Acórdão nº 00002/05.0BCPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelDulce Neto
Data da Resolução23 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: A Liga Portuguesa de Futebol Profissional, contribuinte nº 502 136 219, com sede na Rua da Constituição, nº 2555, no Porto, veio intentar a presente acção administrativa especial com vista à declaração de nulidade do ponto 7 do Despacho nº 7/98-XIII, de 4/03/98, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, despacho que autorizou, como forma de extinção das dívidas fiscais dos clubes de futebol profissional existentes até 31/07/96, a dação em pagamento com as receitas das apostas mútuas desportivas que viessem a ser obtidas durante o período compreendido entre 1/07/1998 e 31/12/2010, e cujo ponto 7º determina que «No caso de metade do valor arrecadado ser insuficiente para o pagamento de metade da dívida global ao fisco apurada no segundo semestre de 2004 e de 2010, a Liga e a Federação deverão proceder ao pagamento da diferença até ao valor dessas metades».

Em sustentação da pretendida nulidade, apresentou um extenso articulado, onde expõe e discorre, além do mais, sobre as causas, regime legal e procedimentos negociais que levaram à emissão do predito despacho e às causas determinantes da sua nulidade, matéria que se deixa aqui sintetizada do seguinte modo: A Liga e a Federação, na qualidade de gestores de negócios dos clubes de futebol profissional, aderiram ao plano de regularização de dívidas fiscais regulado no DL nº 124/96, de 10.08, oferecendo ao Estado, para liquidação dos montantes que esses clubes deviam ao fisco em 31/07/96, as receitas futuras das apostas mútuas desportivas a que aqueles tinham direito; Essas receitas foram avaliadas num valor médio de 10.902.000 contos para um período de 12 anos e meio, equivalente às 150 prestações mensais previstas no nº 1 do art. 5º do DL 124/96, enquanto o montante das dívidas dos clubes existente em 31/07/96 foi avaliado em 11.367.198 contos; Nessa sequência, o Secretário dos Assuntos Fiscais proferiu, no âmbito do DL 124/96, o Despacho 7/98-XIII, de 4/03/98, onde consta, designadamente: - a aceitação, como forma de extinção das dívidas fiscais globais dos clubes existentes até 31 de Julho de 1996, no valor de 11.367.198 contos, da dação em pagamento das receitas das apostas mútuas desportivas oferecidas pela Liga e Federação, durante o período que vai de 1 de Julho de 1998 a 31 de Dezembro de 2010, sem prejuízo da manutenção e consideração dos pagamentos por conta já efectuados ou a efectuar até à data do início daquele período; - a determinação de que «no caso de metade do valor arrecadado ser insuficiente para o pagamento de metade da dívida global ao fisco apurada no segundo semestre de 2004 e de 2010, a Liga e a Federação deverão proceder ao pagamento da diferença até ao valor dessas metades» - ponto 7º do despacho.

Esse ponto 7º do aludido despacho é nulo, em suma, pelo seguinte: - da análise das normas tributárias resulta que, para alcançar o cumprimento de obrigações fiscais, a lei apenas pretendeu adoptar a datio in solutum, a qual implica a imediata extinção da dívida; Razão por que o despacho do SEAF deve ser interpretado no sentido de dar por extinta a dívida fiscal dos clubes sem a mínima reserva ou condição, pois que o seu teor também não reflecte uma dação pro solvendo; E estando a dívida extinta, é impossível ressuscitá-la ou imputá-la a um terceiro (Liga), sendo nulo o aludido ponto 7º por os seus efeitos serem juridicamente impossíveis; E o facto de a Liga ter intervindo no Auto de Dação em Pagamento não altera a situação, pois que, por uma lado, um acto nulo não deixa de o ser pelo facto de o destinatário lhe prestar assentimento e, por outro lado, a Liga não aceitou a responsabilidade que lhe foi imposta autoritariamente naquele despacho, tendo intervindo nesse Auto como mandatária dos clubes, pelo que tudo se passou como se fossem estes próprios a subscrevê-lo, não se reflectindo os efeitos do mandato na esfera jurídica da mandatária.

- a assunção pela Liga de uma dívida de terceiro, mesmo que este seja seu associado, exorbita manifestamente dos seus fins de pessoa colectiva de direito privado e fins públicos e, como tal, é nula e de nenhum efeito essa assunção nos termos dos artigos 160º nº 1 e 294º do Código Civil.

Terminou pedindo que, na procedência da acção, fosse declarada a nulidade do Despacho nº 7/98-XIII, de 4/03/98, proferido pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no segmento em que esse Membro do Governo determinou que «No caso de metade do valor arrecadado ser insuficiente para o pagamento de metade da dívida global ao fisco apurada no segundo semestre de 2004 e de 2010, a Liga e a Federação deverão proceder ao pagamento da diferença até ao valor dessas metades».

