Acórdão nº 00762/06.1BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelDulce Neto
Data da Resolução07 de Setembro de 2006
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: O Exmº Director Geral dos Impostos recorre da sentença do TAF de Viseu que concedeu provimento ao recurso judicial interposto ao abrigo do disposto no art. 146º-B do CPPT por João da decisão que determinou o acesso directo da Administração Fiscal às suas contas bancárias.

Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1ª. A douta sentença sob censura, ao ter dado provimento ao recurso contra a decisão do ora Recorrente que autorizou a Administração Tributária a aceder à documentação bancária, fez uma errada interpretação da lei; 2ª. Da matéria factual dada como assente não resulta claro e inequívoco que não existam indícios concretos que indiciem gravemente a falta de veracidade quanto ao valor declarado da compra do imóvel; 3ª. Bem pelo contrário, fácil será concluir que a recusa voluntária no levantamento do sigilo bancário e bem assim a não justificação clara e transparente da aplicação do valor total do empréstimo, preenche claramente a previsão do Art. 63.º-B n.º 2, al. c) da L.G.T.; 4ª. Razão pela qual a sentença recorrida violou a citada norma legal, no segmento referido na II parte da alínea em causa.

O recorrido apresentou contra-alegações, onde suscitou a excepção da incompetência hierárquica deste Tribunal para o conhecimento do recurso (na consideração de que ele versa exclusivamente matéria de direito, sendo, por isso, competente para o seu conhecimento o S.T.A.) e para sustentar a manutenção do julgado.

Ouvido o recorrente sobre a excepção de incompetência arguida, nada disse.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer que consta de fls. 98/99, onde sustenta que apesar de entender que a AT tem o poder de aceder aos documentos bancários sempre que existam factos gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado, não sendo necessário, ao contrário do sustentado pela jurisprudência, a existência de indícios da prática de crime doloso em matéria tributária, o certo é que, no presente caso, não se verifica esse requisito, por três ordens de razões: - porque a falta de cooperação na realização das diligências previstas no nº 1 é perfeitamente legítima quando se trata da consulta dos elementos abrangidos pelo sigilo bancário, em harmonia com o estatuído art. 63º nº 4 da LGT; - porque os agentes da administração fiscal têm de ter presente que perante a eventual existência de um crime fiscal ou de outra natureza, os seus autores podem recusar-se a prestar quaisquer declarações, sendo-lhes permitido remeter-se ao silêncio sem que daí possa extrair-se qualquer ilação acerca dos factos a investigar, designadamente considerar que esse silêncio constitui, em si, um indício da prática de um crime fiscal; - porque os factos vertidos no despacho do Director Geral de Impostos não consubstanciam factos gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado, já que é perfeitamente legítima e legal a falta de entrega voluntária de documentos, a falta de prestação de declarações e a falta de autorização de acesso às contas bancárias.

Com dispensa dos legais vistos, em harmonia com o preceituado no art. 707º nº 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2º do CPPTº, cumpre decidir.

Suscitada que foi pelo recorrido a questão da incompetência hierárquica deste Tribunal para a apreciação do recurso, na consideração de que este se circunscrevia a matéria de direito, da competência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), cumpre apreciar prioritariamente tal questão, em harmonia com o disposto nos artigos 16º nº 2 do CPPT e 13º do CPTA aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro (anterior art. 3º da LPTA).

Tal como decorre do preceituado nos artigos 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro, e já antes estabeleciam os artigos 32º nº 1 alínea b) e 41º nº 1 alínea a) do anterior ETAF, aprovado pelo Dec.Lei nº 129/84, de 21 de Março, na redacção dada pelo Dec.Lei nº 229/96, de 29 de Novembro, o STA só é competente para conhecer dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª instância se estiver em causa, exclusivamente, matéria de direito.

Com o que se pretende reservar ao STA o papel de tribunal de revista, só o fazendo intervir quando a matéria de facto em disputa no processo esteja estabilizada, e apenas o direito se mantenha em discussão. Pelo que se o recurso versar, também, matéria de facto, competente é, não já o STA, mas o Tribunal Central Administrativo (TCA).

E tal como constitui jurisprudência pacífica e uniforme, para a determinação da competência em razão hierárquica o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos diferentes dos fixados pela 1ª instância, ou por contrários, ou por omissos. Por outro lado, a própria interpretação dos factos e as ilações que as instâncias deles retiram, desligadas de qualquer interpretação jurídica, constituem matéria de facto, subtraída, pois, ao conhecimento do tribunal de revista (cfr., entre outros, os Acórdãos do STA proferidos em 28/06/06, 12/01/94 e 16/03/94 nos Recursos nºs 158/06, 16743 e 17468, respectivamente).

Assim, o recurso versará exclusivamente matéria de direito se resumir a sua divergência com o decidido à interpretação ou aplicação da lei ou à solução dada a uma qualquer questão jurídica. E versará matéria de facto se manifestar discordância com a fixação factual: - quer porque se defenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se defenda que não se consideraram provados factos que o estão, quer porque se sustente que a prova produzida foi insuficiente e se impunha a realização de mais diligências, quer porque se façam afirmações de facto não contempladas no probatório, quer ainda por que se divirja nas ilações de facto que deles se deve retirar.

No caso vertente, verifica-se que a recorrente afirma na 2ª conclusão que «Da matéria factual dada como assente não resulta claro e inequívoco que não existam indícios concretos que indiciem gravemente a falta de veracidade quanto ao valor declarado da compra do imóvel», o que implica a formulação de um juízo de facto, pois que exige uma interpretação da matéria factual dada como assente e impõe uma análise das ilações que dela devem ser retiradas, desligada de qualquer interpretação jurídica, o que coloca, naturalmente, uma questão de facto.

Daí que o recurso não tenha por exclusivo fundamento matéria de direito, assim improcedendo a excepção arguida.

* * *Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto: A. O Recorrente, no âmbito de uma acção de recolha de informação com vista a comprovar a situação tributária em sede de Imposto Municipal de Sisa, porque relativamente a uma aquisição do imóvel em 30-09-2002 pelo valor declarado de 130.000,00 €, contraiu, na mesma data, titulados na mesma escritura, dois empréstimos, um naquele valor e outro no de 45.000,00 €, foi notificado pela Administração Fiscal, em Janeiro de 2006, para “fornecer elementos ...nomeadamente extractos bancários...” alertando-se que não sendo voluntariamente facultados poderá o Sr. Director Geral dos Impostos autorizar o acesso às contas bancárias - cfr. docs. de fols. 10, 11 e 14 do Processo Administrativo, aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais infra referidos; B. Porque o Recorrente apenas remeteu cópia das escrituras de compra e venda e mútuos, a Administração Fiscal notificou-o de novo, em Fevereiro de 2006, alertando-o das consequências da falta de colaboração - vide docs. de fols. 11, 17 e 4 nº 1; C. Os Serviços de Inspecção Tributária da D. de Finanças de Viseu, considerando serem os elementos bancários do Recorrente imprescindíveis à total...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT