Acórdão nº 01885/10.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução13 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO M… e “P…, LDA.”, devidamente identificados a fls. 05, inconformados vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 18.08.2010, que indeferiu a providência cautelar pelos mesmos deduzida contra o MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA, também devidamente identificado nos autos, e na qual peticionavam a suspensão de eficácia do despacho proferido em 29.01.2010 [que determinou a cessação de utilização de terreno ocupado com stand de exposição e comercialização de veículos e demolição de duas construções de apoio à referida actividade com uma área aproximada de 100 m2 existentes no local sem licença administrativa] e do despacho prolatado de 14.06.2010 [que ordenou a posse administrativa do imóvel e havida designado o dia 30.06.2010 para proceder à demolição de duas construções e a cessação da utilização do terreno ocupado como stand de exposição e comercialização de veículos].

Formulam, nas respectivas alegações [cfr. fls. 173 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. A sentença recorrida é, do ponto de vista dos Recorrentes, passível de crítica na apreciação sumária e parcial que fez sobre a validade da pretensão deduzida por aqueles, ao concluir pela verificação da excepção da caducidade e, consequentemente, pela improcedência do procedimento cautelar.

  2. Com efeito, se se impunha um juízo sumário, próprio da natureza jurídica da providência cautelar, tal circunstância não poderia determinar - como veio a acontecer - a omissão de conhecimento da plenitude do objecto dos autos. E, nesta parte, a sentença é nula por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aqui aplicável ex vi o artigo 1.º do CPTA.

  3. Ao analisar a procedência, ou melhor dito, a improcedência de um pedido, o Tribunal terá de considerar todos os vícios assacados ao acto, e não apenas, como parece ocorrer, um deles. Na verdade, e mesmo que se admitisse que a apreciação efectuada foi correcta, o que não se concede, ao não se conhecerem todos os vícios invocados estar-se-á a preterir a tutela jurídica da posição dos Requerentes.

  4. Ora, o Tribunal «a quo» apenas se ateve à possibilidade da existência ou não de delegação de poderes, concluindo, sem profusa e específica fundamentação, pela verificação da excepção de caducidade do direito (e nessa medida, há erro de julgamento). Melhor andaria, porém, se tivesse atendido em todos os vícios assacados ao acto, ao longo das intervenções que, à luz do código, as partes puderam realizar. Referimo-nos, desde logo, à dúvida patenteada pelos Requerentes sobre a existência de uma verdadeira delegação/subdelegação de competências ao abrigo dos documentos juntos com a oposição.

  5. Afora essa questão (cuja pertinência se explanará infra), importa apreciar a sentença recorrida, demonstrando a nossa crítica à sua apreciação do caso concreto. E isto porque, primeiramente questionamos sobre a possibilidade legal de o acto em questão ser praticado por um Vereador, na medida em que a lei, por força do disposto no artigo 106.º do RJUE, deferir tal competência ao Presidente da Câmara.

  6. Daí que o nosso primeiro ponto de espanto vá para a invocação de uma eventual subdelegação.

  7. Não se fazendo tábua rasada circunstância de a Lei n.º 169/ 99 previr a possibilidade de o Presidente delegar/ subdelegar competência própria e alheia, à luz aliás do disposto no artigo 35.º do CPA, entendemos, porém, que tal possibilidade, no quadro actual, se encontra limitada aos casos concretamente definidos na lei.

  8. Vários são os fundamentos para um tal entendimento: primeiramente, diga-se que o impõem o princípio da legalidade da competência e os elementos de interpretação; sendo a lei ou o regulamento a fixar a competência, este há-de ser o primeiro pressuposto de validade da delegação (bem assim os artigos 29.º, 35.º e 37.º, todos eles do CPA).

  9. E atendendo à norma em que se arvora o acto impugnado, vemos que linguisticamente o legislador foi expresso ao legitimar única e exclusivamente o Presidente da Câmara para a prática do acto em questão, assumindo a opção legislativa que temos por consciente, por comparação com outras normas do mesmo diploma (bem assim, os artigos 8.º, 11.º, n.º 9 e 75.º, entre outros, do RJUE).

  10. Ora, ao exigir-se a existência de uma lei de habilitação, não parece que o legislador terá tido em mente uma previsão geral, mas sim demanda a existência de uma norma concretamente habilitadora, conferindo, in caso, autorização para a sua prática.

  11. Ademais, diga-se que esta interpretação resulta conforme com a natureza jurídica específica do RJUE. Sendo este um diploma específico, concretamente definidor do quadro normativo da urbanização e da edificação, em desenvolvimento das atribuições próprias dos órgãos municipais tal como consta da Lei n.º 169/ 99 (algo que resulta, de resto, do prólogo daquele diploma), a sua regulamentação há-de prevalecer, na medida em que seja coadunável com o regime geral, as bases estabelecidas na Lei n.º 169/ 99, e não ofenda os seus princípios basilares.

