Acórdão nº 00996/04.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução08 de Março de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: R…, devidamente identificado nos autos, inconformado, interpôs recurso da sentença do TAF de Braga que julgou improcedente a acção administrativa comum que havia intentado contra o Estado Português e em que pedia a condenação deste no pagamento ao pagamento de uma indemnização pecuniária em virtude da não transposição completa dos princípios e orientações da Directiva 84/5/CEE até 31/12/1995.

Alegou, tendo concluído pelo seguinte modo: 1- Os factos provados, resultantes dos documentos juntos aos autos e admitidos por acordo, porque não impugnados, são os referidos nos artigos 1º a 26º, 35º e 93º da petição inicial; 2- A causa de pedir da acção proposta pelo Autor baseia-se na não transposição completa, correcta e atempada da Segunda Directiva pelo Estado Português, cuja omissão legislativa foi causadora de prejuízos ao A.; 3- Por via do acidente ocorrido em 12/04/97, o A. sofreu danos no montante de € 83.640,47, o qual foi objecto de redução ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 508º do CC, com base na responsabilidade pelo risco e pelo facto de todas as instâncias judiciais a que o A. recorreu terem entendido que o artigo 508º, n.º 1 do Cód. Civil não tinha sido tacitamente revogado pelo art. 6º do DL 522/85; 4- Portugal, como Estado membro da Comunidade Europeia, estava obrigado, no aspecto dos montantes do seguro obrigatório, a alterar as suas disposições nacionais em função da 2ª Directiva até 31/12/95, o que não fez; 5- O Estado Português tinha obrigação de alterar a sua legislação do seguro obrigatório automóvel por forma a que nos casos de responsabilidade civil pelo risco os montantes da indemnização não fossem inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados no artigo 1º, n.º 2 da Directiva 84/5/CEE, alteração legislativa que deveria ter ocorrido até 31/12/95; 6- O Estado Português só procedeu à transposição completa e correcta da Directiva 84/5/CEE com a publicação do DL 59/2004 de 19 de Março, ou seja, com mais de 8 anos de atraso; 7- Nas sucessivas alterações da legislação sobre seguro de responsabilidade civil automóvel, o Estado Português não procedeu à transposição completa das orientações e princípios contidos na Directiva 84/5/CEE, que queria e quer que haja seguro obrigatório com montantes de indemnização nunca inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados pelo artigo 1º, n.º 2, também nos casos de responsabilidade civil pelo risco; 8- O Estado Português foi negligente na transposição da Directiva, pois que não procedeu à sua transposição completa, tendo omitido a alteração legislativa com vista a cobrir também a situação de responsabilidade pelo risco; 9- Na fixação da indemnização ao A. foi aplicado o disposto no n.º 1 do art. 508º do Cód. Civil com a redacção anterior à do DL n.º 59/2004 e por isso o A. só recebeu a quantia de € 10.836,46; 10- Caso o Estado Português tivesse sido diligente e tivesse respeitado o prazo que lhe foi fixado para a transposição da Directiva 84/5/CEE, na atribuição da indemnização ao A. já teria sido aplicado o disposto no n.º 1 do art. 508º do Cód. Civil com a redacção do DL 59/2004, ou seja, a indemnização ao Autor não teria sofrido nenhuma redução ou limitação; 11- “Há lugar a responsabilidade pelos prejuízos causados a particulares por eventuais violações das Directivas Comunitárias relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, decorrentes da possível desconformidade das normas nacionais que alegadamente as transpõem para o direito nacional e as normas relativas à responsabilidade civil objectiva por acidentes de viação, designadamente dos limites de indemnização constantes do n.º 1 do artigo 508º do Código Civil” – Ac. da Relação do Porto de 7/4/2005; 12- A violação imputada ao Estado Português é a da não transposição completa e correcta da Segunda Directiva, já que as decisões judiciais que limitaram e reduziram a indemnização ao recorrente se apoiaram no entendimento de que a Directiva era por si insusceptível de produzir efeitos directos horizontais; 13- O Estado Português só através do DL n.º 59/2004, de 19 de Março, veio finalmente a proceder à alteração da redacção do n.º 1 do artigo 508º do Código Civil, por forma a dar cabal cumprimento ao disposto na Segunda Directiva, reconhecendo-se aí a necessidade de proceder à alteração da norma em causa para pôr finalmente termo à discrepância de critérios quanto aos montantes mínimos do capital seguro fixados pelo n.º 2 do art. 1º da Segunda Directiva independentemente da espécie de responsabilidade civil em jogo; 14- O Estado Português não cumpriu o disposto no n.