, mas sim o médico cirurgião de serviço à Urgência, em conformidade com o estipulado no nº 2, alínea a) do Regulamento de Urgência Interna.

X - Relativamente à conclusão 5ª das alegações, á a mesma totalmente improcedente, uma vez que o acto recorrido não padece dos vícios invocados pelo recorrente, que lhe são assacados, cuja articulação e argumentação resulta, aliás, de que a conduta infractória imputada à arguida, ora representada no presente recurso pelo SEP, seria resultado de omissão de acto médico que não de omissão de acto de enfermeiro".

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul, sufragando a posição da entidade recorrida, emitiu parecer no sentido da improcedência recurso [cfr. fls. 234 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Do acervo documental constante dos presentes autos e do processo instrutor apenso, que engloba o processo disciplinar de que foi alvo a associada do recorrente, resultam provados, com interesse para a decisão do recurso, os seguintes factos: i.

    A enfermeira graduada Maria ... [aqui representada pelo Sindicado dos Enfermeiros Portugueses] pertence ao quadro de pessoal do Hospital de Egas Moniz [HEM].

    ii.

    Na tarde do dia 28 de Agosto de 2002, aquela enfermeira encontrava-se de turno na Enfermaria de Homens do Serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva Maxilio-Facial daquele Hospital [doravante designado SCPR do HEM], quando, por volta das 19 horas, aí deu entrada o doente Carlos ..., que nesse mesmo dia tinha sido submetido a uma intervenção cirúrgica [cfr. fls.1 a 34 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

    iii.

    O referido doente veio a falecer aproximadamente três horas após o seu reinternamento no SCPR [Idem].

    iv.

    Em consequência daquele óbito, o Conselho de Administração do HEM ordenou, em 2-9-2002, a abertura de um inquérito interno com vista a apurar as condições em que foram prestados os cuidados assistenciais ao doente [cfr. fls. 49 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

    v.

    O inquérito referido em iv. veio a revelar-se inconclusivo e, a 9-9-2002, o Ministro da Saúde ordenou o prosseguimento da investigação, "no sentido de aprofundar os factos de modo a serem efectivamente averiguadas eventuais responsabilidades".

    vi.

    Em cumprimento do assim ordenado, a Inspecção-Geral de Saúde instaurou em 10-9-2002 o processo de inquérito, autuado sob o nº 41/01-I [cfr. fls. 2 e 62 do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

    vii.

    Em 27-9-2002 foi elaborado relatório final no processo de inquérito referido em iv. e apresentada, entre outras, a seguinte proposta: "[...] PROPOSTAS 12. Face ao exposto, apreciando e concluindo nos números antecedentes deste mesmo Relatório...

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