Acórdão nº 12102/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | Elsa Esteves |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2006 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 1º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I- RELATÓRIO MANUEL ....
vem impugnar contenciosamente o despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA, de 30-10-2001, que lhe indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto do despacho do Director Regional de Educação do Norte, de 6-09-2001, que lhe aplicou, no âmbito de processo disciplinar, a pena de multa graduada em 300.000$00, pedindo que o acto seja declarado nulo ou seja anulado por: inexistir infracção disciplinar; ter sido violada a al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC, por não terem sido conhecidas as questões que foram suscitadas no recurso hierárquico; e ter sido violado o princípio da imparcialidade por, na apreciação do recurso hierárquico, se ter pronunciado o mesmo jurista que havia opinado sobre a punição do ora recorrente.
A autoridade recorrida defende que os factos descritos no processo disciplinar tipificam infracção disciplinar juridicamente bem qualificada e que é legal e adequada a pena aplicada.
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 67º do RSTA.
O Recorrente apresentou alegações em que concluiu: «l- O processo disciplinar instaurado ao recorrente teve como fundamento os requerimentos afixados por este, quando dos mesmos ainda não constavam as expressões que integram o ponto único da Acusação deduzida naquele processo contra o aqui recorrente.
2- Apenas as expressões constantes daquele ponto único da acusação foram levadas em conta para a decisão final tomada em tal processo disciplinar.
3- Tais expressões constituíram o exercício de um direito legítimo do ora recorrente e não integram o conceito de violação do dever de correcção ou urbanidade.
4- Pelo supra exposto, a decisão recorrida é anulável, por contrária à lei e aos princípios inerentes a um Estado de Direito Democrático.
5- A decisão recorrida não se pronunciou sobre questões suscitadas pelo ora recorrente e que devia apreciar, o que conduz à respectiva nulidade.
6- A decisão recorrida fundamenta-se numa proposta subscrita pelo mesmo jurista que havia subscrito a proposta com fundamento na qual foi tomada a decisão de aplicar a pena de multa ao recorrente, violando o princípio da independência entre as instâncias, tornando a decisão recorrida nula.
7- A decisão recorrida entende, erradamente, que a "publicidade" dos actos praticados pelo recorrente é motivo suficiente para a sua culpabilização e basta como argumento único para a sua condenação, pelo que, também, por isso é anulável.
A Autoridade Recorrida contra-alegou, reafirmando a legalidade do acto recorrido por não de verificar qualquer dos vícios que lhe são assacados.
O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer seguinte: «A nulidade do art. 668º al. d) do CPC, invocada pelo recorrente, é do ponto de vista da dogmática jurídica inexistente pois, como é sabido, a falta de pronuncia às questões suscitadas em recurso hierárquico necessário não determina a nulidade referida pelo recorrente mas tão só dá direito, ao respectivo destinatário, de impugnar contenciosamente o despacho que não conheceu os fundamentos do recurso.
As nulidades, em direito administrativo, quer materiais quer procedimentais, resultam da lei e encontram-se previstas, entre outras, no art. 133º n° l e 2 do CPA.
A falta de pronuncia sobre questões suscitadas no recurso hierárquico e a falta de decisão, quando exista o respectivo dever nos termos do art. 9° n.° l do CPA, não se reconduz a nenhuma das enumeradas naquele normativo.
A falta de pronúncia, como é sabido, determina a ficção de indeferimento tácito nos termos do art. 175º e 109º do CPA e nunca a reclamada nulidade. Neste sentido conf. Os acs do STA de 28.5.03 - Rec. n.° 0244/03 e de 25.1.91-Rec. n.° 028125.
Pelo exposto, acompanhando a autoridade recorrida, inexiste a reclamada nulidade e deve a mesma ser julgada infundada.
Passando ao conhecimento dos de mais vícios que conduzem à anulação do acto e que melhor protegem a tutela dos direitos e legítimos interesses do recorrente abordaremos de seguida a reclamada inexistência da infracção.
2.1. A conduta do recorrente é constituída pela exposição, na sala dos professores da Escola Secundária da Trofa, de uma cópia do requerimento dirigido à respectiva Presidente no qual pede a alteração do seu horário de aulas.
Esta cópia foi afixada na dita sala dois dias depois da apresentação daquele requerimento.
Nessa cópia o ora recorrente, para além da exibição do requerimento, apõe as seguintes expressões: "A AGUARDAR A SOLUÇÃO CORRECTA", "SOLICITO URGÊNCIA E CORRECÇÃO!" "ISTO É PERSEGUIÇÃO PESSOAL?", "MÁ FÉ OU DESCONHECIMENTO?" e " E NÃO DIGO MAIS NADA POR ENQUANTO!" A Srª Presidente do Conselho Directivo, subscrevendo uma "Deliberação" e invocando que o ora recorrente havia subscrito três documentos e que os mesmos atentavam contra a competência, profissionalismo, integridade, ética e dignidade do Conselho Executivo e dos docentes que integram a Comissão de Horários designada pelo Conselho Pedagógico da Escola decidiu participar os aludidos factos (fls. 4 a 7 do instrutor) ao Exmo Delegado Regional do Norte da Inspecção Geral de Educação.
