Acórdão nº 02816/99 de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Novembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução09 de Novembro de 2004
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada "P... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A." (adiante Impugnante ou, abreviadamente, "P...") deduziu impugnação judicial contra a liquidação de emolumentos registrais que lhe foi efectuada quando da inscrição de diversas alterações aos seus estatutos, incluindo um aumento de capital, liquidação do montante de esc. 3.612.000$00, apurado através da aplicação dos arts. 1.º, n.º 3, e 3.º da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial (TERC), aprovada pela Portaria n.º 883/89, de 13 de Outubro e editada ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 2, do Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro.

    A Impugnante, depois de defender a competência dos tribunais tributários para conhecer da impugnação contenciosa de actos de liquidação de emolumentos do registo comercial, dada a natureza tributária destes, e a propriedade do meio processual - impugnação judicial - de que lançou mão, invocou, como fundamento do pedido de anulação da liquidação, a inconstitucionalidade e/ou a desconformidade ao direito comunitário do art. 1.º, n.º 3, da TERC. Isto, em síntese, «porque se deve entender que [aquela norma] estabelece um verdadeiro imposto sobre o capital das sociedades sem estar habilitado por competente autorização legislativa e sem que esse imposto obedeça à estrutura do imposto sobre as entradas de capital consentido pela Directiva 69/355/CEE, ofendendo por isso o nº 2 do art. 106º e a al. i) do nº 1 do art. 168º da Constituição e o art. 10º da dita directiva» (1) ou «porque, de todo o modo - e particularmente no caso concreto da impugnante - cria uma receita pública manifestamente desproporcionada com os custos e a natureza do serviço prestado em troca, com o que quedam violados o princípio da proporcionalidade e o princípio da proibição dos excessos (cfr. nº 2 do art. 266º da Constituição) e ainda o sobredito artigo 10º da Directiva (dada a inaplicabilidade de qualquer das derrogações previstas pelo art. 12º, designadamente da que se contém no seu nº 1, al. e))».

    1.2 O Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto declarou aquele Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial (cfr. fls. 175 a 180), sendo que este despacho, mediante recurso interposto pela Impugnante, foi revogado por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que declarou competente o Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto competente em razão da matéria (cfr. fls. 239 a 242) (2).

    1.3 Devolvidos os autos ao Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto, o Juiz desse Tribunal anulou todo o processado a partir do despacho de fls. 162 e segs. (aí se incluindo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo referido em 1.2) com fundamento na falta de prestação de informações oficiais (cfr. fls. 249/250).

    1.4 A Impugnante manifestou a intenção de recorrer desse despacho (cfr. fls. 252).

    1.5 O recurso foi admitido, a subir com o que viesse a ser interposto da decisão final, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 253).

    1.6 O processo prosseguiu os seus termos, designadamente com a notificação do Representante da Fazenda Pública (RFP) nos termos e para os efeitos do art. 131.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário (CPT), tendo este, na resposta que apresentou, excepcionado que lhe cumpra a representação da entidade liquidadora dos emolumentos e a incompetência do tribunal em razão da matéria.

    1.7 Foi proferida sentença (cfr. fls. 309 a 328) na qual o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto, depois de enumerar as questões a apreciar e decidir como sendo as da competência do Tribunal em razão da matéria, da legitimidade do RFP para contestar, da constitucionalidade do art. 1.º, n.º 3 da TERC e, finalmente, da conformidade deste preceito com a Directiva 69/355/CEE, do Conselho, de 17 de Julho, julgou no sentido e com a fundamentação que, em síntese, passamos a referir: a) o Tribunal é absolutamente competente porque os emolumentos de registo comercial são receitas tributárias estaduais; b) o RFP tem legitimidade para representar a Direcção-Geral dos Registos e Notariado (DGRN); c) a impugnação é improcedente, pois, - contrariamente ao que sustenta a Impugnante, os emolumentos em causa constituem taxas uma vez que são pagas «como contrapartida de um serviço individualizável prestado por um ente público», sendo que «o custo do serviço solicitado é calculado com base no valor do acto que se pratica» e tendo como especificidade o facto de se destinarem à remuneração dos conservadores e funcionários das conservatórias; - quanto à invocada inexistência de correlação entre o serviço prestado e o montante cobrado a título de emolumentos (que, na óptica da Impugnante, significa que aqueles emolumentos, incidindo sobre a capacidade contributiva do cidadão, constituem imposto), considerou o Juiz que o serviço público é pago tendo em conta «vários vectores», entre os quais o valor do acto praticado e que aquele critério não se confunde com o da capacidade contributiva, pois relevante é o valor do acto e não os rendimentos do utilizador do serviço; - finalmente, quanto à invocada inexistência de "justa proporção" ou "justo equilíbrio" entre a prestação do particular e a contraprestação do serviço público, considerou que o princípio de que o custo do acto será proporcional ao seu valor económico é razoável pois assenta no benefício ou vantagem económica que o acto representa para o utilizador do serviço e, por outro lado, que «é até mais onerado quem pratica um acto de baixo valor do que quem pratica um de valor mais alto»; - quanto à violação da Directiva 69/335/CEE, do Conselho, de 17 de Julho, considerou o Juiz do Tribunal a quo que o valor dos emolumentos em causa visa cobrir, não só o custo directamente relacionado com o serviço prestado, como também os custos resultantes da manutenção dos próprios serviços que os prestam, motivo por que não existe violação daquela Directiva.

