Acórdão nº 07000/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução13 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Laboratórios .........., Lda., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. A Sentença recorrida padece de erros de julgamento de facto e de Direito, tendo o Tribunal a quo violado normas jurídico-processuais aplicáveis, e feito uma incorrecta aplicação do Direito ao caso sub judice.

  1. Desde logo, a Sentença viola a norma do artigo 118°, n° 4 do CPTA porque o Tribunal a quo não inquiriu as testemunhas arroladas pela Recorrente, nem permitiu que esta oferece como meio de prova dos factos alegados no requerimento de providência cautelar, tendo desconsiderado tal requerimento, pelo que deverá ser revogada.

  2. Acresce que o Tribunal a quo andou mal na interpretação e aplicação dos pressupostos processuais, na forma como interpretou e aplicou o Direito aos factos, e quando considerou não ser evidente a procedência da acção principal.

  3. Salienta-se que a Entidade Recorrida está vinculada ao "bloco de legalidade" consignado no artigo 3.° do CPA, que impõe o respeito pelos direitos de propriedade industrial da Recorrente, 5. Os quais têm natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias fundamentais (cfr. artigos 17.° e 62.° da CRP).

  4. Pelo que a Entidade Recorrida na apreciação de um pedido de autorização de introdução no mercado está vinculada a respeitar os direitos de propriedade industrial da Recorrente cuja existência e validade não podia ignorar.

  5. Perante os factos em discussão nestes autos e os que indiciariamente foram dados como provados (em especial os relativos à titularidade de uma patente relativa à substância Atorvastatina e de AIMs do medicamento de referência Zarator), não podia o Tribunal ter considerado não ser manifesta a ilegalidade dos actos praticados pelo Infarmed.

  6. Mesmo que o Infarmed entendesse que não lhe cabia apreciar se havia ou não ofensa da patente da Recorrente, não indeferindo assim de imediato os requerimentos das Contra-lnteressadas, deveria ter suspenso os procedimentos, nos termos no artigo 31.° do CPA, até que a autoridade competente - o INPI – se pronunciasse sobre esta questão prejudicial à concessão de AIM.

  7. Outra das alternativas legítimas de actuação por parte do Infarmed seria conceder uma AIM condicionada à caducidade da patente da Recorrente. Ou seja, uma AIM cujos efeitos estariam suspensos até ao último dia de validade da patente da Recorrente. Deste modo, o fnfarmed respeitaria os direitos de propriedade industrial da Recorrente e acautelava qualquer preocupação de não prolongar o seu período de protecção, pois qualquer Contra-lnteressada podia usufruir plenamente de uma AIM no dia seguinte ao da caducidade da patente da Recorrente.

  8. Sempre se refira que a concessão das AIMs de medicamentos pelo Infarmed às Contra-lnteressadas não é apenas contrária ao direito nacional, mas igualmente ao direito da União Europeia, porque desconsidera por completo a natureza de direitos fundamentais dos direitos em causa da Recorrente, os quais são objecto de uma protecção específica por parte do direito da União Europeia.

  9. Os actos suspendendo padecem de vários vícios, que vão para além do desrespeito pelos direitos de propriedade industrial da Recorrente, como sejam a violação das regras do Estatuto do Medicamento e a violação de deveres jurídicos bem como princípios fundamentais do direito administrativo, tais como os princípios da legalidade e do inquisitório e o direito de audiência prévia da Recorrente.

  10. O Tribunal a quo também julgou erradamente não estar preenchido o requisito do periculum in mora.

  11. A mera concessão de uma autorização de introdução no mercado que viola os direitos de propriedade industrial da Recorrente implica, desde logo, a verificação de uma situação de facto consumado, enquanto durar a referida violação.

  12. A existência de uma situação de facto consumado prende-se, ainda, com os efeitos irreversíveis dos actos em crise na comercialização do Zarator.

  13. A tutela dos direitos fundamentais da Recorrente pode e deve ser preventiva, não tendo o Tribunal que esperar, contrariamente ao que parece resultar da motivação da sentença recorrida, pela verificação efectiva de danos irreversíveis para conceder tal tutela cautelar.

  14. Resulta dos documentos juntos aos autos pela Recorrente e da experiência do mercado, que as AlMs concedidas às Contra-lnteressadas conduzirão a uma redução drástica da quota de mercado e das vendas do medicamento Zaraíor.

  15. O tempo durante o qual a Recorrente estiver impedida de usufruir, de forma plena, da titularidade da patente relativa à substância activa Atorvastatina e da autorização de introdução no mercado do medicamento Zarator é irrepetível, com as consequentes perdas de negócio.

  16. Pelo que a sentença proferida no processo principal, sendo favorável, revelar-se-á totalmente desprovida de eficácia e utilidade.

