Acórdão nº 04438/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelJOSÉ CORREIA
Data da Resolução19 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acorda-se, em conferência, nesta 2ª Secção do TCAS: 1.- A FAZENDA PÚBLICA, com os sinais identificadores dos autos, recorreu da sentença do Mº Juiz de Ponta Delgada que julgou procedente a oposição deduzida por A...

à execução fiscal contra si instaurada para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRC do exercício do ano de 2005, concluindo as suas alegações como segue: “1. A douta sentença recorrida considerou procedente a oposição pelo facto do imposto liquidado ter incidido sobre um bem próprio não pertencente à oponente existindo assim ilegitimidade da pessoa citada nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 204° do CPPT.

  1. Contudo, e como ficou exposto, os factos que a oponente alegou não são susceptíveis de integrar esse fundamento de oposição à execução; 3. Estando em cobrança coerciva divida proveniente de IRS que foi liquidado a ambos os cônjuges na sequência da apresentação conjunta de declaração de rendimentos, não pode um deles invocar como fundamento de oposição a sua falta de responsabilidade pela dívida, pois as dívidas de IRS dizem respeito a ambos os cônjuges, uma vez que a liquidação é efectuada com base na totalidade dos elementos declarados que englobam a totalidade dos rendimentos do agregado familiar [alínea a) do n.° 3, n.° 2 do artigo 13° e artigo 76° do CIRS].

  2. O tipo de ilegitimidade previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 204° do CPPT reporta-se exclusivamente aos impostos em que a posse, fruição ou propriedade de determinados bens seja pressuposto da incidência.

  3. Aliás, aquele argumento contende com a legalidade concreta da liquidação e como tal não serve de fundamento de oposição à execução fiscal.

  4. Pelo que a douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo fez, a nosso ver uma incorrecta interpretação das normas legais e da ratio legis que as fundamentam, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências.

Pelo supra exposto e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.” Não houve contra – alegações.

O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento pelas razões a que infra se fará alusão.

Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.

*2.- Na sentença recorrida, com base na análise dos documentos juntos aos autos e do acordo das partes, deram-se como assentes os seguintes factos, ordenados alfabeticamente por nossa iniciativa: “

  1. A oponente e B...casaram a 2 de Julho de 1991, sem convenção antenupcial.

  2. A 7 de Julho de 1992, B...e seus pais outorgaram escritura pública, através da qual estes doaram àquele um prédio urbano sito à Rua de ..., freguesia de Santa Cruz, município de Praia da Vitória, ao qual foi atribuído o valor de quinhentos mil escudos.

  3. A 3 de Maio de 2005, B...outorgou escritura pública, através da qual, com o consentimento da sua cônjuge, vendeu esse prédio pelo valor de cento setenta e cinco mil euros.

  4. Na declaração de rendimentos que apresentaram relativamente ao ano fiscal de 2005, a oponente e B...declararam essa venda e ainda que pretendiam reinvestir a mais-valia correspondente na aquisição de habitação própria permanente.

  5. Como, porém, não fizeram essa aquisição, a 17 de Junho de 2009 a administração fiscal efectuou liquidação adicional de IRS, no valor de 2.4652,99 euros.

  6. B...pagou metade desse valor.

  7. A outra metade não foi paga pela oponente, tendo sido instaurada a execução a que ela ora se opõe.”* Ao abrigo do artº 712º do CPC adita-se ao probatório a seguinte factualidade relevante para decisão da causa: h) - A presente execução foi instaurada contra ambos os cônjuges como se alcança do título dado à execução que se encontra a fls. 2 do apenso.

*3.- Fixada a factualidade relevante, vejamos agora o direito donde emerge a solução do pleito, sendo certo que as conclusões de quem recorre balizam o âmbito de um recurso concreto ( artºs. 684º e 690º do CPC).