º 3 do artigo 5º da Segunda Directiva e dos artigos 249º (ex-artigo 189º) e 10º (ex-artigo 5º) do Tratado CEE, tal como interpretados pelo Tribunal de Justiça, decorrendo da jurisprudência dos Tribunais comunitários que a obrigação de um Estado-Membro adoptar todas as medidas necessárias para alcançar o resultado imposto por uma Directiva é uma obrigação coerciva (de resultado) imposta pelo artigo 249º do Tratado CEE (ex-artigo 189º); 15- Houve assim uma clara violação do direito comunitário, por parte do Estado Português, o qual tinha a obrigação de transpor correcta e integralmente a referida Segunda Directiva até 31/12/1995 e não o fez, pois que foi o próprio Supremo (no Acórdão uniformizador) que expressamente admitiu e se referiu à manifesta divergência doutrinal e jurisprudencial existente em Portugal sobre a transposição ou não da Segunda Directiva para o direito português; 16- Assim, deve ser declarado e reconhecido que o Estado Português não procedeu à transposição completa dos princípios e orientações da Directiva 84/5/CEE no prazo que lhe foi fixado (31/12/95) e que tal transposição completa só ocorreu com a publicação do DL 59/2004 de 19 de Março, violando, assim, o direito comunitário, violação essa que causou prejuízos ao A.; 17- Tendo em conta os factos provados na Acção ordinária 142/00 do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, o A. sofreu prejuízos no montante global de € 83.360,47, cabendo-lhe, assim, tendo em conta o disposto no artigo 506º, n.º 2 do CC, receber a indemnização de € 41.820,24; 18- Pelo que, caso o Estado Português tivesse legislado em tempo oportuno e no prazo que lhe foi fixado (até 31/12/95) alterando o n.º 1 do art. 508º do Cód. Civil e caso tivesse procedido à transposição completa e inteira dos princípios e orientações da Directiva 84/5/CEE ou se tivesse procedido a alteração legislativa do seguro obrigatório por forma clara, transparente e sem dúvidas, o A. teria direito à indemnização de € 41.820,24 e teria recebido esta quantia dos responsáveis pelo acidente; 19- Como ao A. apenas foi atribuída e paga a indemnização de € 10.836,46, assiste-lhe o direito de receber ainda a quantia de € 30.983,78, acrescida dos juros legais desde 16/02/00 até efectivo pagamento, por ser este o montante do prejuízo sofrido com a omissão legislativa do Estado Português; 20- O prejuízo sofrido pelo A. (no montante de € 30.983,78) deve-se ao facto da conduta omissiva do Estado Português ao não cumprir a sua obrigação de legislar a que se encontrava adstrito desde 31/12/95, em virtude da 1ª e 2ª Directivas e do disposto nos actuais artigos 249º e 10º do Tratado CEE; 21- Deve, assim, o Estado Português ser condenado a pagar ao Autor a indemnização de € 30.983,78, correspondente à diferença entre a indemnização a que tinha direito (€41.820,24) e a que lhe foi atribuída (€10.836,46) acrescida dos juros legais desde a citação da 1ª instância onde lhe foram aplicados os limites do n.º 1 do artigo 508º do CC, até efectivo e integral pagamento; 22- Caso se entenda que não é possível apurar o montante da indemnização a que o A. tem direito, deve tal indemnização ser determinada por equidade, com base nos factos provados na Acção Ordinária n.º 142/00, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo (e que constam do doc. n.º 2 da p.i.), ou a determinar através do incidente de liquidação nos termos do n.º 2 do art. 661º do CC e n.º 2 do artigo 378º do CPC; 23- Subsidiariamente e caso se entenda que o Estado Português não incumpriu o dever de transposição da Directiva, deve, ainda assim, o mesmo ser condenado a indemnizar o Autor, por o ter feito de forma gravemente deficiente, incompleta e pouco clara, dando origem a várias e diferentes interpretações e posições jurisprudenciais, pois que se o Estado Português tivesse legislado em condições, como o fez agora com o DL 59/2004, o A. não teria sofrido qualquer prejuízo, pois que teria recebido a totalidade da indemnização a que tinha e tem direito; 24- Assim, quer por não ter procedido à transposição completa, correcta e clara da Directiva, quer por não ter legislado, quer por ter legislado mal e em condições deficientes, o Estado Português incorreu e incorre em responsabilidade, devendo indemnizar o A. dos prejuízos sofridos; 25- A douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 483º, n.º 1, 562º, 563º e 564º do Código Civil, no n.º 3 do art. 5º da Segunda Directiva 84/5/CEE e dos artigos 249º e 10º do Tratado CEE, devendo, assim, ser revogada e substituída por outra que julgue a acção provada e totalmente procedente.

Contra-alegou o Estado Português pugnando pelo não provimento do recurso, quer porque considera que a Directiva em questão foi correctamente transposta, quer porque considera que a solução dada ao caso do autor pelo STJ resultou da mera interpretação das normas legais então em vigor, interpretação essa que não se consubstancia em erro grosseiro ou grave.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

*Com interesse para a decisão da causa cuja apreciação é pedida a este Tribunal deve-se considerar assente a seguinte factualidade concreta que resulta dos documentos...

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