Acórdão nº 11097/02 de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução17 de Junho de 2004
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Paulo ...., com os sinais nos autos, vem impugnar o despacho de Sua Exa. o Secretário de Estado da Administração Educativa datado de 21.09.2001, concluindo como segue: 1) Considerar a ausência do recorrente como injustificada, quando a mesma se encontra legitimada por lei, na medida em que se verificam preenchidos os pressupostos respectivos de que depende a sua justificação, constitui uma violação manifesta do direito que o recorrente detém enquanto estudante e, simultaneamente, enquanto docente, privando-o de uma faculdade que por lei lhe é concedida com o objectivo de promover a sua valorização intelectual e profissional, ou, por outras palavras, consubstancia uma intolerável afronta ao direito de aprender e ensinar, previsto no art 43.° da Constituição da República Portuguesa.

2) Ora, ao considerar as faltas injustificadas retira-se qualquer sentido útil ao direito fundamental, em último termo, a sua "utilidade constitucional", desprovendo o recorrente da protecção mínima que tal direito pessoalmente lhe confere.

3) Nestes moldes, o conteúdo das normas legislativas que regulam o procedimento a adoptar ( ârt. 96.° do ECD e art. 5.° n.° 4 da Lei n.° 116/97, de 4 "de Novembro ) é o único pelo qual o sobredito direito fundamental se pode concretizar no seu núcleo mínimo e essencial.

4) Isto é: provando-se a frequência, com êxito final, de um curso de mestrado na área de docência do professor e provando-se que o interesse público em nada foi maculado com a iniciativa deste servidor público, só é possível concluir que esta situação é uma situação típica encerrada, no conteúdo essencial do direito fundamental supra referido - liberdade de aprender.

5) Sob outro enfoque, que aliás claramente preferimos ao " critério "adiantado por Vieira de Andrade, poderemos concluir que se verifica violação do conteúdo essencial de um qualquer direito fundamental, quando, em termos de proporcionalidade e exigibilidade, a restrição não seja exigida para a protecção de um bem jurídico mais valioso - cfr. Martinez-Pujalte, La garantia del contenido esencial de los derechos fundamentales, apud., Vieira de Andrade, ob. cit., p. 294.

6) Ora, no caso vertente não só não se vislumbra qual o bem jurídico mais valioso que o acto recorrido visasse salvaguardar, como, ademais, as exigências da lei ordinária, que entendemos no limite do conteúdo essencial daquele direito, se verificam preenchidas.

7) Consagrando a referida disposição normativa ( o art. 43.° da CRP ) um verdadeiro direito fundamental, enquadrado na trilogia dos direitos, liberdades e garantias, e tendo o mesmo sido claramente afrontado, padece o despacho recorrido de vício de violação de lei que conduz inelutavelmente à sua nulidade (art. 133.°, .n.° 2, al. d) do CPA).

8) Contudo, sustenta o despacho recorrido que o recurso hierárquico interposto para o Sr. Ministro da Educação deve ser rejeitado, porquanto supostamente nem todos os motivos formais contemplados no art. 173°se verificam, «pelo que deve ô mesmo ser rejeitado nos termos das disposições conjugadas da al. e) do citado art. 173.° e do n.° 2 do artº 161.°, ambos do CPA.» 9) Com o intuito de fundamentar a asserção supra transcrita, sustenta o despacho recorrido que o recorrente pretende ver resolvida uma questão que já tinha sido objecto de decisão, por parte da Sra. Secretária de Estado da Administração Educativa em 19/10/2000, pelo que « ao não apresentar recurso contencioso do despacho em tempo proferido por Sua Excelência o SEAE, veio como que a conformar-se com a decisão, isto é, com o acto administrativo »; jamais podendo pô-lo em crise, de acordo com o princípio da estabilidade do acto administrativo; 10) Contudo tem o referido argumento de improceder, na medida em que, além de o acto recorrido jamais se ter debruçado sobre o fundo da questão, atendendo tão somente na "legalidade externa" daquela, nos aspectos formais que a revestem. ( pois se o tivesse feito, certamente concluiria que o recorrente estava a ser privado de um direito que, inelutavelmente, lhe assiste e é reconhecido pelo ordenamento jurídico-constitucional e que foi claramente afrontado corno evidenciamos supra), a verdade é que o mesmo viola, um direito fundamental, o que tem como consequência inevitável a nulidade, noa termos do art. 133.°, n.° 2, al. d) do CPA - cfr. hoc sensu Ac. do STA de 20/05/93, proferido no âmbito do processo n.° 031520, em que foi relator o Juiz Conselheiro Nascimento Costa; Ac. do STA de 06/10/93, proferido no âmbito do processo n.° 03463; Ac. .de 14/02/2001, proferido no âmbito do processo n.° 041984, em que foi relator o Juiz Conselheiro Costa Reis; 11) Nestes moldes, o despacho recorrido, à semelhança do despacho da Sra. SEAE, porque viola um direito fundamental, não produz quaisquer efeitos jurídicos, podendo ser a nulidade invocada a todo o tempo, sem dependência de qualquer prazo, ou seja, pode ser objecto de reacção contenciosa ou administrativa em qualquer altura.

