Acórdão nº 00197/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Março de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCasimiro Gonçalves
Data da Resolução01 de Março de 2005
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

RELATÓRIO 1.1. T... - Empresa Têxtil de Barcelos, SA., pessoa colectiva n° 500.097.577, com sede na Rua Cândido da Cunha, n° 34, Barcelos, recorre contenciosamente do despacho conjunto, proferido em 13/12/2002, por SExas. a Ministra de Estado e das Finanças e o Ministro da Economia, despacho que decidiu resolver unilateralmente o contrato de concessão de benefícios fiscais celebrado, em 24/10/94, entre o Estado Português, representado pelo ICEP - Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal.

1.2. Na PI invoca, em síntese, o seguinte: O aludido contrato tem por objecto a concessão de benefícios fiscais à recorrente no âmbito de um projecto de investimento que a mesma se propunha executar, o qual consistia na instalação e abertura, em território francês, de cinco lojas de venda ao público de vestuário e acessórios para criança, durante o ano de 1994, mediante um investimento global de 414.194 contos.

As lojas em causa funcionariam sob o nome comercial "Pe..." e destinar-se-iam exclusivamente à venda de produtos produzidos e comercializados sob a marca "Pe..." e no quadro de uma imagem, um design e um conceito uniformes e a recorrente obrigou-se a executar o projecto de acordo com o estudo técnico-económico apresentado e a cumprir o plano de investimento e financiamento do projecto, nos prazos estipulados no estudo técnico-financeiro, tendo o termo de vigência do contrato sido fixado para o final do terceiro ano posterior ao da integral realização do investimento.

O despacho conjunto ora recorrido decide resolver unilateralmente o aludido contrato fundamentando-se no facto de a promotora não ter cumprido integralmente as obrigações e objectivos estabelecidos contratualmente, nomeadamente, o disposto nas alíneas b) e j) da Cláusula Quinta do Contrato, já que um dos objectivos previstos no plano de investimento consistia na abertura de cinco lojas durante o ano de 1994, tendo apenas sido abertas três lojas, duas das quais foram encerradas, antes do termo de vigência do contrato.

Ora, nos termos do art. 12° do EBF, bem como da al. a), do art. 10° do DL 289/92, de 26/12, a resolução unilateral do contrato com base no não cumprimento dos objectivos e obrigações estabelecidos no mesmo, só ocorre se tal incumprimento se ficar a dever a facto imputável à empresa promotora.

Todavia, decorre das regras da experiência comum que nenhum projecto empresarial tem, à partida, o seu sucesso garantido, sendo a actividade económica uma actividade de risco, sujeita a factores imponderáveis e que escapam ao controlo da entidade promotora. E no caso vertente, embora não se tenha logrado concretizar o plano de investimentos que foi definido e apresentado ao Estado Português, não poderá sustentar-se que tal circunstância se impute à entidade promotora.

Isto porque, embora tivessem sido empregues todos os esforços e toda a diligência tendo em vista o êxito da operação, o mercado francês não acolheu a iniciativa da melhor maneira, tendo-se acumulado inúmeros e elevados prejuízos que, numa óptica de gestão racional, de controlo e circunscrição dos riscos, conduziram ao encerramento das lojas abertas e à suspensão da abertura de novas lojas, sendo que a não abertura de mais unidades e o posterior encerramento das três existentes se ficou a dever à forte redução de procura no mercado francês, que evidenciou uma quebra de 15% em 1994 e de 17% no mês de Outubro de 1995.

E foram diversas as unidades de venda a retalho que encerraram em Paris no período em causa, bem como foi inúmero o volume de trespasses então realizado.

A abertura de cada uma das lojas impunha a existência de custos fixos elevados, designadamente com pessoal, arrendamentos, trespasses, pelo que os proveitos totais previstos para 1995 no projecto entregue ao Estado Português eram de 600.691 contos, tendo sido realizados apenas 161.589 contos, facto que deu azo a que, em vez de um resultado líquido positivo de 57.706 contos, se atingisse um resultado líquido negativo de 58.201 contos.

Para o período de 1/8/1994 a 30/12/1995 a conta de exploração de cada uma das lojas foi a seguinte: a loja de Parly teve um resultado líquido negativo de 338.605, a loja de St. Gemiam teve um resultado líquido negativo 169.451, a loja de Lille teve um resultado líquido negativo de 181.386 - valores em francos franceses.

E no exercício do ano de 1996 a conta de exploração de cada uma das lojas foi a seguinte: a loja de Parly teve um resultado líquido negativo de 398.304, a loja de St. Germain teve um resultado líquido negativo 171.343, a loja de Lille teve um resultado líquido negativo de 232.497 - valores em francos franceses.