  17. Por um lado, mesmo que os actos em crise sejam anulados ainda durante o período de validade da patente da Recorrente, a recuperação da quota de mercado não será, devido às condições de mercado, exequível.

  18. Por outro lado, depois de caducada a patente da Recorrente que conflitua com os actos em crise, a Recorrente estará legalmente impedida de ter o exclusivo de comercialização decorrente da mesma.

  19. Motivos pelos quais a ora Recorrente sofrerá prejuízos de difícil reparação.

  20. Foi esta realidade que escapou ao julgamento jurídico que o Tribunal a quo fez das consequências da execução dos actos em crise e que, deve, portanto ser corrigido por esse Venerando Tribunal.

  21. Desconhecem-se ainda que danos, a existirem, resultarão em concreto da concessão da providência requerida pela Recorrente.

  22. Por conseguinte, os danos que resultarão da recusa da providência em apreço serão superiores aos eventuais danos que possam decorrer do seu decretamento.

  23. Tal como foi alegado em detalhe pela Recorrente nos articulados apresentados aos autos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos, estão verificados todos os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar requerida.

    * A contra-interessada ora Recorrida W.... - Industrial .........., SA contra-alegou, concluindo como segue: 1. Não há qualquer necessidade de alterar a matéria de facto provada, nem a recorrente identifica em concreto quaisquer falhas na matéria provada, tendo o Mt° Juíz seleccionado os factos relevantes, nos termos do artigo 511° CPC, para a boa decisão da causa.

  24. Não há fumus boni júris na acepção prevista pela alínea A) do n° l do artigo 120° do CPTA porquanto não se apresenta evidente a ilegalidade dos actos impugnados nem a procedência dos vícios invocados.

  25. Os actos de AIM são válidos, porque emitidos pela entidade com competência para o efeito e foram proferidos no âmbito do quadro regulador definido pelo DL176/06 e pelas Directivas 83/2001/CE e 27/2004/CE, devendo a interpretação daquele ser conforme ao direito comunitário; 4. O direito comunitário goza de primado sobre as normas constitucionais portuguesas à luz do artigo 8° CRP na redacção de 2005.

  26. Através da emissão das AIM, o Infarmed limita-se a atestar publicamente, que o medicamento que lhe foi submetido para licenciamento, é seguro e possui eficácia terapêutica.

  27. A legislação portuguesa, a legislação comunitária e a jurisprudência comunitária, são unânimes em considerarem irrelevante no âmbito dos procedimentos de licenciamento de medicamentos genéricos, a existência de patentes sobre os processos técnicos de produção da substância activa incluída no medicamento genérico.

  28. A sucessão de regimes legais para licenciamento de medicamentos consubstanciada através da revogação do D.L.72/91 e substituição pelo DL176/06, interpretada à luz do artigo 9° do Código Civil, revela claramente que o legislador retirou da lei aplicável a relevância da patente, quer para a definição do conceito de medicamento genérico quer para a emissão de AIM.

  29. Os actos administrativos de AIM impugnados, são legais e não violam a patente da recorrente, na medida em que esses actos não constituem actos de exploração económica do direito patenteado nem intrusivos do conteúdo do direito de patente.

  30. A patente de invenção é um direito exclusivo à exploração económica cio seu objecto e não um direito de exclusão, que pode ser comprimido e que não é violado por actos administrativos que não constituem exploração económica não autorizada desse direito, à luz dos artigos 101 e 102° do Código da Propriedade Industrial.

  31. A futura e hipotética exploração económica pela Cl do medicamento autorizado, deve ser feita com respeito da lei (art. 29° DL176/06) sem prejuízo da responsabilidade civil e/ou criminal (art. 14/4 D.L. 176/06).

  32. Urna autorização de introdução no mercado de um medicamento só pode ser recusada por motivos relacionados com a segurança e eficácia terapêutica da mesma.

  33. 12, A eventual ou hipotética violação de patentes só se coloca num momento posterior à data da emissão da A1M e coincide com a comercialização do medicamento e nunca na prévia valoração técnica da sua qualidade, eficácia e segurança.

  34. O direito de patente tem que ser gozado de modo pleno e exclusivo, mas como qualquer direito, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela imposta, nomeadamente o interesse público e/ou os direitos de terceiros in casu, da Cl e dos consumidores; 14. Nestes autos há um verdadeiro fumus malus na medida em que os actos de AIM não violam patentes, não há prova de qualquer violação nestes autos nem presunção de violação, sendo manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal, sendo por conseguinte inaplicável a 2a parte da alínea b) do n° l do artigo 120 CPTA na esteira de acórdãos anteriores deste tribunal.

  35. A patente ..... constitui apenas e só uma patente de processo que protege a invenção de um processo técnico para obter atorvastatina e obviamente o produto final obtido pela aplicação desse processo, mas não...

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