2.3 Instaurado o respectivo processo disciplinar e ouvida a queixosa, esta nada esclareceu sobre o modo como aquelas expressões atentavam contra os que ela considerou abrangidos e nas dimensões que reputou na sua queixa.
O arguido e ora recorrente, ouvido em declarações a fls. 52 do instrutor, negou ter acusado a Presidente do Conselho Directivo de "perseguição pessoal" e de "má fé ou desconhecimento" e explicou que se tratava de uma interrogação e não de uma afirmação devida a algumas razões de injustiça e de falta de correcção, resultantes de situações verificadas durante o ano lectivo anterior, e que puseram em causa a confiança nas pessoas responsáveis pela elaboração dos horários, conforme documento já apresentado aos órgãos da Escola e constante de fls. 34 a 51 do processo instrutor.
O arguido e ora recorrente, como se alcança de fls. 62, veio a ser acusado sem que o Sr. Instrutor tivesse o cuidado de averiguar daquilo que o ora recorrente considerava, em síntese, a má gestão da Escola e que apresentou aos órgãos da escola no documento de fls. 34 a 51 do instrutor.
E a dita acusação, como se alcança de fls. 62, considerou violados os deveres de correcção e urbanidade com a divulgação da cópia de tal requerimento e com a aposição das expressões supra referidas.
Ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa nada esclareceram sobre o que o Sr. Instrutor considerou resultar da conduta do arguido: "Com esta conduta, levantou dúvidas, interrogações e suspeição, que trouxe para o domínio público, relativamente à atitude do seu superior hierárquico" com o que se mostra violado o dever de correcção previsto na al. f) do n° 4 e 10 do art. 3° do ED e da al. c) do n° 2 do art. 10º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo DL n.° 139-A/90, com as alterações introduzidas pelos DL n.° 105/97, de 29.4, e DL n.° 1/98, de 2 de Janeiro.
2.4 As expressões utilizadas pelo ora recorrente na cópia do documento que exibiu na sala dos professores não me parecem as mais correctas para calar o sentimento de descontentamento que o animava em razão do seu horário de trabalho e também não são as mais adequadas para ultrapassar o que considerou mal estar derivado das injustiças e falta de correcção do ano anterior.
Não é igualmente a melhor forma de reagir tanto mais que as observações e insinuações feitas além de deslocadas são manifestamente intempestivas É certo que o arguido, quando ouvido em declarações, não tomou a iniciativa de concretizar as tais situações de injustiça e falta de correcção mas é igualmente certo que o Sr. Instrutor não instou o arguido a fazê-lo pelo que se fica sem saber que situações foram essas.
Revendo o documento de fls. 31 a 54 verifica-se que há uma grande e repetida preocupação da parte do arguido de ver na escola um regulamento que preveja, em síntese, todas as situações da vida escolar por forma a assegurar a democracia, o direito e a justiça nas relações entre todos os seus operadores a fim de se conseguir um ensino melhor.
Mas, se é certo que há incorrecção do arguido para com a presidente do Conselho Executivo da Escola não é menos certo que ele revela grande disponibilidade para animar e construir uma escola que melhor sirva a comunidade onde está inserida.
Certo é, porém, que esta grande preocupação de bem servir não foi levada em conta no instrutor e, se tivermos em conta o relatório final, a pena imposta mais parece uma sanção pelo que o arguido disse ao longo do inquérito do que propriamente pelos factos de que foi acusado sendo certo que era por estes factos que estava acusado e não pelo que disse ao longo do inquérito.
2.5 A pena imposta ao arguido, em razão dos factos de que foi acusado e que retractam uma leve violação do dever de correcção, é manifestamente inadequada e excessiva.
O Sr. Instrutor, na verdade, ao elaborar o relatório, acabou por propor o montante da multa, no valor de 300.000.00, ou seja 1.500.00 euros, sem se orientar por qualquer termo comparativo e sem justificar minimamente as razões da aplicação da medida punitiva e do montante tão exagerado.
Ora, em razão do princípio da justiça contemplado nos art. 266º n° 2 da CRP e art. 5° e 6° do CPA, de que os da adequação e proporcionalidade são corolários e expressão dos limites internos da discricionariedade, estavam o Sr. Instrutor e a autoridade recorrida obrigados a ponderar a pena a aplicar.
Na verdade, impunha-se ponderar na pena a aplicar em razão da gravidade da infracção, que no caso dos autos nos parece manifestamente leve, das circunstancias objectivas e subjectivas, nomeadamente, das repercussões do irreflectido acto na comunidade escolar e nas relações dos demais professores com a Presidente do Conselho Executivo e com o arguido, da dimensão da dita publicidade dada ao facto e da atenção ou desprezo pela comunicação feita...
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