  12. E isso não ocorre neste caso. Mais se diga que essa é a interpretação conforme com as regras da hermenêutica jurídica e da aplicação das leis. Falando-se aqui de normas da mesma hierarquia (leis ordinárias), incluídas no quadro da competência relativa da A.R., na existência de um conflito na sua interpretação há-de concluir-se pela prevalência da lei mais recente e da lei especial.

  13. Factos que apontam para a prevalência do RJUE, o qual inclusive foi recentemente revisto, incluindo deliberadamente esta mesma solução que aqui preconizamos.

  14. Valendo o que se diz, estar-se-á a cumprir além dos pressupostos em que assenta a faculdade de delegação, as suas características essenciais: a irrenunciabilidade, a inalienabilidade e, sobretudo, a não presunção da competência.

  15. Não prevendo a lei, no caso concreto, a possibilidade de delegação de poderes para a prática do acto administrativo que ordena a cessação de utilização e demolição, como resulta da letra da lei, temos que o acto praticado em contravenção com o fixado na lei é juridicamente inválido, uma vez que inválida é o próprio acto de delegação. Ora, tem pois sentido que, tal como avançamos em momento oportuno, a falta de lei de habilitação (ao abrigo do que dispõe o n.º 1 do artigo 35.º do CPA, e o n.º 2 do artigo 111.º da CRP) tem como consequência, pelo menos, a nulidade do (pretenso) acto de delegação de poderes - neste sentido o n.º 2 do artigo 29.º, também ele do CPA.

  16. Por outro lado, e pese embora sobre ele não se tenha pronunciado o Tribunal «a quo», mais do que saber se seria admissível haver delegação/subdelegação, importaria, concomitantemente, e perante a ficção da sua existência, averiguar sobre se existe um verdadeiro acto de delegação/subdelegação.

  17. Na verdade, para que exista, além da lei de habilitação, a lei entende que «é necessária a prática do acto de delegação propriamente dito, isto é, o acto pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado (…)».

    Ora, como pode haver-se como acto de delegação o documento junto, quando o mesmo traduz tão só um documento genérico de atribuições de Pelouros? Um acto de delegação deverá «especificação dos poderes delegados (…) positivamente, isto é, por enumeração explícita dos poderes delegados ou dos actos que o delegado pode praticar, e não negativamente, através de uma reserva genérica de competência a favor do delegante”, valendo o mesmo para a subdelegação. Exige-se, pois, uma enumeração concreta dos poderes delegados (confrontando-se este com o acto de delegação da Câmara Municipal no seu Presidente, junto também aos autos com a oposição, é manifesta a discrepância, porquanto, esta sim, configura uma verdadeira delegação).

  18. E mesmo que se houvesse por válido, o que não ocorre, note-se que o mesmo, pela feição que assume, também só teria a virtualidade de conferir poderes à Senhora Vereadora em questão para praticar os actos próprios do Presidente passíveis de delegação, concretamente individualizados na lei, e não outros, pois como se vê o mesmo nada concretiza. E aqueles seriam, como já avançamos em parte, os dos artigos 5.º, n.ºs 2 e 3, 8.º, 36.º, 75.º, ou 98.º, n.º 10.

  19. Ora, como vem dito, falta em qualquer dos casos falta habilitação legal ao autor do «acto» administrativo, bem como a legitimação para a sua prática; e existindo factores de legitimação, entre os quais a autorização para agir, impõe-se que um determinado órgão «só pode exercer aquela competência depois de ter obtido, de um outro órgão, uma autorização que visa fazer um controlo preventivo sobre a legalidade ou o mérito do acto que vai ser praticado».

  20. Daqui decorre pois a incorrecção da sentença produzida, não apenas na parte em que omite o conhecimento de todo o objecto dos autos, como também na definição da invalidade que o afecta, juízo esse que condicionou, pois, a conclusão pela verificação da excepção da caducidade do direito …”.

    Pugnam pela revogação da decisão judicial e decretação da pretensão cautelar formulada.

    O ente requerido, aqui ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 232 e segs.

    ), concluindo nos seguintes termos: “… 1. Na situação dos autos, estamos no âmbito de um procedimento cautelar (e não de uma acção administrativa especial - acção principal), que se caracteriza pela sua instrumentalidade, provisoriedade e sumaridade, dada a sua natureza urgente apenas se procede a uma cognição necessariamente sumária da situação de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT