Acórdão nº 01564/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução23 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

RELATÓRIO 1.1. O Director-Geral dos Impostos interpõe o presente recurso da decisão do TAF de Sintra que, julgando procedente o recurso interposto por P...e I..., ambos com os sinais dos autos, anulou o acto (despacho de 9/8/2006) mediante o qual, ao abrigo da al. c) do nº 2 do art. 63º-B da LGT, aquela referida entidade autorizou os funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, a acederem, directamente, a todas as contas bancárias e documentos bancários existentes em instituições bancárias portuguesas de que sejam titulares os recorridos.

1.2. Alega e termina formulando as Conclusões seguintes:

  1. A, aliás, douta sentença recorrida, ao considerar que o acto do Director-Geral dos Impostos que autorizou o acesso da administração tributária a documentação bancária dos contribuintes e ora recorridos, para efeitos fiscais, não preenche os requisitos exigidos pelo disposto no nº 2, al. c) do art. 63º-B da LGT, fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos.

  2. O art. 63º nº 2 al. c) da LGT, tipifica dois casos distintos de derrogação, não cumuláveis ou subordinados: um, quando existem indícios de crime em matéria tributária; e o outro, quando existam factos concretamente identificados gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado.

  3. Esta interpretação da norma resulta não só do elemento literal, mas também, do seu espírito, tendo em conta a alteração introduzida pela Lei nº 55-B/04, de 30/12, onde o legislador expressamente contempla duas alíneas [nº 1, al. a) e b)] possibilitando a derrogação do sigilo, mesmo sem existência de indícios de crime, quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.

  4. Assim, em primeiro lugar, atendendo aos factos constantes dos autos e dados como provados pela sentença recorrida, a situação sub judice tem enquadramento na alínea c) do nº 2 do artigo 63º-B da LGT.

  5. Na verdade, constam do processo administrativo junto aos autos, no qual foi proferido o acto recorrido, os factos que, aliás, foram dados como provados pela sentença recorrida, concretamente identificados, gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado pelos ora recorridos.

  6. Assim, por um lado, o facto de os ora recorridos terem contraído dois empréstimos bancários, um no valor de € 199.951,92 e outro no valor de €132.181,44, por outro lado, o facto de ambos os empréstimos terem como única garantia hipoteca constituída sobre o imóvel adquirido, por outro lado, ainda, o próprio facto da confissão dos ora recorridos que vieram pagar sisa adicional. E, finalmente, a não justificação da pretensa aplicação do montante de €132.181,44, incluído na totalidade dos dois empréstimos contraídos, mas que excede o valor declarado e, posteriormente, corrigido da compra do imóvel (de € 199.519,16), uma vez que os então A.A. não provaram que tal montante se destinasse a pagar as despesas por eles invocadas. De facto, as facturas relativas a obras, construção de uma piscina, são anteriores à escritura de compra e venda, os ora recorridos não apresentaram facturas ou recibos da compra de mobiliário e electrodomésticos e venderam dois imóveis em Julho e Agosto de 2002 num valor total de € 122.579,59, valor este que sempre acresceria ao valor do empréstimo que dizem ter ficado na sua posse.

  7. Pelo que, a AT logrou demonstrar os factos gravemente indiciadores da falta da veracidade do preço do imóvel declarado pelos ora recorridos, que não provaram, como lhes competia face aos factos por eles invocados como justificativos da aplicação do remanescente do total dos dois empréstimos, os factos impeditivos ao exercício do direito invocado pela AT.

  8. Por outro lado, ainda que se entenda, sem conceder, que as duas situações previstas na al. c) do nº 2 do art. 63º -B da LGT, exigem a sua verificação cumulativa, a verificação do 1º requisito, os indícios de crime em matéria tributária, também ocorre no caso presente.

  9. Em primeiro lugar, não tem que ser feita referência ao concreto ilícito penal e à concreta norma incriminadora, dado estarmos perante, não uma acusação em processo penal, mas um procedimento tributário que visa o correcto apuramento da situação tributária do sujeito passivo.