É inquestionável o regime segundo o qual este Tribunal aplica o Direito ao circunstancialismo factual que vem fixado, pelo que a questão que se impõe neste recurso é a de juridicamente fundamentar a ilegitimidade/legitimidade da oponente já que, como se vê das conclusões recursórias a recorrente Fazenda Pública insurge-se contra a decisão da Mª Juíza que considerou procedente a oposição pelo facto do imposto liquidado ter incidido sobre um bem próprio não pertencente à oponente existindo assim ilegitimidade da pessoa citada nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 204° do CPPT.

Evidencia o probatório que a recorrida e respectivo cônjuge apresentaram declaração conjunta de IRS do ano de 2005 no qual o cônjuge da oponente, com o consentimento desta, alienou um imóvel propriedade daquele.

Sucede que as mais valias não foram reinvestidas na aquisição de habitação própria e permanente pelo que a AT procedeu à liquidação adicional, cuja dívida deu origem à execução a que se reporta a presente oposição, a qual foi instaurada contra ambos os cônjuges.

Mas, como bem denota o EPGA, evocando o pertinente ensinamento do Prof. Rui Duarte Morais in Sobre o IRS, 2.a edição, página 29, "Entre nós (no caso dos residentes) optou-se pela tributação do agregado familiar: existindo, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção (art.13.°, n°2).

Temos, assim, que o agregado familiar é a unidade económica relativamente à qual se afere a tributação. Tal não significa que tenha sido reconhecida personalidade jurídica às famílias, mesmo que só para efeitos deste imposto. Os sujeitos passivos são as pessoas a quem incumbe a direcção do agregado familiar (ambos os cônjuges, sendo o caso), existindo, portanto, uma titularidade plural das obrigações fiscais e uma responsabilidade solidária de ambos os cônjuges pela dívida de imposto".

Por isso que o EPGA assertivamente conclua que a recorrida é solidariamente responsável pelo pagamento da dívida exequenda.

Na verdade, o sistema de tributação regra constitui o conjunto de normas parâmetros estruturais que são necessários à aplicação de um imposto e, no caso do CIRS, tais parâmetros são, entre outras, as regras de incidência, a anualidade da tributação, a noção da agregado familiar, a determinação dos sujeitos passivos do imposto, etc.

Por outro lado, apurando-se que o título executivo foi extraído contra ambos os cônjuges, é inelutável a conclusão de que a questão da ilegitimidade suscitada pela oponente, tal como ela foi colocada, se prende com a legalidade, em concreto, do acto de liquidação do IRS exequendo, pelo que não constitui fundamento subsumível no art.º 204.º do CPPT, concretamente no seu n.º 1/b, como invoca.

É que, como vimos e agora se reafirma, tratando-se de pessoas singulares, no caso de contribuintes casados, para efeitos de IRS a lei determina que o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos do agregado familiar, composto, ao que aqui releva, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens.

E a noção de “agregado familiar” fiscalmente relevante, ainda que mais extensa, comporta em si a noção que de “família”, do ponto de vista restrito e enquanto resultante do casamento, é dada pela lei civil.

Desse modo, se é certo que o Código Civil, após a reforma operada pelo Dec.-Lei nº. 496/77NOV25, e no acatamento do imperativo constitucional decorrente do preceituado na Lei Fundamental, revogou o artigo 86º daquele compêndio legal e que dispunha sobre o domicílio legal da mulher casada (que era, até então e por princípio, o do marido) atento o princípio da igualdade de direitos entre os cônjuges contemplada na constituição, a verdade é que não deixou de continuar a vincular, qualquer dos cônjuges, entre outros e ao que aqui releva, ao dever de coabitação o que vale por dizer que, por princípio e salvo casos de excepção, que, por isso mesmo terão de ser demonstrados por quem aproveitem, os cônjuges estão obrigados, como refere Abel P. Delgado, O Divórcio, pág. 24, com relevância actual, «[...] a viver em comum, a viverem juntos, sob o mesmo tecto, enfim a viverem na residência da família», sob pena de darem causa a divórcio litigioso (cfr. artºs. 1672º e 1779º do CC).

É em coerência com o exposto, que o artº. 1673º do C.Civil...

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