No exercício do ano de 1997 a conta de exploração de cada uma das lojas foi a seguinte: a loja de Parly teve um resultado líquido negativo de 199.967 (tendo encerrado em Outubro), a loja de St. Germain teve um resultado líquido negativo 45.784 (tendo encerrado em 2001), a loja de Lille teve um resultado líquido negativo de 8.307 (tendo encerrado em Abril) - valores em francos franceses.

Ou seja, os prejuízos aumentaram à medida que o tempo passava, o que ficou a dever-se à acentuada falta de procura dos produtos e às condições gerais da economia francesa, e não à falta de diligência e empenho da recorrente, sendo que o volume de receitas e o resultado líquido positivo previstos, não seriam de todo alcançados mesmo que se tivesse procedido à abertura das duas outras lojas, sendo certo, pelo contrário, que todos os indicadores apontavam para um sério agravamento da situação caso tal ocorresse.

Em face de tal quadro, o cancelamento da abertura de novas lojas e o encerramento das demais era a única decisão de gestão que se impunha à luz dos elementos e da informação disponível, bem como a única decisão compatível com os critérios de uma gestão sã e prudente, atendendo aos interesses da sociedade, dos trabalhadores e dos accionistas e jamais a recorrente actuou com o intuito de violar o contrato sub judice, sendo certo que a situação vertente decorre de factos que são estranhos à sua vontade e ao seu controlo e que não estiveram ao alcance de qualquer juízo de prognose por parte de ambos os outorgantes no acordo.

Desta factualidade assinalada, da lei, do contrato e das regras da experiência resultam múltiplas consequências: em termos de interpretação do contrato, e de definição da modalidade das obrigações assumidas pelas partes, e em termos de avaliação do cumprimento ou não cumprimento das obrigações assumidas.

Em termos de interpretação do contrato: Resulta com clareza a ideia de acordo com a qual a obrigação da recorrente é uma obrigação de meios, já que, no domínio do exercício de uma actividade de risco e com resultado incerto aquilo que se pode exigir do devedor é que desempenhe a melhor diligência e prudência para atingir o resultado almejado. Nem do contrato nem da lei decorre que a recorrente estivesse adstrita ao cumprimento de uma obrigação de resultado, mas, antes, de uma obrigação de meios.

Ora, o objectivo da entidade promotora não se esgota, tout court, na abertura de um certo número de lojas, tratando-se aí de um aspecto meramente estático que surge apenas como condição para a satisfação do verdadeiro e essencial escopo das partes, qual seja, a internacionalização da recorrente em termos sólidos e economicamente reditícios. E, sendo o escopo das partes a internacionalização da empresa e da marca "Pe...", é certo que uma interpretação do contrato de acordo com a boa fé, levará a concluir que estamos perante uma obrigação com faculdade alternativa, aquela em que o devedor pode exonerar-se mediante a realização de uma outra prestação para além daquela a que está inicialmente adstrito, sem o consentimento do credor.

Isto porque, sendo o objectivo das partes outorgantes a criação de condições para a internacionalização da recorrente, se afigura que, do ponto de vista de ambos os contraentes, tal objectivo se pode considerar satisfeito quer a internacionalização ocorra em França quer noutro país, já que a contrapartida entregue pelo Estado Português à recorrente não ficou especificamente dependente da realização do investimento em território francês, já que, sendo o objectivo a internacionalização da marca, revelar-se-ia indiferente, do ponto de vista da entidade que concede os benefícios, que essa internacionalização se realize naquele ou noutro país. Isto é, o que motivou a concessão dos benefícios fiscais não foi especificamente o interesse no mercado francês, foi antes o interesse na internacionalização. Por outro lado, o carácter excepcional dos benefícios fiscais - medidas instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação - cfr. nº 1, do art. 2º do EBF - não sai minimamente beliscado, já que o interesse público prosseguido tanto o é em França como noutro país, sendo que, no caso, a recorrente, durante os anos de 1994 a 1996 procedeu à abertura de 7 lojas, 6 situadas nos EUA e uma situada em Espanha - tendo aberto 3 lojas em 1994 nos EUA em Westport, Stamford e Greenwich, três lojas em 1995 em Scarsdale, Wellesley e Dallas e uma no ano de 1996 em Fairfield.

Em termos de definição da modalidade das obrigações assumidas pelas partes: Em primeiro lugar é evidente que a avaliação do cumprimento ou não cumprimento da obrigação assumida pela recorrente não depende da análise aritmética do número de lojas abertas em território francês, quer porquanto a aludida questão é meramente instrumental relativamente ao verdadeiro escopo das partes, escopo esse que constitui o critério de análise do cumprimento ou não cumprimento, quer porquanto decorre do acima exposto, que se pode afirmar de forma inelutável que a recorrente cumpriu a obrigação que deu causa a concessão dos benefícios fiscais.

Em segundo lugar, mesmo que assim não fosse, afigura-se que o legislador não pretendeu retirar os benefícios fiscais nos casos em que as operações se frustrem por razões de mercado que escapam ao...

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