  10. No caso concreto, para poder aceder às contas bancárias dos ora recorridos, a AT carreou para o processo factos, designadamente, a celebração de dois empréstimos bancários, sendo que ambos os empréstimos têm como única garantia hipoteca constituída sobre o imóvel adquirido, a confissão dos ora recorridos de que o valor declarado não corresponde ao valor de aquisição do imóvel e a não justificação da entrada e aplicação do montante que está incluído na totalidade dos empréstimos contraídos, mas que, excede o valor declarado pelos então recorrentes como o valor mobilizado para a compra do imóvel. É lógico, pois, a um "bonus pater familias" retirar a conclusão que tais factos consubstanciam um quadro passível de subsunção no comportamento previsto no art. 103º do RGIT, isto é, no crime de fraude fiscal.

  11. Acresce que, no caso, até se verifica a condição objectiva de punibilidade prevista no nº 2 do art. 103º do RGIT, uma vez que a vantagem patrimonial ilegítima que os ora recorridos pretendem obter é superior a € 7500,00, isto atendendo ao valor remanescente dos dois empréstimos contraídos.

  12. Ainda que assim não fosse, bastava à AT, apresentar os factos indiciadores da prática de crime fiscal, sem quantificar uma vantagem patrimonial obtida igual ou superior a € 7.500,00, neste sentido se decidiu no douto Acórdão do TCA, de 21/12/05, proc. nº 882/05.

  13. Por outro lado, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, do procedimento em concreto relativo à derrogação do sigilo bancário dos ora recorrentes, até consta a alusão à prática do crime fiscal tipificado no art. 103º do RGIT.

  14. Veja-se o ponto 8. da matéria de facto dada como provada e fls. 5 do P.A., pelo que, não se percebe, salvo o devido respeito, a conclusão a que chegou a sentença recorrida, dado que a AT logrou demonstrar que foi declarado um valor de venda/aquisição do imóvel, fictício, e que atendendo ao valor dos empréstimos contraídos e à não justificação do excesso entre o valor declarado e o valor do total dos empréstimos, a vantagem patrimonial obtida pelos ora recorridos aponta para o crime fiscal tipificado no art. 103º do RGIT.

  15. Estão, pois, preenchidos os requisitos constantes da al. c) do nº 2 do art. 63º-B da LGT, para que a AT possa aceder às contas bancárias dos ora recorridos. Ao decidir em contrário, a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação legal de tal dispositivo legal.

  16. Finalmente, o acto recorrido não apresenta quaisquer factos novos relativos a terceiros - alienantes, nem são estes que justificam o acto recorrido, o que a AT se limitou a fazer foi, simplesmente, explicitar todas as potencialidades do acto que advêm do acesso à documentação bancária em causa, não se vislumbrando que dessa explicitação decorra a violação de qualquer preceito legal, designadamente da al. c) do nº 2 do art. 63º-B da LGT, como o parece pretender a sentença recorrida.

Termina pedindo o provimento do recurso e que, em consequência, seja revogada a sentença recorrida e seja esta substituída por outra que negue provimento ao recurso interposto pelos recorrentes.

1.3. Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela confirmação do julgado e concluindo que, no caso, não se verificam os pressupostos para o acesso às contas bancárias.

1.4. O MP emite Parecer no qual sustenta que deve ser negado provimento ao recurso.

Sustenta, para tanto, que, face à matéria de facto dada como provada, não restam dúvidas de que não se mostra preenchido um dos requisitos constantes da al. c) do nº 2 do art. 63°-B da LGT, na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12, ou seja, o da existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária.

E, dado que embora o regime da nova redacção dada ao art. 63°-B pelo art. 40° da Lei 55-B/2004, de 30/12, aponte no sentido da alternatividade dos pressupostos indicados sob as alíneas b) e c), se trata de regime legal somente aplicável a factos ocorridos após Janeiro de 2005 (cfr. nº 9 do art. 63°-B, da LGT), no caso, não ocorre tal aplicabilidade, uma vez que a escritura pública do imóvel em causa foi efectuada em 5/4/2002 (portanto, em data anterior à entrada em vigor da alteração dada ao citado art. 63°-B da LGT pela Lei 55-B/2004).

Não estando, pois, reunidos os pressupostos para que seja concedida a pretendida derrogação do sigilo fiscal, deve ser confirmada a sentença.

1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência, para decisão.

FUNDAMENTOS 2.1. A sentença recorrida julgou provados os factos seguintes: 1 - Em 5/4/2002, mediante escritura pública celebrada no 10° Cartório Notarial de Lisboa, os Recorrentes compraram a Moradia Unifamiliar situada em ..., Concelho de Sintra, inscrito na matriz sob o artigo 7687 (cfr. fls. 10...

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