12) Consequentemente, considerar-se que o recorrente aceitou o acto administrativo e que o mesmo adquiriu estabilidade na ordem jurídica é perfeitamente insubsistente, o que é corroborado pelo Ac. do STA de, 16/03/95, proferido no âmbito do processo n.° 034830, em que foi relator o Juiz Conselheiro Azevedo Moreira, quando prescreve que « II - O fundamento da irrecorribilidade dos actos de execução, bem como dos actos confirmativos, radica na consolidação da definição jurídica estabelecida em acto anterior exigida pelo interesse público de estabilidade dos actos administrativos, presumindo-se "iure et iure" a concordância dos seus destinatários através da respectiva inércia contenciosa durante certo período de tempo; III - Esta razão de seria não se verifica relativamente aos actos nulos ou inexistentes. Não havendo lugar, conceitualmente, nestas categorias de actos a qualquer definição jurídica, não há efeitos de direito a preservar emanados de acto anterior oponíveis ao pedido de declaração de nulidade ou inexistência do acto ulterior. Nem, por outro lado, a passividade do particular: conduz à estabilidade do acto cuia impugnação contenciosa não está dependente de qualquer prazo.» 13) Quanto ao argumento aduzido pelo despacho recorrido no sentido de que o recurso interposto da decisão do Presidente da Comissão Executiva da Escola, bem como o requerimento também à ele dirigido, constituir um pedido de reapreciação administrativa de uma decisão anterior, pelo que se enquadra no disposto pelo art. 161.°, n.° 2 do CPA, importa esclarecer alguns aspectos.

14) Em primeiro lugar, importa concluir que facilmente se constata, pela análise do despacho recorrido e à semelhança da decisão do Presidente dá Comissão Executiva da Escola, que mais uma vez se não vislumbra qualquer justificação ou fundamentação atendível, qualquer referência ao item valorativo que norteou a decisão administrativa no sentido de considerar as faltas efectuadas pelo recorrente injustificadas, não tendo o mesmo sido esclarecido quanto ao mérito da sua pretensão, sendo que a mesma se ficou pela mera referência a aspectos formais, jamais se debruçando concreta e fundadamente sobre a legalidade ou ilegalidade da decisão do Presidente do órgão executivo da escola - o mesmo é dizer que inexistiu pronúncia.

15) Ou seja, nada impede que o recorrente possa reclamar de novo e até recorrer hierarquicamente quando a decisão prévia omitiu alguma questão sobre a qual se deveria pronunciar face à lista dos fundamentos com base nos quais eles foram deduzidos - hoc sensu, Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo, Almedina, 3.a Edição, 1996 - que foi precisamente o que sucedeu, 16) Nestes moldes, a actuação do recorrente encontra-se abrangida pelo disposto no artº 161.°, n.° 2," parte final, quando estatui que não se pode reclamar procedimentalmente do acto que foi objecto de decisão proferida em procedimento de reclamação ou recurso, « salvo com fundamento em omissão de pronúncia. » 17) Acresce, ademais, que ainda que tivesse existido pronúncia, a decisão seria sempre nula, por injusta e ofensiva de um direito fundamental; pelo que o recorrente poderia sempre recorrer, em homenagem ao regime dos direitos fundamentais e aos direitos de resistência e de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.° e 21.° da CRP).

18) Ou seja, a verificação da violação de um direito fundamental não é, ou pode ser, jamais, atento o regime destes direitos, obstaculizada em virtude do princípio da estabilidade dos actos administrativos, bem como, ademais, implica sempre o direito a ver conhecida a sua concreta violação.

19) Bem tendo, pois, andado o recorrente ao assacar ao acto recorrido a violação do conteúdo essencial do sobredito direito fundamental, em vez de se perder na invocação do, aliás manifesto, vício de que padece o acto recorrido atenta a não verificação das razões que presidiram à rejeição do recurso hierárquico.

* A AR sustenta a improcedência do recurso, concluindo como segue: Por excepção 1. O recorrente, professor do QZP, colocado na Escola Básica dos 2° e 3° Ciclos de Oliveira do Hospital no ano lectivo 1999/2000, vem insurgir-se contra a injustificação das faltas dadas por motivo de frequência do Mestrado em Arqueologia Pré-Histórica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, impugnando para o efeito num despacho proferido pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa que rejeitou o recurso hierárquico interposto peio recorrente para o Sr. Ministro da Educação".

  1. O despacho objecto do presente recurso não está devidamente identificado, não sendo sequer referida a data em que o mesmo foi proferido, circunstância que obsta desde logo ao conhecimento do recurso, devendo em consequência ser o mesmo rejeitado.

  2. Caso assim não se entenda, e face às alegações do recorrente, o acto ora impugnado pelo recorrente só pode ser o despacho de 21 de Setembro de 2001 do Secretário de Estado da Administração Educativa...

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