Juntou os documentos que constituem as fls. 66 a 110 dos autos.

* * * Citada a entidade demandada nos termos e para os efeitos previstos no art. 81º do CPTA, veio o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentar a contestação que se encontra junta a fls. 118 a 142, acompanhada dos documentos de fls. 143/168 e 218/227, de Parecer emitido em 25/02/05 pelo Centro de Estudos Fiscais (fls. 169/217) e do processo administrativo existente na DGCI relativo à adesão da Liga ao plano de regularização de dívidas fiscais regulado no DL nº124/96, de 10 de Agosto.

Nesse articulado, defendeu não só a intempestividade da presente acção à luz do disposto nos arts. 27º da LPTA e 58º do CPTA - em virtude de o impugnado despacho nº 7/98-XIII não padecer de qualquer vício determinante da sua nulidade - como, ainda, a improcedência da acção face à advogada legalidade e validade desse despacho, mormente no que diz respeito à sua cláusula 7ª.

O Digno Magistrado Ministério Público junto deste Tribunal, a quem foi entregue cópia da p.i. e dos documentos que a instruem, veio, dentro do prazo a que alude o art. 85º nº 5 do CPTA, pronunciar-se sobre o mérito da causa, o que fez acompanhando a posição expressa na contestação apresentada pela entidade demandada e subscrevendo o teor do Parecer que o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República emitiu em 15/06/98 sobre a legalidade do acto ora impugnado e cuja doutrina se encontra acolhida nas seguintes conclusões: 1º- A dação em cumprimento (datio in solutum) e a dação em função do cumprimento (datio pro solvendo) constituem meios de extinção da obrigação tributária, nos termos dos artigos 109º-A, 284º e 284º-A do Código de Processo Tributário, e 837º a 840º do Código Civil.

  1. - Os Despachos nºs 7/98-XIII, de 4 de Março de 1998, e 9/98-XIII, de 23 de Março de 1998, ambos do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, proferidos no âmbito do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, prefiguram, por preenchimentos dos respectivos requisitos, uma hipótese de satisfação de dívidas fiscais por meio de dação em função do cumprimento, não violando, por isso, o disposto nos artigos 109º-A, 284º e 284º-A do Código de Processo Tributário.

  2. - A dação em função do cumprimento do direito às receitas futuras das apostas mútuas desportivas a que os clubes de futebol com dívidas ao Fisco tenham direito, para pagamento de tais dívidas, constitui, na medida em que contribui para o saneamento económico e financeiro dos clubes, uma forma de promover e desenvolver o futebol, nos termos do estatuído nos artigos 16º e 17º-A do Decreto-Lei nº 84/85, de 28 de Março.

  3. - Os Despachos nºs 7/98-XIII e 9/98-XIII do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, porque não implicam a renúncia ao exercício de quaisquer competências por parte de órgãos ou agentes do Estado, não violam o disposto no artigo 29º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo.

Pela relatora foi proferido o despacho saneador de fls. 240, onde se relegou para a decisão final a apreciação da questão relativa à tempestividade da presente acção e onde se determinou o cumprimento do disposto no nº 4 do art. 91º do CPTA face à desnecessidade da produção de outras provas para além das já produzidas.

Na sequência desse despacho, veio a A. apresentar alegações escritas, onde manteve tudo quanto afirmou na p.i. e que rematou com as seguintes conclusões: 1.ª Juridicamente qualificado, o acto impugnado nos presentes autos de acção administrativa especial de impugnação de actos administrativo é um acto administrativo em matéria fiscal.

  1. O Tribunal é o competente em razão da matéria, da hierarquia e do território.

  2. De acordo com o principio tempus regit actum, a regra é a de que a apreciação contenciosa da legalidade dos actos administrativos deve ser feita à luz do quadro normativo vigente à data da prolação do acto impugnado, sendo que ao tempo da emissão do acto impugnado estava em vigor o Código de Processo Tributário (CPT), sendo esse diploma o aplicável à hipótese subjuditio.

  3. As normas tributárias devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais da hermenêutica jurídica, pelo que, na sua interpretação como na de quaisquer outras normas jurídicas, são convocadas as regras consagradas no art. 9° do Cód.Civil.

  4. Daí que não possa ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9°, nº 2), bem como na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).

  5. Acresce ao acima exposto que quando o Direito Fiscal utiliza conceitos importados e recebidos de outro ordenamento jurídico devem os mesmos ser qualificados do mesmo modo porque o são no ramo de Direito de origem.

  6. Ora, o acto impugnado foi proferido no âmbito do plano de regularização de dívidas fiscais regulado no DL nº 124/96, o qual, por sua vez, foi emitido ao abrigo do regime jurídico estabelecido no art. 59º da Lei nº 10-B/96; por outro lado o Despacho nº 7/98-XIII, ora impugnado, remete expressis et apertis verbis para os arts...

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