Acórdão nº 01394/06.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO V…, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 07/07/2006, que indeferiu o pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias que a mesma havia deduzido nos termos do art. 109.º do CPTA contra a “ORDEM DOS ADVOGADOS”, igualmente identificada nos autos, e no qual peticionava que a fosse condenada “(…) a dispensar a Requerente da realização da prova escrita marcada para o dia 08 de Julho de 2006, …” e a “( …) marcar uma data alternativa ao dia 08 de Julho de 2006 para realização da prova escrita, pela Requerente, em dia que não coincida com Sábado, dia santo de guarda da organização religiosa de que … é membro, no prazo máximo de 5 dias …, sob cominação de pagamento de sanção pecuniária compulsória imposta … no caso de incumprimento da intimação (…).” Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 101 e segs. e correcção de fls. 200 e segs. na sequência do despacho de fls. 195/196 - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) A. A douta sentença, ora recorrida, salvo o devido respeito, sofre de erro de julgamento, por errada interpretação das normas e, consequentemente, errada aplicação das mesmas.

B. Ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, deve entender-se que a LLR é aplicável ao caso sub judice analogicamente nos termos do artigo 10.º CC, C. Uma vez que estamos perante um caso omisso atento o facto de não ser regulado por nenhuma disposição legal.

D. É a partir da ratio legis que é feito o recurso à analogia, a qual é a protecção da liberdade religiosa na prestação de provas no artigo 14.º/n.º3 LLR, E. Logo a Recorrente, apesar de não estar abrangida em sentido estritamente literal por essa norma, encontra-se obrigada à prestação de provas na sequência de um período de formação.

F. Em relação à violação do princípio da igualdade com a marcação de uma data alternativa à prova, a Recorrente nunca peticionou a marcação de uma data posterior a 08 de Julho de 2006 mas apenas uma data alternativa.

G. Aliás, todas as diligências adoptadas pela Recorrente sempre foram tomadas com a devida antecedência (o primeiro requerimento deu entrada junto da Recorrida no dia 12.01.2006) para possibilitar às entidades competentes a marcação de uma data alternativa à supra citada.

H. De acordo com o princípio da igualdade, cumpre acrescentar que dadas as suas convicções religiosas, a Recorrente se encontra numa situação diferente da dos seus Colegas.

I. A sentença de que se recorre viola o princípio da igualdade consagrado constitucionalmente no artigo 13.º/n.º 1 da Constituição, J. Atendendo ao facto deste princípio exigir uma igualdade material através da lei que implica tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente.

K. In casu, dada a desigualdade da situação da Recorrente deve esta ser tratada de modo diferente com a marcação de uma data alternativa ao exame aqui em causa.

L. Resulta também da jurisprudência este entendimento: “O principio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição exige a dação de tratamento igual aquilo que, essencialmente, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções.” (vide Acórdão do Tribunal Constitucional de 01/03/1994 - Proc. n.º 92-0504 in www.dgsi.pt) M. A diferenciação que é aqui reclamada é plenamente justificada, atendendo ao facto de estar aqui em causa um direito consagrado constitucionalmente e é feita em nome da igualdade de oportunidades no acesso à profissão de Advogada com o respeito por esse direito fundamental.

N. Pelo que, a diferenciação reclamada não é irrazoável, nem arbitrária.

O. É dever do Tribunal eliminar as diferenciações de que a Recorrente é alvo em virtude do seu direito fundamental à liberdade religiosa que o vincula.

P. Sendo este um tratamento completamente inadmissível num Estado de Direito pois “O principio da igualdade não só autoriza como pode exigir desigualdades de tratamento, sempre que por motivo de situações diversas um tratamento igual conduzisse a resultados desiguais” (vide Acórdão do Tribunal Constitucional de 12/12/1984 - Proc. n.º 84-0048 in www.dgsi.pt).

Q. Estamos ainda perante uma violação do artigo 18.º n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa quando na sentença recorrida é afirmado que os direitos, liberdades e garantias têm que ceder perante outros direitos e deveres (restringindo-se, por vezes, o seu núcleo essencial).

R. Ora, cumpre dizer que “só nos casos expressamente previstos na Constituição podem ser restringidos os direitos, liberdades e garantias e só a lei os pode restringir (art. 18.º/2: reserva de lei restritiva)”, conforme afirma J.J. Gomes Canotilho (a página 450 in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª Edição, Almedina, 2002).

S. Pelo que, não pode uma sentença restringir um direito fundamental.

T. Logo, a restrição efectuada pelo Tribunal a quo é inconstitucional uma vez que viola o artigo 18.º/n.º 2 CRP, e ilegal, pois não existe nenhuma lei a autorizá-la.

U. Temos de atender ainda ao facto de estarmos perante a liberdade religiosa que é um direito fundamental que nem pode ser afectado pela a declaração de estado de sítio ou do estado de emergência conforme estabelece o artigo 19.º/n.º 6 CRP.

V. O Tribunal a quo adopta um entendimento inconstitucional, violando o princípio da salvaguarda do núcleo essencial dos direitos fundamentais (artigo 18.º/n.º 3 CRP), ao afirmar que é possível por vezes restringir o conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias.

W. De acordo com esse princípio, existe um núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias que não pode, em caso algum, ser violado.

X. O Tribunal a quo aniquilou por completo o direito fundamental à liberdade religiosa da Recorrente.

Y. Assim, não tendo sido cumprido o disposto nos artigos 14.º/n.º 3 LLR, 13.º, 18.º/n.ºs 2 e 3 e 19.º/n.º 6 CRP, justifica-se a revogação da sentença recorrida.

(…).” O ente requerido, ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 137 e segs.

) nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão judicial recorrida, sem que haja, todavia, formulado conclusões.

O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 146.º e 147.º ambos do CPTA veio emitir parecer onde sustenta o improvimento do recurso (cfr. fls. 175 e 176).

Exercido o contraditório sobre o referido parecer nos termos do art. 146.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA nenhuma das partes veio responder (cfr. fls. 177 e segs.

).

Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

  1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” – in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71).

    As questões suscitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao indeferir o pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias deduzido enferma ou não de violação dos arts. 14.º, n.º 3 LLR, 13.º, 18.º,n.ºs 2 e 3 e 19.º, n.º 6 da CRP [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].

  2. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Resultou apurada da decisão judicial recorrida a seguinte factualidade: I) A requerente é advogada estagiária, inscrita, desde 15 de Outubro de 2004, na Ordem dos Advogados, no Conselho Distrital do Porto, com a cédula profissional n.º 12118-P – cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial.

    II) Em 12/01/2006, requereu ao Presidente da CNEF a marcação de uma data alternativa à prova escrita do exame final de avaliação e agregação do estágio de advocacia, marcado para o dia 08/07/2006 (Sábado) – cfr. documentos n.º 2 e 3 juntos com o requerimento inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.

    III) A requerente é membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia – cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.

    IV) A organização religiosa referenciada em III) tem como dia santo de guarda o sábado, que começa com o pôr-do-sol de sexta-feira e termina com o pôr-do-sol de sábado – cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.

    V) O Presidente da CNEF, em resposta ao requerimento apresentado, entendeu ser necessário fazer prova que tinha sido enviada a declaração a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei de Liberdade Religiosa (LLR) – cfr. documento n.º 5 junto com o requerimento...

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