    1.8 Dessa sentença recorreram a Impugnante (cfr. fls. 330 a 341) e a Fazenda Pública (cfr. fls. 385 a 410) para o Supremo Tribunal Administrativo e os recursos foram admitidos, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. fls. 411).

    1.9 Os Recorrentes apresentaram alegações de recurso, que resumiram nas seguintes conclusões: 1.9.1 A Impugnante (a fls. 340/341): «1ª - A falta de informações oficiais não é de molde a acarretar a nuli-dade do Acórdão do STA de 14 de Maio de 1997 in Rec. 21.403, por este não ser um acto que daquelas dependa absolutamente; 2ª - A liquidação de emolumentos de que a recorrente foi alvo está ferida de invalidade, devendo, por isso, ser anulada com todas as consequên-cias; 3ª - Com efeito, o art. 1º, nº 3, da "Tabela de Emolumentos do Registo Comercial" (com a redacção que lhe foi dada pela Portaria nº 883/89, de 13 de Outubro), enferma do vício de inconstitucionalidade e/ou de contrariedade ao direito comunitário, ofendendo o nº 2 do art. 106º e a al. i) do nº 1 do art. 168º da Constituição e o art. 10º da Directiva 69/335/CEE; 4ª - Tal é o que resulta do facto de, por intermédio do art. 1º, nº 3, da Tabela, se estabelecerem receitas que, muito embora apresentem uma cone-xão com um serviço público individualizável, estão manifestamente desligadas, quanto ao seu montante, da actividade desenvolvida pela Administração; 5ª - A desproporção entre o tributo e o serviço é tal que se pode dizer que aquele se desligou completamente deste último, tornando-se, em boa verdade, uma receita abstracta - um imposto -, sendo certo que a mesma foi estabelecida pelo Governo sem estar habilitado por competente autorização legislativa e que o imposto não obedece à estrutura do imposto sobre as entradas de capital consentido pela Directiva 69/335/CEE; 6ª - Pelo que toca a esta Directiva, concretamente, deve entender-se que não podem legitimar-se ao abrigo do respectivo art. 12º , nº 1, al. e), direi-tos desprovidos de toda a ligação com o custo do serviço particular ou cujo montante seja calculado não em função do custo da operação de que seja contrapartida, mas em função dos custos globais de funcionamento e de investimento do serviço encarregado da dita operação, conforme já foi decidido pelo Tribunal de Justiça da Comunidade; 7ª - Sempre terá de conceder-se, de resto, em que o art. 1º, nº 3, da Tabela de Emolumentos do Notariado, cria uma receita pública manifestamente desproporcionada com os custos e a natureza do serviço prestado em troca, com o que quedam violados o princípio da proporcionalidade e o princípio da proibição dos excessos; 8ª - A sentença recorrida violou, pois, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 106º, nº 2, 168º, nº 1, al. l) e 266º, nº 2, da Lei Constitucional 1/92 (aos quais, correspondem, actualmente, os arts. 103º, nº2, 165º, nº 1, al. l) e 266º, nº 2) e os arts. 4º, 10º e 12º, nº 1, al. e) da Directiva 69/335/CEE.

    Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência: a) revogar-se o despacho de fls. 248 e seg., na parte em que o mesmo decretou a anulação do Acórdão do STA de 14 de Maio de 1997 in Rec. 21.403; b) revogar-se a sentença recorrida e julgar-se ademais a im-pugnação procedente e provada, ordenando-se, em conse-quência a restituição à recorrente da importância de 3.612.000$00 indevidamente liquidada e paga, acrescida de ju-ros, à taxa legal, desde 13.4.95 até integral embolso.

    Para o caso de se julgar ser obrigatório o reenvio prejudicial nos termos do art. 177º do Tratado de Roma, por se entender não estarem verificadas nem a excepção fundada na existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo TJCE, nem a excepção fundada na teoria do acto claro (cfr., sobre tais excepções, mota campos, Direito Comunitário, Fundação Caloutse Gulbenkian - Lisboa, 4a edição, vol. II, págs. 464 e segs.) - o que só por cautela se admite - ou de este douto Tribunal, não obstante a procedência de uma e/ou outra...

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